Meus olhos se abriram para o celibato com uma pregação de Moysés Azevedo, em 2018. Na ocasião, ele partilhou com os membros da Comunidade Católica Shalom os frutos do Retiro de Escuta do Conselho Geral. Moysés falou sobre uma profecia na qual Deus suscitava uma “geração de jovens enamorados”. E estes seriam gerados no ventre da Virgem Maria.
Na verdade, depois entendi que o chamado ao celibato não iniciou ali, mas cerca de um mês antes daquela partilha de Moysés, em Chaves (PA), na Expedição Missionária de 2018. Vivi uma forte experiência de paternidade ao dedicar-me àquelas crianças. Inclusive, boa parte delas não tinha presente a figura paterna. Levando aquela experiência para a minha oração, compreendi que ali era já uma semente do chamado à paternidade espiritual.
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Posso dizer, então, que a semente do celibato foi plantada em mim em Chaves. Passaram-se cinco anos, desde aquela missão, mas ainda me lembro de cada rosto, nome e história. Depois disto, passei por um processo de discernimento para ir em missão como Aliança Missionária, e fui para Roma. Isto se deu meses depois do meu ingresso no Discipulado da Comunidade de Aliança. Partilhando com meu formador pessoal, discernimos que eu viveria o celibato formativo naquele ano.
Chegando em Roma, missão a qual fui enviado, comecei a viver o processo de adaptação da missão em si, da cultura, língua, vida comunitária, etc. E o caminho de discernimento do estado de vida acabou por ficar em segundo plano. Porém, apesar disto, deste aparente “segundo plano”, o meu coração sempre desejou ser todo dedicado a Deus e, naturalmente, fui me dedicando a tudo e a todos na missão. Sim, eu sei que todos somos chamados a isto, mas eu via tudo com um olhar especial, sabendo que tudo aquilo era feito por Ele, para mim.
Um fato engraçado no discernimento do celibato
Foi realizado um Acamp’s Summer Festival, em Budapeste, no ano de 2019, e, logo após o evento, foi promovido um retiro para celibatários. Eu, por um imenso desejo de rezar mais com este estado de vida, pedi para participar. O fato engraçado é que eu estava muito envergonhado por estar ali, sentia-me muito exposto, até porque o processo de discernimento do estado de vida é algo muito íntimo. E, para disfarçar um pouco, eu dizia que estava participando do retiro só para gravar as pregações (o que também era verdade).
Isso virou um grande motivo de brincadeira entre nós. Durante um momento de adoração, um irmão rezou por mim e disse que a minha vida é como a daquele homem da parábola, que encontrou um grande tesouro em um terreno e vendia tudo para comprá-lo. Ali, eu tive uma profunda confirmação do chamado de Deus. De fato, dou tudo, dou os meus dons mais preciosos, os meus maiores bens, para adquirir o “terreno celeste”, ou seja, dou tudo pelo Reino dos Céus.
Até “quis” me apaixonar…
Mesmo com esta condução de Deus, demorei muito para abrir verdadeiramente o meu coração ao celibato. Até “quis” me apaixonar, mas em tudo permanecia o ardente desejo de amar Deus de modo exclusivo. Oscilei muito no caminho, em meio às inseguranças e até mesmo preconceitos que tinha com este estado de vida. Pouco a pouco, Deus venceu tudo isto. O que permanecia, então, era a questão: Como posso pretender seguranças ou respostas humanas para aquilo que somente o Céu pode explicar?
Alcançado pela vitória de Deus sobre as minhas inseguranças e preconceitos, iniciei o caminho de discernimento. Neste caminho, o Senhor manifestou uma grande providência: iniciei o caminho de discernimento no mesmo dia em que o Papa Francisco instituiu o “Ano de São José”! Então, entendi: São José será o modelo do meu celibato. No mesmo momento, consagrei o meu celibato também a São José. Que grande providência é viver este caminho sendo conduzido por Jesus, Maria e José. Depois do caminho de discernimento, enviei a carta à Comunidade, pedindo para fazer os primeiros votos no celibato.
Um parêntesis
Um breve parêntesis. Em Roma, é muito tradicional a “Peregrinação das 7 Igrejas”. Muitos jovens se reúnem para peregrinar pela cidade de Roma, percorrendo o caminho que São Felipe Neri fazia, enquanto era pároco na cidade. Esta peregrinação dura toda a noite e nela participamos de visitas às igrejas, momentos de oração, rosário e pregações sobre os dons do Espírito Santo.
Fechando os parêntesis. Era dia 13 de maio e a peregrinação estava para iniciar, até que recebo uma ligação da minha formadora comunitária: a Comunidade confirmava o meu estado de vida e acolhia o meu pedido para fazer a profissão do voto no celibato! Quando desliguei a ligação, fiquei um pouco extasiado e, inspirado pelo Espírito, fiz a seguinte leitura: o meu celibato foi gerado em um “Pentecostes de Amor” (Escuta, 2018) e se concretiza quando entro na procissão, para ser “Testemunha da Ressurreição” (Escuta, 2021)! É isso!
O meu celibato é uma perene procissão: o Esposo Eucarístico à frente, Maria Toda-Pequena logo atrás e eu, no meio da multidão, trazendo comigo todo o povo que Deus me chama a amar através do estado de vida que Ele designou para mim. A consumação do meu celibato se dá no caminho, tendo o olhar sempre fixo no Esposo.
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“É o Senhor que é Deus”
Professei o voto no celibato dia 8 de junho. A Liturgia da Palavra daquele dia narrava a oferta do profeta Elias e Deus que manda fogo do céu, devorando toda a oferta. No final da leitura, o profeta exclama: “É o Senhor que é Deus, é o Senhor que é Deus!” (cf. 1Rs 18,39). Assim, devorado por este imenso fogo de amor, que tudo consome, seja as pequenas como as grandes ofertas, exclamo com o profeta: É o Senhor que é Deus! E esta exclamação fazia-me lembrar de São Francisco de Assis, quando dizia que “é o Céu que sustenta a Terra”.
Somente depois, soube que o Conselho Geral da Comunidade estava reunido naquele mesmo dia que celebramos a profissão do voto, e que, na oração do Conselho, Deus aprofundava o aspecto da oferta de amor por meio daquela mesma leitura. Mais uma vez, pude sentir-me dentro da dinâmica profética que Deus introduz toda a Comunidade. Pude, então, ter a certeza de que sou fruto de uma profecia, de uma promessa de Deus para a Comunidade e para a humanidade mais necessitada.
O celibato, o filho espiritual e a feliz marca da Cruz
No ano passado, durante a comemoração dos 40 anos de fundação da Comunidade Católica Shalom, fui surpreendido mais uma vez. Lembram que falei das crianças de Chaves? Então, reencontrei uma delas, um garoto, já não tão criança assim. Eu o perguntei: “Você lembra de mim? Eu te conheci quando estive em Chaves”. Ele respondeu: “Claro que eu lembro. Você me deu um crucifixo de presente”. Eu não lembrava deste fato, mas pensei na feliz marca que a Cruz pode gerar. E, em um dos dias da convenção, este mesmo garoto testemunhou que sentia um grande desejo de ser sacerdote. Aquilo comoveu a todos, uma vocação tão jovem e tão bela. Porém, a mim comoveu mais do que eu esperava, porque eu reconheci naquele garoto o rosto de um filho espiritual.
Assim, acolhendo de Deus todas as graças necessárias para viver o estado de vida que Ele desenhou para mim, e sendo atraído todos os dias pelo Esposo Eucarístico, sou lançado no Seu coração, sou lançado ao Outro e aos outros, sou consumido na oferta pelo Amor. Sim, o celibato é uma oferta de amor pelo Reino.
Por Wallace Freitas
Consagrado da Comunidade de Aliança