Exige-se muita coragem e sabedoria para tratar da crise de fé no mundo moderno. A coragem é necessaria para abordar temas sensíveis e a sabedoria se torna premente para trazer respostas atuais capazes de atender os anseios de pessoas cada vez mais confusas, sem descuidar evidentemente das Sagradas Escrituras e o Magistério da Igreja.
Neste cenário, o teólogo Ratzinger munido da sabedoria e coragem que lhes são peculiares, propõe um desafio[1]: “devemos redescobrir a coragem do não-conformismo diante das tendências do mundo opulento. Em vez de seguir o espirito da época, devemos ser nós a marcar de novo esse espirito com a austeridade evangélica”. E arremata, “Perdemos o sentido de que os cristãos não podem viver como vive um outro qualquer”.
A austeridade
Na obra Relatório sobre a fé[2], Ratzinger trata – embora não diretamente do tema da preguiça – mas de algo muito próximo, isto é, o relaxamento da austeridade. Este, na sua visão, é um perigoso veneno contra uma sadia espiritualidade.
Diz o Cardeal: “Para dar um pequeno e significativo exemplo: um religioso contou-me que a dissolução do seu convento começara – muito concretamente – quando se declarou ‘não mais praticável’ o despertar dos frades para a recitação do oficio noturno previsto pela liturgia. Pois bem, esse indubitável, mas significativo sacrifício, foi substituído pela permanência diante da televisão até tarde da noite. Aparentemente, é um pequeno caso: mas é de ‘pequenos casos’ como este que é feito o declínio atual da Indispensável austeridade da vida cristã. A começar pela dos religiosos”.
De fato, a austeridade defendida pelo teólogo se opõe ao que São Tomás chama de “preguiça metafísica”, consistindo esta numa espécie de pusilanimidade, ou uma vontade frágil a qual se identifica com a chamada tristeza do mundo, a qual está enraizada na falta de uma grande esperança e na suposta inatingibilidade do amor maior. Assim, lamentavelmente, conclui afirmando que a tristeza do mundo produz morte[3]
Pare de ter medo
Assim afirma RATZINGER: “Nos tempos de hoje, que privaram o homem da ânsia pela salvação e pelo pecado e, assim, supostamente o libertaram do medo, essas novas angústias vicejam e assumem, muitas vezes, a forma de psicoses coletivas: o medo do flagelo das grandes doenças que destroem o homem; o medo das consequências de nosso poderio técnico; a angústia do vazio e da falta de sentido da existência… Todas as angústias são máscaras do medo diante da morte, do susto diante da finitude da nossa existência. (…) Quem ama a Deus sabe que só existe uma ameaça real para o homem: o perigo de perder Deus”.[4]
A crise que perpassa a humanidade hoje se assenta, então, na enorme confusão entre a mentalidade de fé e mentalidade mundana. Nesse cenário obscuro é que se torna cada vez mais frequente ver pessoas ansiosas, medrosas, indolentes e, sobretudo solitárias. Ao abandonar a fé, nós ficamos entregues a nós mesmos numa tamanha sensação de abandono que chegamos a tocar no que a teologia chama de “inferno”. Este é “a solidão que o amor não consegue chegar”.
Mas, sempre no esforço de destacar a dimensão da esperança, nos diz Ratzinger[5] que “o medo essencial do ser humano não pode ser superado pelos argumentos da razão e sim pela presença de alguém que ama”. Neste sentido, ao defender a necessidade de se cultivar a fé destaca que “Jesus atravessou a porta da nossa solidão extrema quando, na sua Paixão, afundou no abismo de nossa sensação de abandono. Onde já não se faz ouvir nenhuma voz, lá está ele. Com isso, o inferno está vencido, ou melhor, a morte que antes era o inferno, não existe mais (…) O único inferno que continua existindo é o fechamento voluntario de si próprio”.
E poderíamos dizer que só mesmo uma grande preguiça, traduzida na tristeza da vida, é capaz de manter a porta interior fechada enquanto que a fé no Ressuscitado pode nos abrir para a verdadeira vida, a coragem e sobretudo para o céu.
Para aprofundar o tema da preguiça espiritual, ou acidia, o Instituto Parresia traz um novo curso tratando do tema de forma dinâmica e bem didática. Em breve mais detalhes.
[1] Messori, Vitorio. Ratzinger, Joseph. Relatório sobre a fé. Vittorio Messori conversa com Cardeal Ratzinger sobre a fé. Ed. Escola Ratzinger. Tubarão/SC, 2021
[2] Messori, Vitorio. Ratzinger, Joseph. Relatório sobre a fé. Vittorio Messori conversa com Cardeal Ratzinger sobre a fé. Ed. Escola Ratzinger. Tubarão/SC, 2021
[3] Joseph, RATZINGER. Olhar para Cristo: exercícios de fé, esperança e caridade. São Paulo: Quadrante, 2019.
[4] Joseph, RATZINGER. Olhar para Cristo: exercícios de fé, esperança e caridade. São Paulo: Quadrante, 2019.
[5] Joseph, RATZINGER. Introdução ao cristianismo. São Paulo: Ed. Quadrante. 8ª Edição. 2015
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