Às vezes, a sociedade se depara com níveis tão elevados de sofrimentos e maldades, que apenas os discursos de especialistas em ciências humanas não dão conta de responder. O Catecismo da Igreja, no parágrafo 07, também trata destas e outras questões. Leia o que diz o Documento:
”Deus é infinitamente bom e todas as suas obras são boas. No entanto, ninguém escapa à experiência do sofrimento, dos males da natureza – que aparecem como ligados aos limites próprios das criaturas –, e sobretudo à questão do mal moral. Donde vem o mal? Procurava a origem do mal e não encontrava solução», diz Santo Agostinho. A sua própria busca dolorosa só encontrará saída na conversão ao Deus vivo. Porque ‘o mistério da iniquidade’ (2Ts 2,7) só se esclarece à luz do ‘mistério da piedade’. A revelação do amor divino em Cristo manifestou, ao mesmo tempo, a extensão do mal e a superabundância da graça. Devemos, portanto, abordar a questão da origem do mal, fixando o olhar da nossa fé n’Aquele que é o seu único vencedor” (CIC 385).
A Igreja encontra resposta para essas questões relativas à origem das contingências humanas nos frutos da ação do pecado. O ato mal está presente na história do homem e seria inútil tentar ignorá-lo ou mesmo insistir em oferecer a esse estado obscuro de nossa natureza outros nomes. A compreensão do que é o pecado, está intimamente ligado à compreensão da relação que existe entre o homem e seu Criador. Só a luz pode revelar o que está oculto nas trevas. Assim, à medida em que Deus vai se dando a conhecer e se revelando, ele deixa à mostra também tudo o que não procede dele. (cf. CIC 387)
Seduzidos e sedutores
O homem não pode ser forçado ao mal. Ele pode ser enganado, iludido, mal aconselhado, seduzido, etc. Mas seu ato só possui moralidade, se houver uma opção livre. Assim, a Igreja dedica algumas páginas para formar os fiéis na justa compreensão sobre a origem do mal no mundo:
“A doutrina do pecado original é, por assim dizer, ‘o reverso’ da Boa-Nova de que Jesus é o Salvador de todos os homens, de que todos têm necessidade da salvação e de que a salvação é oferecida a todos, graças a Cristo. A Igreja, que tem o sentido de Cristo, sabe bem que não pode tocar-se na revelação do pecado original sem atentar contra o mistério de Cristo” (CIC 389).
Continua a Igreja sua exposição: “Por detrás da opção de desobediência dos nossos primeiros pais, há uma voz sedutora, oposta a Deus, a qual, por inveja, os faz cair na morte. A Escritura e a Tradição da Igreja vêem neste ser um anjo decaído, chamado Satanás ou Diabo. Segundo o ensinamento da Igreja, ele foi primeiro um anjo bom, criado por Deus. De fato, o Diabo e os outros demônios foram por Deus criados naturalmente bons; mas eles, por si, é que se fizeram maus” (CIC 391).
Diferente do homem que pode se arrepender e obter o perdão no tempo estabelecido, o Demônio não tem perdão, pois era um ser perfeito, que desfrutava plenamente da presença e do conhecimento de Deus, por isso, ao se voltar contra o seu Criador, o fez consciente das consequências de seus atos. Tinha todos os meios para ter escolhido o bem, porém, escolheu o mal. Por isso, a Tradição se refere a ele como um anjo decaído.
E o pecado original onde entra?
No mistério do pecado original, vemos a liberdade que Deus deu ao homem, posta à prova: ”Deus criou o homem ‘à sua imagem’ e constituiu-o na sua amizade. Criatura espiritual, o homem só pode viver esta amizade na modalidade da livre submissão a Deus. É isso o que exprime a proibição feita ao homem de comer da árvore do conhecimento do bem e do mal, ‘pois no dia em que o comeres, morrerás’ (Gn 2,17). A ‘árvore de conhecer o bem e o mal’ (Gn 2,17) evoca simbolicamente o limite intransponível que o homem, como criatura, deve livremente reconhecer e confiadamente respeitar. O homem depende do Criador. Está sujeito às leis da criação e às normas morais que regulam o exercício da liberdade” (CIC 396).
Quando uma pessoa não sabe que um determinado ato é mal, sua atitude continua maldosa, no entanto, a culpabilidade de seu ato é diminuída ou cancelada. Para que um ato seja pecaminoso ou culposo, é preciso que haja matéria, conhecimento e consentimento. Resumindo: se acaso pratiquei um ato e sabia que era mal, dispunha de todos os meios para evitá-lo e mesmo assim o pratiquei, a culpa recai sobre mim.
As narrativas das Escrituras Sagradas se referem a essas consequências dramáticas da desobediência, como prelúdio da perda da graça na vida de Adão e Eva. Ali surgiu o pecado original (cf. CIC 277). O mal, assim como o bem, produz “ecos” na vida de quem o pratica e na vida dos outros. Resumindo: fomos atingidos pelo pecado de Adão e Eva:
“É São Paulo quem o afirma: ‘pela desobediência de um só homem, muitos (quer dizer, a totalidade dos homens) se tornaram pecadores’ (Rm 5,19): ‘Assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte atingiu todos os homens, porque todos pecaram’ (Rm 5,12). À universalidade do pecado e da morte, o Apóstolo opõe a universalidade da salvação em Cristo: ‘Assim como, pelo pecado de um só, veio para todos os homens a condenação, assim também, pela obra de justiça de um só [Cristo], virá para todos a justificação que dá a vida’ (Rm 5, 18)” (CIC 402).
Responsabilidade pessoal
Essa Doutrina da Igreja em torno do pecado original adquiriu forma mais precisa principalmente no século V, iluminada pelas exposições de Santo Agostinho de Hipona, efetuadas no combate ao Pelagianismo. Essa heresia erroneamente negava o pecado original, a corrupção da natureza humana, o livre arbítrio e a necessidade da graça divina para a salvação. A Igreja, no entanto, entendeu que a doutrina do pecado original favorece um olhar mais lúcido sobre a condição do homem neste mundo. Mostra ainda como somos responsáveis por nossos atos e escolhas, e que estes possuem consequências.
“Vê que eu hoje te proponho a vida e a felicidade, a morte e a desgraça. Se obedeceres aos preceitos do Senhor teu Deus, que eu hoje te ordeno, amando ao Senhor teu Deus, seguindo seus caminhos e guardando seus mandamentos, suas leis e seus decretos, viverás e te multiplicarás, e o Senhor teu Deus te abençoará na terra em que vais entrar, para possuí-la. Se, porém, o teu coração se desviar e não quiseres escutar, e se, deixando-te levar pelo erro, adorares deuses estranhos e os servires, eu vos anuncio hoje que certamente perecereis. Não vivereis muito tempo na terra onde ides entrar, depois de atravessar o Jordão, para ocupá-la” (Dt 30,15-18).
Por fim, sabemos que a queda do homem, sem dúvida, provocou um grande sofrimento em Deus, o Criador. Mesmo assim, Ele não abandonou sua criatura predileta: “Depois da queda, o homem não foi abandonado por Deus. Pelo contrário, Deus chamou-o e anunciou-lhe, de modo misterioso, que venceria o mal e se levantaria da queda. Esta passagem do Gênesis tem sido chamada ‘Proto-Evangelho’ por ser o primeiro anúncio do Messias redentor, do combate entre a Serpente e a Mulher, e da vitória final dum descendente desta” (CIC 410).
A vida e a missão de Jesus, e tudo o que Ele realizou, culminando em Sua morte e Ressurreição, nos mostrou que o mal não tem – e jamais terá – a última palavra. Deus não quis a morte, nem sente prazer na destruição de Suas criaturas. A morte entrou no mundo por sedução do Diabo e por vacilo dos homens.