Com 3 parábolas, Jesus apresenta no Evangelho a situação daIgreja no mundo. A parábola do grão de mostarda que se converte em uma árvoreindica o crescimento do Reino, não tanto em extensão, mas em intensidade;indica a força transformadora do Evangelho, que «aumenta» a massa e a preparapara converter-se em pão.
Os discípulos compreenderam facilmente estas duas parábolas;mas isso não aconteceu com a terceira, a do trigo e do joio, e Jesus teve deexplicá-la à parte.
O semeador, disse, era ele mesmo; a boa semente, os filhosdo Reino; o joio, os filhos do maligno; o campo, o mundo; e a colheita, o fimdo mundo.
Esta parábola de Jesus, na antigüidade, foi objeto de umamemorável disputa que é muito importante levar em consideração também hoje.Havia espíritos sectários, donatistas, que resolviam a questão de maneirasimplista: por um lado, está a Igreja (sua igreja!), constituída somente porpessoas perfeitas; por outro, o mundo, repleto de filhos do maligno, semesperança de salvação. A estes se opôs Santo Agostinho: o campo, explicava ele,certamente é o mundo, mas também na Igreja, lugar em que vivem juntos santos epecadores e em que existe lugar para crescer e converter-se. «Os maus – diziaele – estão no mundo ou para converter-se, ou para que por meio deles os bonsexerçam a paciência.»
Os escândalos que de vez em quando atingem a Igreja,portanto, devem nos entristecer, mas não surpreender. A Igreja está composta depessoas humanas, não somente de santos. Além disso, também existe joio dentrode cada um de nós, não somente no mundo e na Igreja, e isso deveria eliminar denós a propensão a apontar com o dedo os demais. Erasmo de Rotterdam respondeu aLutero, que o reprovava por sua permanência na Igreja Católica apesar de suacorrupção: «Suporto esta Igreja com a esperança de que seja melhor, pois elatambém está obrigada a suportar-me esperando que eu seja melhor».
Mas talvez o principal tema da parábola não seja o trigo nemo joio, e sim a paciência de Deus. A liturgia destaca isso com a escolha da 1ªleitura, que é um hino à força de Deus, que se manifesta sob a forma depaciência e indulgência. Deus não tem simples paciência, isto é, não espera odia do juízo para depois castigar mais severamente. Trata-se de magnanimidade,misericórdia, vontade de salvar.
A parábola do trigo e do joio permite uma reflexão de maioralcance. Um dos maiores motivos do mal-estar para os fiéis e da rejeição deDeus sempre foi a «desordem» que existe no mundo. O livro bíblico doEclesiastes, que tantas vezes se faz porta-voz das razões dos que duvidam e doscéticos, escrevia: «Tudo acontece igualmente ao justo e ao ímpio… Sob o sol,ao invés do direito, está a iniqüidade, e ao invés da justiça, a impiedade»(Ecle 3, 16; 9, 2). Em todas as épocas se viu que a iniqüidade triunfa e que ainocência é humilhada. «Mas – como dizia o grande orador Bossuet – para que nãose acredite que no mundo existe algo fixo e seguro, às vezes se vê o contrário,isto é, a inocência no trono e a iniqüidade no patíbulo.»
O autor do Eclesiastes já havia encontrado a resposta a esseescândalo: «Eu disse em meu coração: Deus julgará o justo e o ímpio, pois láexiste um tempo para cada coisa e para toda obra» (Ecle 3, 17). É o que Jesuschama na parábola de «tempo da colheita». Trata-se, em outras palavras, deencontrar o ponto de observação adequado diante da realidade, de ver as coisasà luz da eternidade.
É o que acontece com alguns quadros modernos que, se foremvistos de perto, parecem uma mistura de cores sem ordem nem sentido, mas seforem observados da distância adequada, convertem-se em uma imagem bela epoderosa.
Não se trata de permanecer com os braços cruzados diante domal e da injustiça, mas de lutar com todos os meios lícitos para promover ajustiça e reprimir a injustiça e a violência. A esse esforço, que todos oshomens de boa vontade realizam, a fé acrescenta uma ajuda e um apoio de valorinestimável: a certeza de que a vitória final não será da injustiça, nem daprepotência, mas da inocência.
Para o homem moderno, é difícil aceitar a idéia de um juízofinal de Deus sobre o mundo e a história, mas dessa forma ele se contradiz,pois ele mesmo se rebela com a idéia de que a injustiça tenha a última palavra.Em muitos milênios de vida sobre a terra, o homem se acostumou com tudo;adaptou-se a todo clima, imune a muitas doenças. Existe algo ao qual ele nuncase acostumou: a injustiça. Já não somente será querido por Deus, mas tambémpelos homens e, paradoxalmente, também pelos ímpios. «No dia do juízo universal– diz o poeta Paul Claudel –, não somente virá do céu o Juiz, mas seprecipitará ao seu redor toda a terra.»
Como mudam as vicissitudes humanas quando são vistas desdeeste ponto de vista, incluídas as que acontecem no mundo de hoje! Tomemos oexemplo que tanto humilha e entristece a nós, italianos: o crime organizado, amáfia…, e que com outros nomes está presente em muitos países. Recentemente,o livro «Gomorra», de Roberto Saviano, e o filme que foi feito sobre eledocumentaram o nível de ódio e de desprezo alcançado pelos chefes dessasorganizações, assim como o sentimento de impotência e quase de resignação dasociedade diante desse fenômeno.
No passado, vimos pessoas da máfia, que foram acusadas decrimes horrorosos, defender-se com um sorriso nos lábios, colocar em xequejuízes e tribunais, rir diante da falta de provas – como se, livrando-se dosjuízes humanos, tivessem resolvido tudo. Se eu pudesse me dirigir a eles, eulhes diria: «Não se iludam, pobres desgraçados; vocês não conseguiram nada! Overdadeiro juízo ainda deve começar. Ainda que vocês terminem seus dias emliberdade, temidos, honrados, e inclusive com um funeral religioso espetacular,depois de ter oferecido grandes quantias a obras de piedade, não terãoconseguido nada. O verdadeiro Juiz os espera detrás da porta, e não é possívelenganá-lo. Deus não se deixa corromper».
Deveria ser, portanto, motivo de consolo para as vítimas ede saudável susto para os violentos o que Jesus diz ao concluir sua explicaçãosobre a parábola do joio: «Como o joio é recolhido e queimado ao fogo, assimtambém acontecerá no final dos tempos: o Filho do Homem enviará seus anjos, eeles retirarão do seu reino todos os que fazem outros pecar e os que praticam omal; e depois os lançarão na fornalha de fogo. Aí haverá choro e ranger dedentes. Então os justos brilharão como o sol no Reino de seu Pai».