O progresso da Medicina tem vindo a ser acompanhado pela presença do Magistério da Igreja. As novas técnicas, as novas descobertas, interpelam os médicos, os quais encontram apoio no Magistério. Apoio é segurança. A segurança moral é necessária no exercício da nossa profissão. O Magistério ilumina a consciência profissional para que se possa exercer o bem, adaptando-se aos tempos e momentos dos avanços. O Magistério intervém, depois de ter em conta os dados obtidos pelas ciências experimentais. Não nos poupa o esforço de estudar o mundo por nós mesmos. Pelo contrário, incita-nos a tal.
O sentido comum eclesial diz-nos que, se todas as pessoas baptizadas pertencem à Igreja e oferecem o seu grãozinho de areia, quem exerce o Magistério da Igreja é o Papa e os bispos em comunhão com ele. Não pode ser de outra maneira. O Todo-Poderoso fez-se um de nós e deixou alguns representantes, age quando quer e como quer, mas adapta-se à lógica inscrita por Ele próprio. Não é razoável que qualquer um ou de qualquer maneira crie um Magistério ou pretenda interpretar autenticamente a “lei natural”.
Assim, quando surge um documento papal ou episcopal sobre um tema de interesse próprio da profissão, o médico católico deveria olhar criticamente para a legião de teólogos moralistas que o interpretam e reinterpretam em diversos meios de comunicação. Como se o Papa não escrevesse com clareza! Como se os médicos católicos não pudessem entender por si próprios! Não se pode ofender a inteligência dos profissionais nem da população em geral. Já sei que alguns teólogos têm a protecção de inúmeras publicações, são professores de universidades de prestígio desde há anos ou mantêm laços de amizade connosco. A emoção pode derrubar mentes ricas e bem organizadas e, pelo contrário, também pode fazer entender por outra via aquele que não entende pela via da razão.
O comum dos mortais compreende o provérbio que diz “onde há patrão, não manda marinheiro”. Tal deveria ser suficiente para calar quem desempenha descaradamente funções que não lhe são devidas.
É fundamental ter em conta que, tal como acontece no caso das aparições ou revelações pessoais, o público na Igreja privilegia os ensinamentos privados. Assim, os ensinamentos públicos da Igreja sobre os temas que nos afectam têm sempre prioridade e veracidade. Os ensinamentos privados de teólogos têm de ser postos em quarentena se contradisserem o Magistério. Inclusive se parecerem contradizê-lo. Um dos princípios da comunicação na Igreja é o da clareza ou não-contradição. Na Igreja não há segredos. As grandes verdades são públicas e claras (temo-las no Catecismo da Igreja Católica). Quando se anuncia um mistério, clarifica-se a sua qualidade de mistério.
A vida das pessoas na Terra visa o seu destino eterno. Não se pode medir o homem apenas em duas dimensões. A terceira dimensão, a que aponta para cima, é a que dá volume às nossas vidas.
Um caso exemplar
Trata-se de uma declaração de especialistas sobre a possível licitude da transferência de núcleo alterado de um óvulo para obter células-mãe. Alterar-se-ia de tal forma o material genético de uma célula que o produto resultante da introdução deste material num óvulo e a sua activação não originaria um ser humano. Seria algo semelhante à mola hidatiforme, que também provém do óvulo e espermatozóide alterados, neste caso de forma natural.
A exemplaridade do caso deve-se à inteligência de considerar a possibilidade, à maneira de expressar prudentemente opiniões, à sinceridade dos envolvidos ao admitir que cada um é especialista apenas numa parte e que não falam em nome da sua Igreja ou entidade de trabalho, e ao facto de proporem começar as investigações com animais.
José Maria Simón
Carta aos médicos católicos de todo o mundo
Fonte: fiamc.org