Escravo ou Senhor? Parece até engraçado o que vou escrever, mas está mais para trágico: A ganância não faz sentido. Como assim? Simples. Por que eu me esforçaria se nunca vou usufruir o que vou conseguir? Calma. Não estou aqui criticando a Livre Iniciativa ou o do desejo de progredir. Todos temos desejos de uma vida melhor, sonhos de consumo, anseios de um certo conforto.
Não é normal procurar o sofrimento por si mesmo. Se posso ter um crescimento, seja financeiro, ou da minha empresa, uma promoção no emprego, abrir um negócio… fazendo isso de forma lícita, sem prejudicar ninguém, é algo justo, e também é certo que eu receba um pagamento pelo meu esforço.
Quando falo da ganância, refiro-me ao desejo opressor de ter cada vez mais, mas não por necessidade, mas simplesmente por ter, para dizer que tenho, me comparando a outras pessoas, ou pior ainda, às custas da exploração do próximo. É quase inexplicável… Para que vou acumular coisas que nunca vou usar? Para que uma fortuna se não tenho tempo para usufruir dela?
Se fosse para deixar para outrem, ainda tinha uma certa lógica, mas não é. O ganancioso quer para si… O que? Tudo. A usura, quando se apodera de um coração, o torna um buraco negro, atraindo tudo para dentro de si, e nunca se cansando de se encher.
A cobiça nos cega, nos faz enxergar o outro como um meio de vantagem, se não me faz lucrar, não serve para nada, e nessa linha vão os bens, os relacionamentos, os laços de família… Quantas famílias se separaram, ou literalmente se mataram por herança, por um cargo, por um título de honra?
Esse vício nos faz instrumentalizar qualquer pessoa, fazendo com que enxerguemos, ou melhor, classifiquemos as pessoas de acordo com seu grau de lucratividade ou das vantagens que obteremos delas, independente se as enganaremos para usufruir delas e depois machucá-las profundamente, visto que isso rebaixa ao nível de objeto a dignidade de qualquer ser humano.
Vamos para um caminho mais prático
Para que bilhões na mão de uma pessoa se ela não tem tempo de vida para degustar esse prêmio? Para que uma coleção, seja lá do que for, se não uso nem metade do que possuo? A posse, o bem em si mesmo, perde toda a necessidade de existir, ou seja, se tenho algo, e essa coisa não é usada para o que ela deveria existir, ela perde o objetivo para o qual foi criada.
Vamos a um exemplo: começo a colecionar carros, com meu dinheiro começo a comprar carros, e isso vai me exigindo mais dinheiro do que só veículos, porque tenho que guardá-los, conservá-los, protegê-los, preciso de mais terreno, de galpões, de mecânicos, de seguranças… e quanto mais cresce minha paixão, mais aumenta a necessidade de recursos para manter esse meu “hobby”, e, por isso, tenho que trabalhar mais, conviver menos com minha família e amigos, curtir menos até a mim mesmo, porque a minha vida agora gira em torno de meus automóveis.
O detalhe é: não servem para nada porque nem tenho tempo de dirigir todos os veículos que tenho, e os meus amados carros passam anos e anos só pegando poeira. Aquilo que eu colecionei, de forma desapercebida, tornou-se meu patrão, ou melhor, meu dono, e eu tornei-me escravo de coisas sem vida.
Exagerei?
Quantas vezes exigi de meus pais ou de outras pessoas produtos e marcas que estavam “na moda”? Quantas vezes me endividei, prejudiquei minha saúde, deixei de estar com pessoas que me amam, para conseguir um bem ou pelo menos para parecer alguém que eu realmente não era, ou pertencer a uma classe social mais abastada que a minha?
Já deixei de comer para ter um telefone caro? Já deixei de fazer coisas certas e lícitas para mim e minha saúde porque o foco da minha vida eram os bens? Essas são simples perguntas que, em escala maior, revelam um mesmo problema: minha visão de mundo, sobre mim mesmo e sobre os outros, se reduz a títulos e valores.
Redes Sociais são especialistas nesse tipo de coisa. Ostentação é o termo que se criou para denominar esse tipo de tendência, onde, para mostrar meu valor como pessoa, preciso ter coisas caríssimas (que não quer dizer que são boas), preciso consumir coisas consideradas luxuosas, “de rico”, como popularmente se diz.
Voltemos às perguntas
Se eu mudar a marca da minha camisa, mudo meu caráter? Se meu carro não for novo, deixo de ser uma pessoa interessante? Se não mostrar fotos das minhas viagens, perfumes, compras, sou uma pessoa fracassada? Se você pensa assim, sinto em lhe dizer: você é ganancioso, embora tenha milhares ou milhões de fãs, seguidores, seja lá o que for.
É triste não se enxergar, e muito menos aos outros, como algo além de um cabide, onde se penduram marcas, que, inclusive, usam os consumidores tanto para vender mais, como para influenciar novos compradores… tanto que basta ter um pouquinho a mais de seguidores, que as ofertas começam a aparecer, não é?
O poder que as coisas têm sobre você
Vamos devagar, não sou defensor de pobreza para todos ou produtos sem qualidade, ninguém é. O problema não é o que você usa sobre si, mas o poder que as coisas têm sobre você. Elas definem o seu humor? Definem sua personalidade? Definem se outra pessoa é interessante ou não? O valor da conta bancária define se outra pessoa tem valor? Isso coisifica aquilo que é sagrado, único e irrepetível, a dignidade da vida de cada ser humano.
A ganância nos torna dependentes daquilo que nós mesmos procuramos. Normalmente, quando encontramos o que desejamos, toda a busca cessa imediatamente e começamos a nos deliciar com nossa conquista, já o ganancioso não tem essa lógica, é só ter para si, juntar riquezas incansavelmente, nunca dividir nada com ninguém.
Tudo isso para quê? Acho que a maioria deles nem sabe o porquê de tanto sacrifício e acúmulo. Como falei acima, não há fruição dos bens nesta vida, e por não partilhar, não haverá também na outra, que o diga Lázaro (Cf. Lc 16, 19-31), e tudo que acumula, não serve para nada se não é usado, ou vai ficar para os herdeiros, mas para o cobiçoso não fica.
Sem nada você vem, sem nada você volta
Nossos vícios são como uma lente diante dos nossos olhos, enxergo a vida e as pessoas através deles, ou seja, se sou mentiroso, ninguém fala a verdade para mim; se sou uma pessoa maliciosa, todos têm segundas intenções para comigo, e por aí vai. Agora, imagine a cabeça de um ganancioso: todo mundo quer o dinheiro dele, o cônjuge sempre gasta demais, os filhos são esbanjadores, amigos não existem pois só estão com ele porque ele é rico, não dorme em paz nunca porque tem medo que alguém roube suas riquezas.
Não sei nem como arranjou esposa porque, aos seus olhos, ela era interesseira. Isso é um pesadelo, viver sem confiar em ninguém, não se sentir amado por ser quem é, mas só pelos bens que possui… é uma tortura, para si e para quem está ao redor, por mais rico e luxuoso que seja o lugar.
Sem nada você vem, sem nada você volta; e nesse intervalo que se chama vida, usei meu tempo para quê? Ajudei ou explorei? Estendi a mão ou a fechei? Socorri ou deixei morrer à míngua? Mesmo que a eternidade não existisse, seria esse o legado que quereríamos deixar para a humanidade?
Tom Jobim já dizia: “é impossível ser feliz sozinho”. Nessa ótica entre a usura e a partilha, não dá para entender como alguém sentiria felicidade enquanto os outros, próximos a ele, carecem até mesmo do básico: eu aparentemente estou bem, numa vida confortável, mas tantos passam fome ao meu redor, outros não têm onde morar ou assistência médica…
E nós, fazemos o quê? Viramos o rosto para não ver, e a consciência não pesar? Cada um deve cuidar da sua vida, só isso? Se sim, realmente estamos desumanizados, envenenados por um materialismo perverso que nos isola e divide, e nossa riqueza e conforto são nosso deus.
Por Uerlley Soares