Portugal acaba de legalizar a prática do crime do abortamento. Haverá por lá vidas humanas que até a décima semana poderão ser ceifadas. Deixou de ser crime. Fica por conta da gestante, orientada por especialistas, tomar a decisão. Autorizado e instado pela gestante, o médico deixará de ser o carrasco a executar um inocente indefeso, para se tornar o parceiro do direito feminino de eliminar “o injusto agressor”. Mas, se tiver passado mais de dez semanas – suponhamos onze semanas -, o mesmo médico estará cometendo um crime infame. Pode-se então perguntar: que critérios levaram a permitir o abortamento até a décima semana e a negá-lo no resto do tempo de gestação? A vida do feto humano vale mais nas semanas seguintes? Quando a vida humana começa a ter valor? Antes do parto a gestante – e com ela a sociedade – pode dispor da vida em formação? São mais conseqüentes, em sua insensibilidade moral, aqueles que defendem o abortamento em qualquer etapa da gestação. E mais conseqüentes ainda serão se propuserem a eliminação pura e simples dos recém-nascidos que trouxerem grave incômodo aos pais ou à sociedade pelas mais variadas razões. Como é facilmente verificável por pessoas que conservaram um mínimo de sensibilidade moral, a legalização do abortamento é fruto da arbitrariedade e da prepotência. É uma brutalidade, embora os brutos nunca abortem. Há quem tente justificar o abortamento para os casos em que a mulher tenha sido vítima de violência sexual. Há que se reconhecer a real dificuldade para a mulher de levar avante tal gravidez. Mas, se ela escutar as batidas do coração do bebê que, com todo o carinho, seu corpo de mulher alimenta e protege, ser-lhe-á difícil silenciar-lhe seu desejo de viver. Oxalá, então, toda a sociedade se coloque a seu lado para ajudá-la a transformar sua dor em fonte de vida para o filho que cresce em suas entranhas. Legalizar o abortamento é aceitar que se cometa uma violência maior que a do estupro.
Há argumentos a favor da legalização do abortamento que são fruto de uma concepção amoral da existência. Nosso ministro da saúde, por ocasião da prisão de uma pobre moça que procurou o abortamento através da ingestão de droga, se mostrou favorável à descriminalização da prática. Como a moça que tomou essa providência já estava no quarto mês de gestação, parece que o ministro é de opinião que o abortamento poderá acontecer em qualquer fase da gravidez. No que ele é bastante lógico, pois de fato a vida humana é a mesma no início e no fim da gravidez. Preocupado com as reações públicas à sua posição, o ministro afirmou que era, ele também, a favor da vida. Mas concluiu dizendo que era preciso pensar, na “situação de fato”, nos riscos de vida para a mãe nas clínicas clandestinas e nos abortos sem assistência médica. O argumento é, pois, esse: o fato da prática em alta escala do abortamento em clínicas clandestinas e em outras situações – com risco para a mulher – autoriza a sociedade legalizar sua prática. Do fato – não importa se é um bem ou não – parte-se para o direito. Assim se pensa também em relação ao jogo do bicho e a outras tantas realidades da vida em sociedade. É o argumento do “Já que”. A moral não passa de “ciência dos costumes”, entendida não como instância que avalia os costumes, mas como codificação dos costumes estabelecidos. Em tal contexto cultural educar para a virtude torna-se uma tarefa quase impossível. É mais fácil a filosofia do “Já que”. O embrião ou feto é vida humana em processo como a minha e a sua, caro leitor, e, por isso deve ser protegida pela sociedade. Na verdade só teremos acabado de nascer ao morrer. Temos um destino eterno. Nossa vida, desde a concepção é sagrada.
Por isso é absurdo submeter à consulta popular – a plebiscito -, a descriminalização do abortamento. Imaginem uma consulta popular no Irã sobre uma possível execução dos soldados ingleses aprisionados em águas iranianas. Supõe-se que os dirigentes de uma nação tenham suficiente discernimento para resguardarem os direitos fundamentais do ser humano e suficiente formação moral para discernirem entre o bem e o mal. E é obrigação deles esclarecer a sociedade sobre as exigências concretas de respeito à dignidade humana e da procura do bem comum. Há valores que não dependem da votação da maioria. Soube que existe no Congresso Nacional a proposta de se promover uma consulta popular – um plebiscito – sobre a legalização do aborto. É absolutamente destituída de sentido ético tal iniciativa uma vez que só o fato de abrir tal consulta está a ensinar que se pode eliminar uma vida inocente e indefesa. Não faz muito tempo assisti em DVD a um abortamento. Vi uma criança de 12 semanas ser arrancada aos pedaços de sob o coração da mãe. Foi uma cena horrível. O Dr. Bernard Nathanson, cognominado o “Rei do Aborto”, diretor de uma clínica especializada em abortamento nos EUA, depois de assistir o DVD de um aborto que ele mesmo fizera, – ele fizera tantos outros -, horrorizado, converteu-se no apóstolo do “direito de nascer” e é ele mesmo quem, em magistral aula, descreve, no DVD que assisti, o violento procedimento do abortamento. O aborto é um crime – para quem crê em Deus, um pecado – praticado por muitas mãos, também pelas mãos daqueles que fazem leis que o tornam “legal”.
Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues
Arcebispo de Sorocaba (SP)
Fonte: CNBB