Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Jejuai! Este é um convite que ecoa, incontestavelmente, como superado na cultura contemporânea. Por um lado, a triste constatação de uma enorme parcela da humanidade privada do usufruto das condições básicas e mínimas de alimentação. Por outro lado, os exageros de um consumismo inconseqüente alimentando o vício de só se conseguir viver às custas de um bem estar permanente e garantido a todo preço. Estas duas perspectivas configuram, naturalmente e de maneira suficiente, a distância existente para a proposta ou convocação ao jejum. No entanto, há de se buscar compreender o sentido e uma razão educativa indispensável para a adoção da prática do jejum, nestes tempos, visando possibilitar conquistas que advém propriamente da prática desta disciplina. O Santo Padre o Papa Bento XVI para a Quaresma de 2009 sublinhou que a prática do jejum parece ter perdido um pouco do seu valor espiritual e ter adquirido apenas o valor de uma medida terapêutica para o cuidado do próprio corpo.
A preocupação com o cuidado do próprio corpo tem sido freqüente, estabelecendo limites, ao menos por esta razão, para a cultura contemporânea marcada, de modo até incontrolável, pela busca da satisfação material. Uma determinada visão da corporalidade estimula a prática do jejum pelos controles e medições da alimentação, não deixando de trazer seus benefícios próprios enquanto qualifica as condições de vida. Mas, na verdade, relembra a mensagem do Papa Bento XVI, jejuar é bom para o bem-estar; mas, para os que crêem é, em primeiro lugar, uma terapia para curar tudo o que impede àquela insubstituível meta de buscar a conformação com a vontade de Deus. Há, pois, um valor espiritual de grande importância quando se trata da prática do jejum. Este valor espiritual se concentra, particularmente, na perspectiva de se superar o entorpecimento conseqüente que o pecado traz, com suas conseqüências.
Este entorpecimento causado pelo pecado tem, de fato, conseqüências nefastas. O jejum é uma prática, como exercício espiritual, que abre perspectivas de sua superação. Estas conseqüências do entorpecimento, causadas pelo pecado, enjaula o coração humano em ódios, ressentimentos e mágoas, em indiferenças, ganâncias perigosas e perversas, bem como na incapacidade para perdoar e reconciliar-se. Esta prisão existencial segura muita gente no seu progresso e cria sérios impedimentos no tecimento da cultura da paz. Por isso, a Sagrada Escritura e toda a tradição cristã ensinam que a prática do jejum tem poder de ajudar na superação do pecado e de tudo o que nele resulta.
O Papa cita Santo Agostinho, na sua mensagem, referindo-se ao conhecimento que o Santo tinha de suas próprias inclinações negativas, definidas por ele, nas Confissões, II, 10.18, como “nó complicado e emaranhado”, bem como a importância do jejum nas reflexões contidas no seu tratado A utilidade do jejum: “Certamente é um suplício que me inflijo, mas para que Ele me perdoe; castigo-me por mim mesmo para que Ele me ajude, para aprazer aos seus olhos, para alcançar o agrado de sua doçura”. Portanto, o jejum não apenas beneficia as condições físicas do corpo de quem jejua. O jejum é um exercício disciplinar portador de vários e indispensáveis benefícios na busca do próprio equilíbrio e na contribuição responsável para equilíbrios comprometidos no tecido social e político da sociedade contemporânea.
Ora, não se pode desconhecer, embora seja uma tendência secularista existente, que há uma fome mais profunda instalada no mais íntimo do coração humano: a fome e a sede de Deus. O jejum abre perspectivas para uma escuta que capacita o coração e a inteligência para uma tomada de consciência da situação carente na qual vivem tantos irmãos e irmãs; proporciona, diz o Papa Bento XVI, o cultivo do estilo Bom Samaritano, incontestavelmente necessário para combater e tomar o lugar da cultura individualista e indiferente do momento atual. Por isso, ele sublinha que “o jejum representa uma prática ascética importante, uma arma espiritual para lutar contra qualquer eventual apego desordenado a nós mesmos”.
É irrefutável que a prática do jejum guarda uma possibilidade interessante nesta indispensável reeducação. Não permite definir a agenda da vida moderna simplesmente pela dinâmica desenfreada e perversa do consumo. Os apetites da natureza precisam de controles. Do contrário, a hegemonia de arbitrariedades vai empurrando a cultura e seus produtores no descaminho de uma verdadeira delinqüência. Uma delinqüência já presente por falta de sentido de limites e pelo desarvoro de se conceber a vida só como palco do prazer e do consumo. O jejum ajuda o corpo, mortifica o egoísmo e abre o coração a Deus e ao próximo. Pode parecer superado o convite. Sua prática guarda uma resposta. Jejuai!