Se é verdade que Cristo ressuscitou num corpo palpável, capaz de tomar alimento junto com os discípulos, de caminhar, de falar, isto é, num corpo real, mas também num corpo espiritual, que poderia entrar em lugares fechados, desaparecer diante dos olhos das testemunhas, então por que Jesus quis ressuscitar com as cicatrizes da Paixão? Seria um atestado de imperfeição, uma incompletude na ressurreição? Ou teria o propósito de demonstrar e confirmar a autenticidade de sua identidade?
Santo Tomás de Aquino nos oferece quatro razões que justificam a conveniência das chagas no corpo de Jesus após a ressurreição:
“Primeiro, para a própria glória de Cristo. De fato, Beda escreve que Ele conservou as cicatrizes não pela incapacidade de curá-las, mas ‘para levar perpetuamente o triunfo de sua vitória’. Por isso, Agostinho ensina que ‘talvez no Reino dos Céus vejamos nos corpos dos mártires as cicatrizes das feridas sofridas por Cristo: pois não se trata de deformidade, mas de dignidade; para que neles resplandeça uma beleza, a da virtude, que, embora estando no corpo, não será do corpo’.
Segundo, para confirmar ‘na fé da sua ressurreição’ os corações dos seus discípulos. Terceiro, para ‘mostrar continuamente ao Pai, quando suplica por nós, que tipo de morte Ele sofreu pelos homens’. Quarto, ‘para mostrar aos fiéis redimidos pela sua morte com quanta misericórdia foram ajudados, mostrando os vestígios da própria morte’.
Finalmente, ‘para denunciar no juízo final quão justamente alguns sejam condenados’. Pelo que Agostinho escreve: ‘Cristo bem sabia porque tinha que manter as cicatrizes em seu corpo. Como de fato ele as mostrou a Tomé incrédulo, para que as tocasse e as visse, assim também as mostrará aos seus inimigos, de modo que convencendo-os da Verdade diga: ‘Eis o homem que crucificastes. Eis as chagas que vós lhe infligistes. Olhai para o lado que perfurastes. Porque por vós e para vós foi aberto; e ainda assim não quisestes entrar’’”.
Paixão vivida na carne
As cicatrizes, segundo Santo Tomás, são a prova visível da paixão vivida na carne de Jesus; elas permanecem não por falta de perfeição por parte de Cristo, mas para confirmar que Ele venceu a morte. Como nos mártires que sofreram na própria carne as perseguições e os sofrimentos da fidelidade a Cristo, que preferiram a morte à negação da fé, as chagas são sinais de grande dignidade e vitória.
As feridas dão aos apóstolos um argumento para a ressurreição de Cristo e mostram ao Pai, diante de quem Cristo, como mediador, intercede continuamente pela humanidade. As feridas, que Cristo quis manter em seu corpo glorioso, também foram feitas gloriosas na ressurreição e servem não só para aumentar a fé, mas principalmente para confirmar que esse Jesus, agora ressuscitado com um corpo glorioso, é o mesmo Jesus crucificado que passou pela cruz e que carrega as feridas gloriosas como um “lugar” onde os homens, como Tomé, podem ver e tocar, e passar da incredulidade à fé através de uma experiência vivida na carne.
Servirá, no julgamento final, aos condenados como a voz de sua justiça, a qual aqueles que se recusam a acreditar, apesar dos sinais transmitidos pelas testemunhas, não aceitaram.
Rayana Soares¹
¹Bacharel em Teologia pela Faculdade Católica de Lugano e missionária da Comunidade Shalom em Lugano, Suíça.