É possível manter fidelidade a Cristo e não ser fiel à Igreja? É possível ser fiel à Igreja e não ser fiel aos sucessores dos Apóstolos? É possível ser fiel ao Papa e não ser fiel aos bispos? Todas estas perguntas têm uma resposta complexa que envolve muitos elementos fundamentais da fé e da constituição da Igreja como Mistério. Contudo, toda esta complexidade possui um ponto de resolução e esclarecimento: o método que Deus escolheu para salvar os homens.
Com efeito, o método de Deus é a Encarnação: assumir todo o humano de cada ser humano dentro de si.
É fácil não perceber o que significa esse método: a Encarnação não é a mera assunção genérica do «humano» em Deus, mas a assunção concreta de sua vida e da minha, com todas suas particularidades e fragilidades, em Cristo. João Paulo II, em Redemptor Hominis, nos dizia a este respeito: «Neste caminho pelo qual Cristo se une a todo homem, a Igreja não pode ser detida por ninguém» (RH 13). De fato, «o cometido fundamental da Igreja em todas as épocas, e particularmente na nossa, é dirigir o olhar do homem, orientar a consciência e a experiência de toda a humanidade para o mistério de Cristo» (RH 10), ou seja, recuperar cotidianamente a consciência de que toda alegria e toda limitação em nossa história pessoal e coletiva se encontra acompanhada e abraçada por um Acontecimento de comunhão que não claudica.
Os sucessores dos Apóstolos não escapam dessa mesma situação. Basta olhar as referências a Pedro nos Evangelhos de Marcos e Mateus para ver que a fragilidade permanece naqueles que foram escolhidos como Pastores e particularmente naquele que é custódio da unidade da Igreja. Se Jesus não tivesse pensado realmente em uma Igreja, como sustentam alguns, todo o discurso que encontramos sobre o significado de Pedro nos Evangelhos seria uma reconstrução de justificação tardia e, portanto, não deveria ser levada a sério. Se, ao contrário, Jesus pensou em sua Ecclesia, assim como aparece com este mesmo termo, por exemplo em Mateus (capítulos 16 e 18), o cenário é outro: os sucessores dos Apóstolos, e Pedro em particular, possuem uma «potestas» que existe como realidade objetiva. A santidade pessoal (subjetiva) do bispo afetará, sem dúvidas, o exercício da «potestas», mas já não a realidade que o sacramento da ordem operou nele. O poder dos bispos existe por decisão de Jesus até o ponto que o fato de possuí-lo foge da vontade de quem o recebe, ou seja, não pode fazê-lo desaparecer: é «inadmissível». A missão desse «poder» não é de ordem política, mas consiste em fazer presente na história a salvação que Cristo trouxe. Por sua natureza sacramental, o «poder» dos bispos é condição para a existência plena da «communio» que é a Igreja.
Sendo assim, a fidelidade a Cristo é inseparável da união ao bispo e ao Papa. Mais ainda, a Igreja não é verdadeira comunhão em Jesus, se a maneira como Jesus mesmo assume nossa fragilidade não é respeitada e cuidada com zelo. Esta maneira de assumir «nossa» fragilidade implica precisamente a assunção da fragilidade dos bispos em Cristo e o mistério que ainda assim Ele lhes confia. João Paulo II, particularmente consciente desse ponto, escreveu no ano 2003 a Exortação Pós-Sinodal Pastores gregis. Nela, com grande clareza, recorda aos bispos a urgência de corresponder à santidade objetiva conferida na ordenação com verdadeira santidade subjetiva. Para isso, o Papa lhes recorda amplamente que devem ser radicalmente castos, obedientes e pobres. Isso quer dizer que não é admissível que um sucessor dos Apóstolos viva de maneira mundana, assumindo critérios e estilos de vida diferentes dos que caracterizam Jesus. O povo de Deus sempre percebe quando um bispo vive com coerência seu ministério. A santidade pessoal não se pode fingir ou substituir por nada.
Pois bem, a fidelidade à Igreja, aos bispos e ao Papa descansa em sua santidade subjetiva? Só quando existe coerência perfeita nos Pastores da Igreja estes merecem ser amados com fidelidade? Ao longo da história, muitas pessoas e movimentos creram que a verdadeira Igreja de Jesus Cristo é aquela na qual a pureza e a perfeição resplandecem ao máximo suas possibilidades. Quase todas as heresias têm em comum precisamente esta proposta. Se prestarmos atenção, esta tese põe em questão a Encarnação, ou seja, a certeza sobre a radicalidade da imersão de Deus ao interior da condição humana. A verdadeira Igreja de Jesus não é uma seita de «puros», de «perfeitos», mas o lugar privilegiado onde os pecadores podem encontrar uma Amizade que os reconstrua com seu perdão. A Igreja é a experiência empírica de que existe um Amor maior que nossa fragilidade que nos espera sempre (particularmente no sacramento da reconciliação).
O que significa isso para o tema que nos ocupa? Quando dizemos ao Papa «Sua Santidade» ou reconhecemos no bispo uma especial autoridade, nós o fazemos primeiramente pelo Mistério que se opera neles através de sua limitação. Por isso, a fidelidade ao papado é fidelidade a «este Papa em concreto»; a fidelidade «aos bispos» é fidelidade a «este bispo em concreto». A fidelidade mencionada, em uma palavra, é sempre fidelidade a Cristo, que com eficácia atua no meio da história através de instrumentos limitados — ou limitadíssimos.
Quando um Papa, como João Paulo II, também viveu de maneira extraordinária a docilidade à graça, toda esta questão se torna especialmente transparente. A santidade subjetiva de Karol Wojtyla é uma ajuda pedagógica para entender que o amor ao Papa não pode esgotar-se em «um Papa», mas que deve ser estendida ao atual Pontífice. A vida santa de João Paulo II mostra as razões pelas quais é preciso acompanhar com o pensamento e com o coração, também hoje, Bento XVI e os bispos em geral: Cristo é sempre maior que nós, Cristo não abandona a sua Igreja.
A fidelidade à Igreja, ao Papa e aos bispos é a própria fidelidade a Cristo.
Ter um Papa santo é um convite a perseverar neste caminho. Não é válido, portanto, pretender ser fiel a Cristo deixando a Igreja de lado, ser fiel ao Papa ignorando em concreto o colégio episcopal, valorizar a colegialidade sem Pedro. Tampouco é válido supor que nisso basta um tipo de fidelidade intelectual genérica ao Magistério. A fidelidade intelectual a um certo conteúdo é apenas o começo da fidelidade real, que deve passar pelo coração e por gestos concretos que expressem de maneira igualmente concreta que não fragmentamos o Mistério da Igreja de acordo a nossos gostos particulares, mas que o aceitamos integralmente como dom imerecido, ainda quando isso comporte momentos de sofrimento, de incompreensão, de solidão.
Alguns pensam que a fidelidade é um ripo de submissão da liberdade à lógica do poder — neste caso, eclesiástico. Desde esta atitude, emerge um «complexo anti-romano», «anti-eclesial» aparentemente justificado. Dado que existem jogos de poder entre alguns prelados, se justificaria o distanciamento existencial do Papa e dos bispos. Mais ainda, se justificaria o distanciamento da Igreja como instituição. É evidente que quando a Igreja é interpretada como Instituição de poder, não pode mais que gerar uma repugnância desse tipo. Contudo, são precisamente os santos que nos mostram que o principal critério hermenêutico para aproximar-se da Igreja não é o poder político.
No segundo aniversário da morte do Papa João Paulo II, é preciso que todos nós vejamos em sua pessoa uma ocasião para reaprender a amar a Igreja real — com todas as suas peculiaridades — também hoje. Isso não significa ser cegos frente às deficiências humanas que sempre existem. Ao contrário, significa ter o olhar dirigido àquilo que prevalece ainda sobre a morte e o pecado, e que em João Paulo II encontrou uma especial ocasião de verificação.
Rodrigo Guerra López
Diretor do «Observatório social» do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM)