Formação

Eu creio na santidade da Igreja

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“Compreendi que a Igreja tinha um corpo, composto de diferentes membros, não lhe faltava o membro mais nobre e mais necessário. Compreendi que a Igreja tinha um Coração, e que este Coração ARDIA de AMOR. Compreendi que só o amor fazia os membros da Igreja agirem, que se o amor viesse se apagar, os Apóstolos não anunciariam mais o Evangelho, os Mártires se recusariam a derramar seu sangue…Compreendi que o amor encerrava todas as vocações, que o amor era tudo, que ele abraçava todos os tempos e todos os lugares… Em uma Palavra, que ele é eterno.” (Santa Teresinha, Cat, 826).

O Credo Niceno-Constantinopolitano professa a fé na Trindade Santa e em seu plano salvífico. Esta profissão de fé é concluída com as seguintes palavras: “Creio na Igreja una, santa, católica e apostólica. Professo um só batismo para a remissão dos pecados. E espero a ressurreição dos mortos e a vida do mundo que há de vir. Amém” (Cat, 184).

Unidade, Santidade, Catolicidade e Apostolicidade são atributos inseparavelmente ligados entre si e indicam aspectos essenciais da Igreja e de sua missão no mundo (cf. Cat, 811).

Nesta nossa breve reflexão, desejamos aprofundar um pouco mais o atributo Santidade da Igreja, atributo este que, no decorrer da história eclesiástica, tem sido alvo de tantos questionamentos, principalmente por parte daqueles que, de um modo ou de outro, se opuseram à Igreja Católica. Muitos destes enfocaram as “fraquezas” da Igreja, ou seja, os pecados, às vezes gravíssimos, de seus membros, bem como a aparente falta de testemunhos evidentes de santidade no interior da mesma, numa tentativa de questionar seja a Instituição Igreja, seja a sua sobrenaturalidade. Como já dissemos, normalmente as críticas são dirigidas às faltas ou aos escândalos que determinados membros da Igreja cometeram e que se tornaram notórios; esta realidade de pecado individual e até mesmo, em alguns casos, coletiva, parecia (e atualmente ainda parece) denegrir a santidade da Igreja.

Entretanto, a questão merece ser aprofundada, pois é necessário compreender como a própria Igreja vê o seu atributo de Santidade, para isso seria útil ler o Catecismo da Igreja Católica, do parágrafo 823 ao 829. Antes de mais nada, podemos ler que a santidade é entendida como dom que Cristo oferece à Igreja, sua esposa: “A Igreja, unida a Cristo, é santificada por Ele; por Ele e nele torna-se também santificante. Todas as obras da Igreja tendem, como a seu fim, a ‘santificação dos homens em Cristo e a glorificação de Deus'” (Cat, 824).

Continuando a leitura, encontramos no parágrafo 826 que “a caridade é a alma da santidade à qual todos são chamados. Ela rege, informa e conduz ao fim todos os meios de santificação.

A Igreja se reconhece formada de homens e mulheres, resgatados por Cristo através do Batismo; porém, afirma que a nova vida que seus membros receberam não suprime a fragilidade e a fraqueza da natureza humana nem a inclinação ao pecado (concupiscência) “que continua nos batizados para prová-los no combate da vida cristã, auxiliados pela graça de Cristo. É o combate da conversão para chegar à santidade e à vida eterna, para a qual somos incessantemente chamados pelo Senhor” (Cat, 1426). Ou seja, a Igreja entende-se Santa, pois recebe de Cristo o dom da Santidade, mas reconhece que todos os seus membros, enquanto peregrinos rumo à vida definitiva e eterna, são pecadores (cf. 1Jo 1,8-10), em todos os seus filhos encontram-se mesclados o joio do pecado e o trigo do Evangelho (cf. Cat, 827 e Mt 13,24-30).

É importante perceber que, apesar do imenso mistério do amor e da misericórdia de Deus por nós – expressos de modo inequívoco por Jesus no evento da sua paixão e morte na cruz -, continuamos livres; livres para acolher em nossa vida o amor de Deus ou para recusá-lo.

Portanto, cada batizado – você e eu – enfrenta o desafio diário de renovar sua opção fundamental por uma vida cristiforme, renovar suas disposições de, com a graça de Deus, viver segundo o projeto amoroso de Deus. Como Cristo, que “tinha condição divina e não considerou o ser igual a Deus como algo a que se apegar ciosamente. Mas esvaziou-se a si mesmo, e assumiu a condição de servo, tomando a semelhança humana. E, achado em figura de homem, humilhou-se e foi obediente até a morte e morte de cruz” (Fl 2,6-8), da mesma forma nós, cristãos católicos, devemos, livre e radicalmente, optar pela Vontade do Pai.

Sem dúvida, o caminho de vida cristã não é fácil, pois nos convida a romper com o pecado diariamente; em meio ao desafio do cotidiano é importante sempre recordar que fazemos parte de um povo novo, remido por Cristo e constituído seu corpo: “Ao comunicar seu Espírito, fez de seus irmãos, chamados de todos os povos, misticamente os componentes de seu próprio Corpo. Neste Corpo, a vida de Cristo se difunde nos crentes, através dos sacramentos que, de uma forma misteriosa e real, os une a Cristo sofredor e glorificado” (LG, 7).

Este texto da Constituição Lumen Gentium, sobre a Igreja, nos lembra algo muito importante: os sacramentos são vias para a graça de Deus se propagar no interior da Igreja, ou seja, são sinais eficazes da graça que Cristo comunica à sua Igreja, através deles nos é dada a vida divina, a vida de santidade (cf. Cat, 1131).

Entretanto, apesar do nosso chamado a uma vida de santidade e da graça que Deus nos oferece por intermédio dos sacramentos, enfrentamos as más inclinações (concupiscências) de nossos corações. Diante destas, podemos fazer um mau uso de nossa liberdade, optando pelo pecado, pelo não a Deus e ao seu amor.

O apelo à conversão continua a soar em nossas vidas, somos chamados a uma postura concreta e constante de conversão. Mas para responder positivamente a este constante apelo à conversão, devemos nos esforçar e, com coragem, lutar para resistir ao pecado, por amor a Jesus Cristo, sem esquecer que este nosso esforço não é apenas uma obra humana, mas é acima de tudo: “movimento do ‘coração contrito’ (Sl 51,19) atraído e movido pela graça a responder ao amor misericordioso de Deus que nos amou primeiro” (Cat, 1428).

Conscientes dessa verdade, não devemos nos deixar abater ou desanimar diante dos graves erros ou supostos escândalos cometidos por membros da Igreja, sejam eles leigos, presbíteros ou até mesmo epíscopos, mas esta realidade dolorosa deve nos convidar a reconhecer a beleza do mistério que vivemos como católicos: fazemos parte de uma Igreja que é Santa, mas cujos membros são pecadores… reconhecendo esta verdade, podemos mergulhar ainda mais profundamente na compreensão de que o amor que Deus tem por sua Igreja é rico em misericórdia, é eterno, é incondicional, é maior que os nossos pecados pessoais ou coletivos.

Devemos também recordar que, diante do pecado de um irmão nosso, não podemos: 1) esquecer que também nós somos pecadores (cf. 1Jo 1,10); 2) confundir pecado e pecador – devemos condenar e nos manifestar contrários ao pecado, mas não podemos condenar o pecador, pois isto cabe a Deus e, em alguns casos, à Justiça Eclesiástica ou Civil; 3) esquecer que, como cristãos, somos chamados a imitar a Cristo que nos revelou a infinita Misericórdia do Pai (cf. Lc 15,11-32 e Jo 8,1-11). Isto não quer dizer que aqueles que realmente cometeram certos pecados ou crimes (como aqueles que recentemente têm sido veiculados pela mídia) não devam se responsabilizar publicamente por seus atos, mas perante toda essa realidade devemos ter uma postura de autênticos cristãos e não gritar junto com aqueles que ainda não acolheram a Boa Nova: Crucifica-o… (cf. Jo 19,6).

A nossa postura deve ser a de condenar o pecado e evitá-lo a todo custo, mas como Igreja que somos, devemos também reconhecer diante de nossas limitações e fraquezas que precisamos nos esforçar mais ainda, auxiliados sempre pela graça de Deus, na busca de acolher a santidade que Cristo todos os dias nos oferece através da sua Palavra, dos Sacramentos e de uma vida autêntica de caridade.

Santa Teresa d’Ávila convidava suas filhas carmelitas descalças a, diante do pecado de uma irmã, não buscar corrigi-la com uma crítica verbal (necessária algumas vezes), mas a procurar pôr em prática a correção fraterna através do exercício da virtude oposta àquele pecado.

Penso que podemos fazer deste conselho de Teresa uma autêntica regra de vida para todos nós: diante da mentira devemos ser verdadeiros; do ódio deste mundo, viver o amor que Cristo nos ensinou; das guerras que vemos, devemos buscar ser aqueles que vivem e anunciam a paz; dos pecados que ferem a vivência da castidade (e nós sabemos que hoje são muitos), devemos buscar encarnar a verdadeira castidade … Não podemos esquecer São Francisco de Assis, que elevou a Deus aquela famosa oração (Senhor, fazei de mim um instrumento de vossa paz, onde houver ódio que eu leve o amor…) e que encarna tão bem este espírito proposto por Santa Teresa.

Esses santos e todos os outros, que no passado e no presente servem como modelo de prática heróica das virtudes e de fidelidade à graça de Deus (cf. Cat 828), nos ajudam a reconhecer o poder do Espírito de santidade que está presente na Igreja e nos sustentam na esperança de que podemos superar todas as dificuldades da vida presente, bem com as nossas inclinações ao pecado, e que vivendo uma vida santa podemos dar a maior colaboração possível na construção de um mundo mais justo e autenticamente humano.

Lançando o olhar sobre a história, podemos recordar que a melhor resposta dada pela Igreja aos que a acusavam ou criticavam (justa ou injustamente), foi através de seus filhos que não só falaram, mas procuraram, acima de tudo, viver o Evangelho, lutando heroicamente em busca da santidade. Vale a pena lembrar que todos nós (isso inclui você) somos chamados por Deus à santidade: “Sede perfeitos, como o vosso Pai do céu é Perfeito” (Mt 5,48; cf. Lumen Gentium, 40).

Não é difícil perceber que depois de todas as grandes crises que a Igreja viveu, surgiram numerosos santos, homens e mulheres, papas, bispos, padres, diáconos, consagrados, leigos… que como nós responderam ao mundo e afirmaram com suas vidas a santidade da Igreja. Que tal também nós nos decidirmos a gritar ao mundo que a Igreja é Santa? Façamos como Antão, Inácio de Loyola, Teresinha, Catarina, Antônio, Francisco, Domingos, Paulina, Bento, Escolástica, Vicente, Dulce, Clara, Cecília, Teresa … que antes de serem santos eram homens e mulheres católicos, como você e eu.

“Cristão, reconhece a tua dignidade. Pois participas agora da natureza divina, não te degeneres retornando à decadência de tua vida passada. Lembra-te da Cabeça a que pertences e do Corpo de que és membro. Lembra-te de que fostes arrancado do poder das trevas e transferido para a Luz e o Reino de Deus” (Cat, 1691).

Depois desse belo pensamento de São Leão Magno, terminamos esta nossa reflexão citando o número 829 do Catecismo: “‘Enquanto na beatíssima Virgem a Igreja já atingiu a perfeição, pela qual existe sem mácula e sem ruga, os cristãos ainda se esforçam por crescer em santidade vencendo o pecado. Por isso elevam seus olhos a Maria’. Nela a Igreja é já toda santa”.

Comunidade Católica Shalom


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