Formação

Cristo e os Conselhos Evangélicos

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Os conselhos evangélicos têm sua origem divina, mais exatamente, cristológica, pois estão fundamentados nas palavras e exemplos do Senhor.

Tem sua origem divina na doutrina e nos exemplos de Jesus, isto quer dizer, que se fundam em sua vida, em toda sua vida. A vida e a doutrina de Jesus estão na base de toda forma de vida cristã, e de maneira especial, na base da vida consagrada.

Quando se fala na vida de Jesus, não se refere aos seus aspectos, mas às suas dimensões.

Como foi a vida de Jesus?

Jesus é o Homem inteiramente livre e inteiramente para os outros. Ele viveu inteiramente para o Pai e para os irmãos. Sua vida consiste em desviver-se. Não se pertence a si mesmo. É, existe e vive para Deus e para os homens. E a virgindade- pobreza-obediência, foram a expressão objetiva desta plena e definitiva autodoação. Por isso a vida de Jesus não foi simples existência, mas uma proexistência. Seu existir foi proexistir, existir em favor dos outros, dando tudo e a si mesmo. Então os conselhos evangélicos não podem ser entendidos como aspectos, mas como dimensões constitutivas da vida de Jesus.

Para nós, também os conselhos evangélicos não são aspectos, mas dimensões constitutivas de nossa vida. Porque o consagrado ” imita mais estreitamente e re-apresenta perenemente na igreja o gênero de vida que o Filho de Deus assumiu quando veio a este mundo para cumprir a vontade do Pai, e que propôs aos discípulos que o seguiam”.(Concílio)

Afirmar a origem divina-cristológica dos conselhos evangélicos é afirmar a sua existência, mas também sua inviólavel perdurabilidade na igreja, já que se trata de “bem irrenunciável, sobre o qual a igreja não tem poder de vida ou morte. A Igreja o recebe como se recebe um dom, e o guarda com fidelidade, porque eles não são de origem eclesiástica, mas cristológica. Os conselhos evangélicos expressam, a doação total e irrevogável de Cristo à Igreja, e a doação total da igreja a Cristo.(nós não podemos extinguir os mesmos).

A hierarquia da igreja tem a missão de interpretá-las, regular sua prática e também de organizar formas estáveis de vivê-los.

Por causa da origem cristológica, o consagrado vive não simplesmente a castidade, mas a castidade de Cristo; não é a pobreza, mas a pobreza de Cristo, tampouco é a obediência, mas a obediência de Cristo. Existem outras formas de pobreza, castidade e obediência, mas nenhuma delas nos interessa, somente a que Cristo viveu. (não é aos nossos moldes).

Se nós nos desviarmos, ou nos descuidarmos da origem e dimensão cristológicas dos conselhos evangélicos, nós os tornaremos ininteligíveis, esvaziados de sentido, perdendo sua maior riqueza teológica. Nós não podemos desvinculá-los da pessoa de Cristo, de sua vida e doutrina. Deste modo e por essa razão, os conselhos evangélicos se converteram em simples meios ascéticos, em vez de ser atitudes e dimensões essencialmente evangélicas e cristológicas.

Portanto, para compreendermos verdadeiramente os conselhos evangélicos é necessário voltar decididamente à pessoa de Jesus virgem-pobre-obediente com sua vida e sua doutrina, com o chamado ao seu seguimento e com seu mistério de Kénosis; em relação com a Igreja, com sua vida, com sua santidade, com sua dimensão carismática e escatológica e com sua missão evangelizadora; em relação com o Reino de Deus, com sua valiosidade absoluta, com suas exigências supremas e com seu estabelecimento neste mundo, como inauguração da vida celeste ( Jesus foi casto-obediente e pobre para isto).

Sentido em Jesus Cristo

A virgindade, a pobreza e obediência, constituem as três dimensões mais profundas do viver humano de Cristo. Não foram alguma coisa de secundário ou marginal em sua existência, mas algo constitutivo de seu modo histórico de ser e de viver para os outros.

O que significaram na vida-missão de Jesus esses três conselhos evangélicos?

Amor total demonstrado – isso significa que os conselhos eram para Jesus um meio, uma forma dele demonstrar o seu amor, provar o seu amor total a Deus e aos homens. Uma prova autêntica profunda de amor. Como provar o meu amor a ti, como tu irás reconhecer que o meu amor é sincero e é tão sincero que vou ser pobre-obediente-casto. E não como meios para conseguir o amor perfeito, mas como expressão desse amor perfeito. Não para tornar possível o amor, mais para tornar visível o amor. Para demonstrar o máximo amor ao Pai e aos irmãos.

Cristo teria amado com o mesmo amor total ao Pai e aos homens, se tivesse vivido de outra maneira, sem o mínimo perigo para sua liberdade ou para deixar-se levar para o egoísmo. Porém não nos teria feito ver com a mesma claridade e evidência esse amor e essa liberdade. Fazer ver com argumentos, dar provas convincentes. A virgindade-pobreza-obediência de Jesus foram grito essencial de amor e testemunho irrefutável de liberdade.

Quanto mais encarnarmos a pobreza-obediência-castidade mais demonstramos nosso amor a Deus e mais somos livres para amá-lo. Nada nos prende, nem nos domina. Quando tomamos posse de algo ou de alguém é porque estamos dominados por esse algo ou alguém. Devemos também através desses conselhos provar o nosso amor a Deus e aos homens, a nossa doação de nós mesmos sem reservas.

Doação total de si mesmo (como Jesus muito amava ao Pai ele doa a si mesmo).

O amor manifesta-se sempre como dom. Não há amor se não há dom.

Amor total – dom total – dom de si mesmo.

Amar é dar-se! Jesus não se pertence e não vive para si. Por isso vive inteiramente para os outros, para Deus e para os homens, isto é, para o Reino. Literalmente ele “desvive-se”. Jesus pôs-se a serviço dos outros – do Pai e dos irmãos – tudo o que era e o que tinha: Filiação, experiência com Deus, doutrina, tempo, própria vida. Porque viveu inteiramente como Filho do Pai, pode viver inteiramente como irmão de todos os homens.

Vivência antecipada do sacrifício da sua morte

Os conselhos eram para Jesus, parte integrante de sua Kénosis, do mistério de seu aniquilamento que culminou na morte de cruz. A Kénosis que Jesus vive não era mera renúncia, nem puro esvaziamento, mas auto-doação por amor. Cristo ofereceu-se a si mesmo e não sangue de animais. E esse sacrifício durou toda a sua vida.

A morte é a total oferta do nosso ser a Deus: o grão de trigo precisa morrer para nascer de novo.

Através dos conselhos evangélicos vivenciamos antecipadamente a cada dia a nossa morte, o nosso aniquilamento, que culminará em nossa morte (humildade – viver a nossa verdade).

Cristo não pode deixar de ser Deus, não pode renunciar ao seu ser divino, porém renunciou a sua condição divina gloriosa, isto é, renunciou a manifestar de modo habitual em sua humanidade a glória que lhe correspondia em virtude de sua divindade. Não fez valer seus direitos. Despojou-se de sua nobreza. Sendo Senhor e Rei, apresentou-se como servo e escravo.

Inauguração de “modo celeste de vida”

A vida da graça nos faz viver desde esta vida a glória do céu. A vida da graça é a vida eterna.

Também foram, os conselhos evangélicos, em Cristo, antecipação de sua ressurreição gloriosa, prefiguração da nossa e inauguração neste mundo da vida celeste. Através dos conselhos evangélicos, Cristo tornou já presente, nesta etapa terrena do Reino os bens definitivos e as atitudes essenciais do Reino consumado.

Pela pobreza-obediência e castidade, Cristo adiantou, aqui e agora, a condição essencial da vida celeste, estabelecendo um tipo de relações, divinas e humanas, válidas para outra vida.

Viveremos aqui o que viveremos no céu. A vida na terra deve ser uma preparação e antecipação da vida que vamos viver no céu. Os conselhos nos fazem viver e ser aqui na terra o que viveremos e seremos no céu.

O que são e o que devem significar em nós os conselhos evangélicos?

Aquilo mesmo que eles foram em Cristo e ter a mesma significação que tiveram nele. Do contrário seria necessário a condição evangélica da vida consagrada. Se a vida consagrada é em sua própria essência seguimento e imitação radical de Jesus Cristo virgem-pobre-obediente.

Os conselhos evangélicos na vida consagrada são afirmação clara da primazia absoluta do Reino, presença no mundo dos bens definitivos, prefiguração e experiência da vida eterna e da ressurreição gloriosa.

Devemos então, viver os conselhos evangélicos com o mesmo sentido que Cristo viveu, porém para nós, homens pecadores, precisamos acrescentar uma afirmação complementar: os conselhos evangélicos devem se tornar meios removedores de obstáculos, em mortificação das raízes de pecado-de cobiça, de egoísmo, de soberba (as concupiscências) que existem em nós, inclusive depois do batismo, e que um dia podem se transformar em frutos de pecado. São pedagogia para o amor, além de ser constitutivamente amor. Porque a amar se aprende amando. E esta é uma significação que em Cristo não tiveram.

Para nós assume também o caráter ascético, mas não para aí, porque seria privá-las de todo o seu sentido cristológico e, consequentemente esvaziá-los de seu conteúdo melhor. Deixariam então, de ser realidades e atitudes evangélicas, para ser simplesmente costumes ascéticos ou meios humanos de purificação.

A Castidade:

Prometer viver a castidade, significa imediatamente amar ao Pai e a todos os homens com o mesmo amor total, divino e humano de Cristo, que cria uma fraternidade universal com um tipo de relaçao interpessoal que continuará sendo válidas na outra vida, a fim de transcender toda mediação fundada nos sentidos (prazer pelo prazer).

A castidade vem de encontro a concupiscência do prazer, vem dar ao prazer o seu verdadeiro significado.

Celibatário (virgindade consagrada) – vive essa dimensão acrescida da renúncia ao matrimônio e ao exercício da sexualidade como conseqüência lógica desse amor imediato, total para viver inteiramente para o Reino. Evitando toda polarização e toda imediação no amor.

A castidade esponsal da Igreja na vida consagrada

A igreja por si é realmente virgem como Cristo, porque é esposa de Cristo: “Desposei-vos a um único Esposo para vos apresentar a Cristo como virgem pura. (2 Cor. 11,2s)

Quando Jesus comunica seu Espírito à Igreja, comunica-lhe a sua virgindade. Virgindade cristã não significa, então, renúncia ao matrimônio, mas acolhida total do Espírito de Cristo; a renúncia ao matrimônio pode ser um modo significativo de manifestar esta acolhida do Espírito.

Santo Agostinho diz: “Criou a Igreja virgem e por isso é virgem. Na carne há somente virgens consagradas; na fé todos devem ser virgens, homens e mulheres… Virgem é, pois, a Igreja: é virgem, seja virgem!”

Portanto, precisamos cada vez mais entregar nossos sentidos a Deus: o nosso olhar, o nosso gosto, o nosso cheiro, o nosso ouvir, o nosso falar, o nosso tocar, o nosso sentir.

A pobreza: O Pai é a nossa única riqueza

A pobreza de Cristo foi, em face ao Pai, confiança absoluta, que ele expressou numa renúncia explícita a todo outro apoio, para afirmar decididamente que se apoiava somente nele, e proclamar a relatividade de todo o criado diante do valor absoluto do Reino.

Em face aos homens foi disponibilidade de tudo o que era e de tudo o que tinha. Em face a si mesmo, a pobreza foi parte integrante de seu ministério de aniquilamento. Em face dos bens desse mundo liberdade soberana.

Prometer viver na pobreza (fraternidade, unidade), pobreza quer dizer, empenhar-se em confiar infinitamente em Deus, apoiando-se unicamente nele, viver decididamente, para os outros, compartilhando tudo o que se é e tudo o que se tem com os irmãos, não pertencer-se para pertencer a todos, e manter diante de todas as coisas plena liberdade e independência ativa. É portanto, um meio de se vencer a concupiscência do possuir, que atinge uma dimensão muito maior do que somente ajuntar tesouros na terra.

A Obediência: O desafio da liberdade na obediência

A obediência em Cristo foi submissão filial plena e amorosa ao querer do Pai. Foi estado e atitude de perfeita docilidade, ativa e responsável à vontade do Pai. Foi saber-se centro do plano salvífico de Deus, aceitá-lo incondicionalmente com todas as suas consequências.

Fazer voto de obediência significa comprometer-se diante de Deus e diante dos irmãos a viver em atitude de total docilidade à vontade amorosa do Pai e a acolhê-la filialmente como critério único de vida, sejam quais forem as mediações humanas ou sinais que manifestam essa vontade.

Se estivermos atentos a vontade de Deus não esperaremos que as nossas autoridades a revele para nós e nem resistiremos aos absurdos ou mesmo aquilo que para nós é muito difícil. Nós mesmos exporemos a vontade de Deus para elas e as ajudaremos a descobrir conosco o que Deus tem para nós. Contribuiremos positivamente no caminho de Deus para as nossas vidas.

Para vivermos a obediência não podemos assumir uma atitude passiva ou muito menos uma atitude de nos esconder da vontade de Deus e nos colocarmos indispostos, resistentes, a ela, mas uma atitude de descoberta, uma disposição interior, uma determinação de descoberta para vivê-la. Como nós não queremos vivê-la nem queremos descobrí-la. O conhecimento da vontade de Deus nos leva a responsabilidade e não temos como nos abster de cumprí-la.

Os grandes desafios da vida consagrada

A missão profética da vida consagrada vê-se provocada por três desafios principais, lançados à própria Igreja e esses desafios tocam diretamente os conselhos evangélicos de castidade, pobreza e obediência, estimulando a Igreja, e de modo particular as pessoas consagradas, a pôr em evidência e testemunhar o seu significado antropológico profundo. Na verdade, a opção por esses conselhos, longe de constituir um empobrecimento de valores autenticamente humanas, revela-se antes como uma transfiguração dos mesmos. Os conselhos evangélicos não devem ser considerados como uma negação dos valores inerentes à sexualidade, ao legítimo desejo de usufruir de bens materiais, e de decidir autonomamente sobre si próprio. Essas inclinações, enquanto fundadas na natureza, são boas em si mesmas, mas a criatura humana, enfraquecida como está pelo pecado original, corre o risco da as exercitar de modo transgressivo. A profissão de castidade, pobreza e obediência, torna-se uma admoestação a que não se subestimem as feridas causadas pelo pecado original, e, embora afirmando o valor dos bens criados, relativiza-os pelo simples fato de apontar Deus como o bem absoluto.


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