Queridos amigos!
Neste período apraz-me dedicar ainda algumas reflexões aotema do Ministério ordenado, detendo-me sobre a realidade fecunda daconfiguração do sacerdote com Cristo Cabeça, no exercício dos tria munera querecebe, isto é, dos três ofícios de ensinar, santificar e governar.
Para entender o que significa agir in persona ChristiCapitis – na pessoa de Cristo Cabeça – por parte do sacerdote, e paracompreender inclusive quais consequências derivam da tarefa de representar oSenhor, especialmente no exercício destes três ofícios, antes de tudo é precisoesclarecer o que se entende por "representação". O sacerdoterepresenta Cristo. O que quer dizer, o que significa "representar"alguém? Na linguagem comum, quer dizer – geralmente – receber uma delegação deuma pessoa para estar presente no seu lugar, falar e agir no seu lugar, porquequem é representado está ausente da acção concreta. Perguntamo-nos: o sacerdoterepresenta o Senhor do mesmo modo? A resposta é não, porque na Igreja Cristonunca está ausente, a Igreja é o seu corpo vivo e a Cabeça da Igreja é Ele,presente e em acção nela. Cristo nunca está ausente, aliás está presente de ummodo totalmente livre dos limites de espaço e tempo, graças ao evento daRessurreição.
Portanto, o sacerdote que age in persona Christi Capitis eem representação do Senhor, nunca age em nome de um ausente, mas na própria Pessoade Cristo Ressuscitado, que se torna presente com a sua acção realmente eficaz.Age de facto e realiza o que o sacerdote não poderia fazer: a consagração dovinho e do pão para que sejam realmente presença do Senhor, a absolvição dospecados. O Senhor torna presente a sua própria acção na pessoa que realiza taisgestos. Estas três tarefas do sacerdote – que a Tradição identificou nasdiversas palavras de missão do Senhor: ensinar, santificar e governar – na suadistinção e profunda unidade são uma especificação desta representação eficaz.São na verdade as três acções do Cristo Ressuscitado, o mesmo que hoje naIgreja e no mundo ensina e assim cria fé, reúne o seu povo, cria presença daverdade e constrói realmente a comunhão da Igreja universal; e santifica eguia.
A primeira tarefa sobre a qual gostaria de falar hoje é omunus docendi, isto é, ensinar. Hoje, em plena emergência educativa, o munusdocendi da Igreja, exercido concretamente através do ministério de cadasacerdote, resulta particularmente importante. Vivemos numa grande confusãoacerca das escolhas fundamentais da nossa vida e das interrogações sobre o queé o mundo, de onde vimos, para onde vamos, o que devemos fazer para fazer obem, como devemos viver, quais são os valores realmente pertinentes. Em relaçãoa tudo isto existem muitas filosofias contrastantes, que nascem e desaparecem,criando confusão sobre as decisões fundamentais, como viver, porque já nãosabemos, comummente, do que e para que somos feitos e para onde vamos. Nesta situaçãorealiza-se a palavra do Senhor, que teve compaixão da multidão porque eram comoovelhas sem pastor (cf. Mc 6, 34). O Senhor tinha feito esta constatação quandoviu os milhares de pessoas que o seguiam no deserto porque, na diversidade dascorrentes daquele tempo, já não sabiam qual fosse o verdadeiro sentido daEscritura, o que dizia Deus. O Senhor, movido pela compaixão, interpretou apalavra de Deus, ele mesmo é a palavra de Deus, e assim deu uma orientação.Esta é a função in persona Christi do sacerdote: tornar presente, na confusão ena desorientação dos nossos tempos, a luz da palavra de Deus, a luz que é opróprio Cristo neste nosso mundo. Por conseguinte, o sacerdote não ensina aspróprias ideias, uma filosofia que ele mesmo inventou, encontrou ou que gosta;o sacerdote não fala de si mesmo, não fala por si mesmo, talvez para criaradmiradores ou um partido próprio; não diz coisas próprias, invenções suas mas,na confusão de todas as filosofias, o sacerdote ensina em nome de Cristopresente, propõe a verdade que é o próprio Cristo, a sua palavra, o seu modo deviver e de ir em frente. Para o sacerdote vale o que Cristo disse sobre simesmo: "A minha doutrina não é minha" (Jo 7, 16); isto é, Cristo nãose propõe a si mesmo, mas, como Filho, é a voz, a palavra do Pai. Também osacerdote deve sempre dizer e agir assim: "a minha doutrina não é minha,não difundo as minhas ideias ou o que me agrada, mas são boca e coração deCristo e torno presente esta única e comum doutrina, que criou a Igreja universale que cria vida eterna".
Este facto, que o sacerdote não inventa, não cria e nãoproclama ideias próprias porque a doutrina que anuncia não é sua, mas deCristo, por outro lado, não significa que ele seja neutro, quase como umporta-voz que lê um texto do qual, talvez, nem se apropria. Também neste caso,vale o modelo de Cristo, que disse: Eu não sou para mim e não vivo para mim,mas venho do Pai e vivo para o Pai. Portanto, nesta identificação profunda, adoutrina de Cristo é a do Pai e Ele mesmo é um só com o Pai. O sacerdote queanuncia a palavra de Cristo, a fé da Igreja e não as próprias ideias, devedizer também: Eu não vivo por mim e para mim, mas vivo com Cristo e para Cristoe portanto tudo aquilo que Cristo nos disse torna-se a minha palavra nãoobstante não seja minha. A vida do sacerdote deve identificar-se com Cristo e,deste modo, a palavra não própria torna-se, contudo, uma palavra profundamentepessoal. Santo Agostinho, sobre este tema, falando acerca dos sacerdotes,disse: "E nós o que somos? Ministros (de Cristo), seus servidores; porqueo que distribuímos a vós não é nosso, mas tiramo-lo da sua despensa. Einclusive nós vivemos dela, porque somos servos como vós" (Discurso 229/e,4).
O ensinamento que o sacerdote é chamado a oferecer, asverdades da fé, devem ser interiorizadas e vividas num intenso caminhoespiritual pessoal, de forma que realmente o sacerdote entre numa profunda,interior comunhão com o próprio Cristo. O sacerdote crê, acolhe e procuraviver, antes de tudo como próprio, quanto o Senhor ensinou e a Igrejatransmitiu, naquele percurso de identificação com o próprio ministério do qualSão João Maria Vianney é testemunha exemplar (cf. Carta para a proclamação doAno sacerdotal). "Unidos na mesma caridade – afirma ainda Santo Agostinho– todos somos auditores daquele que é para nós no céu o único Mestre"(Enarr. in Ps. 131, 1, 7).
Por conseguinte, com frequência a voz do sacerdote poderiaparecer "a de um que grita no deserto" (Mc 1, 3), mas exactamentenisto consiste a sua força profética: em nunca ser homologado, nem homologável,a alguma cultura ou mentalidade dominante, mas em mostrar a única novidadecapaz de produzir uma autêntica e profunda renovação do homem, ou seja, queCristo é o Vivente, é o Deus próximo, o Deus que age na vida e para a vida domundo e nos doa a verdade, o modo de viver.
Na preparação atenta da pregação festiva, sem excluir a dosdias úteis, no esforço de formação catequética, nas escolas, nas instituiçõesacadémicas e, de modo especial, através daquele livro não escrito que é aprópria vida, o sacerdote é sempre "professor", ensina. Mas não com apresunção de quem impõe as próprias verdades, mas com a humilde e jubilosacerteza de quem encontrou a Verdade, foi capturado e transformado por ela, e porconseguinte não pode deixar de a anunciar. Com efeito, ninguém pode escolher osacerdócio por si mesmo, não é um modo para alcançar a segurança na vida, paraconquistar uma posição social: ninguém pode obtê-lo nem procurá-lo sozinho. Osacerdócio é resposta ao chamamento do Senhor, à sua vontade, para se tornaranunciadores não de uma verdade pessoal, mas da sua verdade.
Queridos irmãos sacerdotes, o Povo cristão pede para escutardos nossos mestres a genuína doutrina eclesial, através da qual se possarenovar o encontro com Cristo que doa a alegria, a paz e a salvação. A SagradaEscritura, os escritos dos Padres e dos Doutores da Igreja e o Catecismo daIgreja Católica constituem, a este propósito, pontos de referênciaimprescindíveis no exercício do munus docendi, tão essencial para a conversão,o caminho de fé e a salvação dos homens. "Ordenação sacerdotal significa:estar imersos (…) na Verdade" (Homilia da Missa Crismal, 9 de Abril de2009), aquela Verdade que não é simplesmente um conceito ou um conjunto deideias a transmitir e assimilar, mas que é a Pessoa de Cristo, com a qual, pelaqual e na qual viver e assim, necessariamente, nasce também a actualidade e acompreensão do anúncio. Só esta consciência de uma Verdade feita Pessoa naEncarnação do Filho justifica o mandato missionário: "Ide pelo mundointeiro e anunciai a Boa Nova a toda a humanidade" (Mc 15, 16). Só se setrata da Verdade ela está destinada a toda a humanidade, não é uma imposição dealgo, mas a abertura do coração àquilo pelo qual se foi criado.
Queridos irmãos e irmãs, o Senhor confiou aos Sacerdotes umagrande tarefa: ser anunciadores da Sua Palavra, da Verdade que salva; ser a suavoz no mundo para levar aquilo que beneficia o bem verdadeiro das almas e oautêntico caminho de fé (cf. 1 Cor 6, 12). São João Maria Vianney seja exemplopara todos os Sacerdotes. Ele era homem de grande sabedoria e heróica força aoresistir às pressões culturais e sociais do seu tempo para poder guiar as almaspara Deus: simplicidade, fidelidade e proximidade eram as característicasessenciais da sua pregação, transparência da sua fé e da sua santidade. O Povocristão era edificado e, como acontece para os autênticos mestres de todos ostempos, reconhecia nele a luz da Verdade. Em definitiva, reconhecia nele o quese deveria reconhecer sempre num sacerdote: a voz do Bom Pastor.
Saudação
Amados peregrinos de língua portuguesa, sede bem-vindos! Atodos saúdo com grande afeto e alegria, de modo especial a quantos vieram de doBrasil e de Portugal com o desejo de encontrar o Sucessor de Pedro. Desça aminha bênção sobre vós, vossas famílias e comunidades. Muito obrigado!
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