Trataremos neste artigo sobre a virtude cardeal da justiça, que, segundo o Catecismo, “é a virtude moral que consiste na vontade constante e firme de dar a Deus e ao próximo o que lhes é devido”. Fazendo uma brevíssima análise do antigo conceito filosófico de justiça no mundo grego-romano e no cristianismo, veremos uma diferença substancial e compreenderemos a sua evolução e a importância entre as outras virtudes.
O mundo filosófico grego-romano buscava na justiça o princípio que coordenava as relações humanas, mas sem projetar tais relações para o sobrenatural e a eternidade, permanecendo limitado à natureza. Para Platão, a justiça reside no domínio da razão sobre as outras faculdades, de forma que cada uma realize sua função. Para Aristóteles, a justiça, enquanto virtude geral, diz respeito à reta ordenação das faculdades; enquanto virtude particular, significa o justo meio, de acordo com o objetivo de cada um. Desta forma, o respeito ao direito do outro se torna norma de justiça.
Na Sagrada Escritura, justiça e santidade se sobrepõem: no Antigo Testamento indica, sobretudo, a relação entre o homem e Deus; com os profetas, passa a adquirir o significado de avaliação objetiva do agir humano, porque para os hebreus as relações entre os homens deveriam ser julgadas sob a luz divina, por isso o fundamento da justiça estava em Deus, que é o Juiz Supremo. No Novo Testamento, esta dependência relacional do homem com Deus é bem mais nítida, a ponto de ser proclamado beato aquele que tem fome e sede de justiça (Mt 5,6), mas uma justiça que é alicerçada no amor de Deus e que busca o seu reino (cf. Mt 5,20). Também para o Apóstolo Paulo, existe uma unidade intrínseca entre justiça e santidade, porque o Deus Santo é essencialmente justo e aquele que justifica. O homem justificado por Deus em Cristo torna-se uma nova criatura.
Ao escrever sobre justiça, os dois grandes padres latinos, Santo Agostinho e Santo Ambrósio a apresentam plasmada pelo amor, de forma que não basta apenas não pagar o mal com o mal, mas faz-se necessário dar o jus objetivo de cada um, sabendo que Deus criou todas as coisas em beneficio de todos. A justiça, portanto, estimula a verdadeira caridade.
Para São Tomás de Aquino, “próprio da justiça, entre as outras virtudes, é ordenar o homem nas relações com os outros (…). Enquanto as outras virtudes aperfeiçoam o homem apenas nas suas qualidades individuais que dizem respeito a si mesmos” (S Theol., II-II, q. 57, a. 1). A justiça, portanto, “diz respeito às operações com as quais o homem não apenas é ordenado em si mesmo, mas também em relação ao outro”(S. Theol. I-II, q. 66, a.4), e este “outro” é a pessoa considerada individualmente ou coletivamente como sociedade. A justiça, portanto, diz respeito ao outro, e cada um de nós é o outro do seu próximo e nisto se distingue do amor, que considera o outro como si próprio.
Compreendemos que a justiça é uma virtude essencialmente social, porque o homem traz no seu íntimo a necessidade de comunicar o amor, a palavra, a verdade, os dons ao outro; tem necessidade de confiar os segredos do próprio coração e de viver em comunhão.
Dessa forma, podemos afirmar que não pode existir verdadeira caridade sem justiça, porque a verdadeira caridade pressupõe a justiça, visto que a primeira caridade, a primeira prova de amor para com o próximo é usar-lhe de justiça, caso contrário, seria uma mentira e mistificação da injustiça. É necessário, em primeiro lugar, dar a cada um o que lhe é devido, ou seja, o seu; e na perfeição da caridade, pode-se ir além, ou seja, dar o nosso e, se necessário, nós mesmos. A verdadeira caridade está acima, não abaixo da justiça. Não pode existir verdadeira justiça sem caridade. Podemos, assim, afirmar que a justiça é uma forma de amor, porque é totalmente orientada ao serviço e ao bem do outro. É amor que impulsiona ao conhecimento dos direitos do outro, caso contrário, teremos um olhar egoísta e uma medida muito rasa quando se trata de dar e muito elevada quando se trata de receber. Sem verdadeira justiça nos tornamos cegos às necessidades do outro.
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A justiça, como vimos, ordena as relações do homem com os outros, de modo que o direito seja reconhecido e respeitado. Nessa lógica, São Tomás distingue três formas fundamentais de justiça e explica que só existe justiça em uma sociedade quando as três relações fundamentais da vida social são ordenadas e guiadas pela justiça correspondente:
- As relações do homem com o seu próximo devem ser ordenadas pela justiça comutativa;
- As relações da sociedade com cada homem devem ser guiadas pela justiça distributiva;
- As relações de cada homem com o social devem ser reguladas pela justiça legal.
A justiça comutativa pede a cada um que reconheça o direito do outro, restituindo-lhe aquilo que lhe pertence. A justiça distributiva é a virtude que diz respeito ao homem enquanto autoridade política, social ou econômica e ordena a sua ação de restituir a cada membro particular da sociedade o que lhe é devido, de forma proporcional aos seus méritos, dignidade e necessidades. Quanto à virtude da justiça legal, esta inclina cada homem a dar à sociedade o que lhe é devido em vista do bem comum, que passa pela observância das leis justas, leis que promovam e defendam a vida e o verdadeiro bem da pessoa humana, também passa pelo zelo pelo patrimônio público, etc.
O homem justo, muitas vezes mencionado nas Escrituras, distingue-se pela correção habitual de seus pensamentos e pela retidão de sua conduta para com o próximo. “Não favoreças ao pobre, nem prestigies o poderoso. Julga o próximo conforme a justiça” (Lv 19,15). “Senhores, dai aos vossos servos o justo e equitativo, sabendo que vós tendes um Senhor no céu” (Cl 4,1).
Josefa Alves
Missionária da Comunidade Católica Shalom
Fontes:
Catecismo da Igreja Católica
Suma Teológica I-II e II-II
NuovoDizionariodiSpiritualità, Ed. San Paolo, 1999.