Formação

O pensamento da Igreja em relação à pena de morte

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Elisângela Alves e Alexandre Cavalcanti

“A vida do homem provém de Deus, é dom seu, é imagem e figura dele, participação do seu sopro vital. Desta vida, portanto, Deus é o único senhor: o homem não pode dispor dela” (Evangelium Vitae, 39).

A pessoa humana tem um valor incomparável por ser imagem e semelhança de Deus e pela filiação conquistada por Jesus Cristo. Este mesmo homem foi destinado a uma vida plena e perfeita. Sua vida é sagrada, portanto, ela lhe é confiada por Deus a fim de guardá-la com sentido de responsabilidade e levá-la à perfeição no amor pelo dom de si mesmo a Deus e aos irmãos.

A Sagrada Escritura apresenta ao homem o preceito “não matarás” (Ex 20,13; Dt 5,17). Sabe-se que a vida, sobretudo a humana, pertence unicamente a Deus: por isso, “quem atenta contra a vida do homem de algum modo atenta contra o próprio Deus” (Evangelium Vitae, 9). Matar o ser humano, que é imagem e semelhança de Deus, é pecado de particular gravidade. Deus não é de forma alguma o autor da morte, Ele criou o homem para a incorruptibilidade. Mas é em suas mãos que a vida e a morte do homem estão: “Deus tem nas suas mãos a alma de todo ser vivente, e o sopro de vida de todos os homens” (Jó 12,10) e mais: “Só eu é que dou a vida e dou a morte” (Dt 32,39).

Para que possamos entender corretamente o pensamento da Igreja em relação à pena de morte, precisamos saber primeiramente que a vida é dom de Deus e que cada ser humano tem o dever de zelar por sua vida como também em igual importância deve zelar pela vida do outro.

Daí deriva o conceito de legítima defesa: devo procurar com toda atenção proteger a minha vida e com a mesma atenção procurar não lesar a vida alheia. Muitas vezes esse conceito se apresenta na prática como muito difícil de ser realizado, mas defender a própria vida não é apenas um direito, é também um dever. A Escritura nos ensina: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mc 12,31), portanto, ninguém poderia renunciar ao direito de se defender por falta de amor à própria vida, principalmente se estiver em jogo o bem da família ou da sociedade.

Acontece, infelizmente, que a necessidade de colocar o agressor em condições de não agredir mais, às vezes implica em sua eliminação. É o caso de um ladrão que invade armado uma residência e acaba por receber um tiro do dono da casa. Esse dono da casa em momento algum quis ferir ou matar o ladrão, mas em virtude da legítima defesa, foi obrigado a fazer o que fez. Nesta hipótese, o desfecho mortal há de ser atribuído ao próprio agressor que a tal se expôs com sua ação.

É neste sentido que a Igreja entende a pena de morte. A pena capital só seria admissível em uma situação extrema, com o intuito de legítima defesa e que não houvesse outro recurso para defender a sociedade do agressor. Esses casos na atualidade são raros ou talvez inexistentes. Com os recursos tecnológicos existentes hoje é possível se manter o preso em condições dignas, de forma que permitam a sua reabilitação e ao mesmo tempo mantê-lo fora do contato com a sociedade se este realmente oferece perigo a ela. A função da pena aplicada ao réu não é a vingança contra ele, mas a possibilidade de uma adequada expiação do seu crime como condição para que ele possa ser readmitido no exercício da própria liberdade e aí sim ser reintroduzido na sociedade.

Na sociedade atual a pena de morte é colocada como uma punição tal qual o crime. É o “olho por olho, dente por dente”. Jesus não vê assim, ensina-nos a perdoar, a resistir ao homem mau e se for o caso oferecer a outra face. Não é matando aquele que matou que resolveremos o problema. Os países que aprovaram a pena de morte em nada tiveram reduzidos os seus índices de homicídios. A violência das vidas daqueles que violentaram apenas multiplica as mortes, mas pouco ajuda a solucionar a questão.

Um último problema em relação à pena de morte: a possibilidade de se condenar um inocente à morte. Sabemos que os processos penais são falhos e que eventualmente inocentes são condenados. Sabemos que algumas pessoas que receberam a pena de morte declararam-se desde o início inocentes. Muitas vezes não sabemos onde reside a verdade, mas somente a possibilidade de cometermos tal injustiça já seria suficiente para desistirmos de aplicar tal pena.
A vida do homem está nas mãos de Deus. Jesus é o nosso juiz e cabe a Ele manifestar a sua justiça quando e como Ele quiser. A justiça dos homens é falha e somente Deus conhece a intenção do coração de cada um. A pena de morte não traz de volta à vida o inocente. Em um mundo onde o valor da vida perde sentido e o desejo de vingança toma conta de muitos corações, peçamos ao Senhor que nos ensine o caminho do amor incondicional à vida que Ele mesmo trilhou.


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