Sinto-me devedora, grata e extremamente constrangida. Ao mesmo tempo, amada e plena. Fazer memória dos grandes e extraordinários feitos de Deus me deixa assim. O que dizer senão: “como retribuir ao Senhor Deus por tudo aquilo que Ele fez em meu favor?” (Sl 116, 12).
Meu nome é Aline, estou às portas das minhas primeiras promessas como Comunidade de Aliança no Carisma Shalom. A minha história vocacional é bem fora do padrão comum, pois minha maior experiência com a identificação do carisma foi fora da comunidade. Como assim? Vou tentar explicar aquilo que até hoje não entendo plenamente.
Primeiros passos na vida com Deus
Desde criança, sentia-me naturalmente eleita por Deus, eu não sabia dizer como isso acontecia, mas Deus colocava em mim um desejo por Ele. Aos 12 anos, após pedir para a minha mãe uma bíblia de aniversário, tive uma experiência particular com a seguinte palavra de São Paulo: “(…) tudo tenho como esterco (lixo) para ganhar a Cristo”. (Fl 3,8).
Nesse tempo, sozinha, ou melhor com Deus, descobri uma das maiores verdades: tudo é nada diante de Deus.
Aos 15 anos, comecei a participar de um grupo de jovens, de uma pequena comunidade em Fortaleza (CE). Lá tive a compreensão de uma segunda verdade: Deus me amava profundamente como Pai. Depois disso, tive minhas primeiras experiências mais fortes com o Amor de Deus. Estava no auge da minha juventude com a alegria e o desejo por Deus, mas também com muitas feridas e carências. Meus amigos deste tempo foram fundamentais para me fazerem experimentar de uma vida mais intensa com Deus, eles me animavam, eram canais diretos da ação divina em minha vida.
Crescia em abertura à graça e compreendi que Deus tinha também um propósito profissional para mim. Aos 17 anos, em um retiro, Ele me revelou que eu deveria fazer o curso de enfermagem e, no ano seguinte, passei na faculdade. Na época, esse era um curso muito concorrido no vestibular. Um detalhe é que, além de estudar, todos os dias, depois da aula, eu passava em uma Igreja e adorava o Santíssimo Sacramento.
Quando eu estava na metade do curso, meu pai faleceu e, dois meses depois, resolvi despretensiosamente visitar um grupo de oração Shalom. Fiz isso porque sentia o desejo de buscar algo a mais. Nesse tempo, a comunidade que eu participava passava por reestruturações e eu não me sentia atraída às novas mudanças.
Descoberta do Carisma
Ao chegar no Centro de Evangelização do Shalom de Fátima (Fortaleza), fui muito acolhida e aquilo me proporcionou uma experiência de familiaridade, ainda que eu não conhecesse ninguém. Logo me engajei no ministério de pregação e daí em diante, com meios mais concretos (oração, estudo bíblico, leituras, sacramentos…) foi aumentando ainda mais o desejo por uma vocação concreta. Aqui percebo que Deus sempre atrai, mas, quando buscamos ouvir a sua voz, Ele vai constituindo a certeza da sua vontade no coração.
No ano seguinte, em 2004, fiz meu vocacional. Ano de profundíssima alegria e amor de Deus. Porém, eu trazia em mim muitas inseguranças, feridas, mentalidades do mundo. Fiz o vocacional aberto até o meio do ano e por isso, fiz experiência na Comunidade de Vida. Para mim, essa experiência foi muito feliz e marcante. Porém, em discernimento com minha acompanhadora vocacional, compreendi que Deus me chamava à Comunidade de Aliança. Para mim, foi um desafio aceitar, pois na minha cabeça eu deveria renunciar tudo, pois Deus me pedia isso.
Em 2005, ao iniciar o primeiro ano de postulantado fui descobrindo o que eu realmente precisava renunciar: eu e meus planos.
Porém, por minha lentidão em compreender muitas questões e sobretudo, pela minha pouca maturidade humana, eu ainda cultivava muito a realização dos meus desejos. Trabalhava muito, estudava muito, porém não rezava tanto. Todavia, também muito servia na obra: era pastora de grupo de oração, depois coordenei o pastoreio, viajava para cidades vizinhas para pregar em retiros. Tudo muito intenso! No entanto, aos poucos, meu desejo de sofrer por amor a Deus e a busca pela renúncia de si foram esfriando. Muito disso, fruto do meu ativismo.
Em 2006, após discernimento junto às minhas autoridades, comecei a namorar com o Gledson, hoje meu esposo. Ele sempre foi muito aberto à voz de Deus e sempre meu amigo. Logo, fez vocacional e, posteriormente, entrou para o postulantado na Comunidade de Aliança. Vivíamos juntos nossos compromissos vocacionais. Em 2008, iniciamos um processo de discernimento do matrimônio, no qual Deus falava para nós com clareza do seu desejo por nosso casamento.
No entanto, na época a comunidade nos pediu mais tempo de espera. Diante da nossa certeza, resolvemos pedir o desligamento da Comunidade. Neste tempo, eu estava no segundo ano de discipulado e ele no primeiro de postulantado. Com tranquilidade de coração e sem nenhuma mágoa, nos desligamos da comunidade de Aliança em janeiro de 2009. Porém, em momento algum me vi sem o carisma e não me imaginava longe dos muros do Shalom.
Vinda para Imperatriz
Casamos em abril de 2009, em uma missa “toda Shalom”. Conscientes dos deveres matrimoniais e identificados com a vivência Shalom, permanecemos engajados na Obra Shalom. No mesmo ano, houve uma oportunidade de prestar um concurso público em Imperatriz, no Maranhão, eu estava recém-casada e cursando doutorado. Eu confesso que tinha muita resistência em morar fora de Fortaleza, sobretudo em lugares sem a presença de uma missão do Shalom. Meu esposo me incentivou e resolvi fazer as provas. Passei e, depois de dois meses, fui chamada para assumir o emprego. Um detalhe é que antes tinha passado em concursos semelhantes em Teresina (PI) e em Natal (RN), cidades com missões da comunidade consolidadas, mas não tinha sido convocada.
Viemos para Imperatriz no fim de outubro de 2009. Começamos nossa vida do “zero”. Deixamos em Fortaleza um apartamento novo, todo mobiliado. Diante da chegada em uma nova cidade, em um novo emprego e início da vida matrimonial, muitas foram as crises e desafios. Ao nos instalarmos em nossa primeira moradia na cidade, meu esposo teve a iniciativa de procurar o bispo da cidade para ouvir dele onde poderíamos servir melhor à Igreja. Dom Gilberto Pastana nos acolheu prontamente, ouviu nossa história e nos direcionou para iniciarmos um grupo de oração da Obra Shalom. Surpresa com tudo, pois era a primeira vez que eu falava tão de perto com um bispo, recebi dele uma carta que manifestava seu interesse em começar o grupo de oração. No mês seguinte, viajei para Fortaleza para entregar pessoalmente a carta na Diaconia Geral.
Iniciamos o grupo timidamente, sem músicos e direção formativa, pois não conseguimos ser acompanhados inicialmente por uma missão. Tínhamos de 5 a 8 pessoas e nos reuníamos na capela de Nossa Senhora Aparecida. Em maio de 2010, fizemos nosso primeiro seminário de vida no Espírito Santo. Em março de 2012, após contato com a missão de Palmas (TO), iniciamos a implantação do Caminho da Paz. A partir de então, passamos a ter uma direção mais formativa e acompanhamento apostólico mais de perto. Começamos a aplicar o plano Evangelizador e mais pessoas começaram a participar da obra. Aos poucos, novos grupos foram surgindo após os SVES. Passamos a nos reunir na Igreja de Perpétuo Socorro, depois fomos para a capela Bom Jesus e, então, alugamos um centro de evangelização.
Pouco tempo depois, o setor de Difusão da Obra passou a nos acompanhar mais de perto e nos proporcionou maior vinculação com a Diaconia geral. Na medida do possível, trazíamos missionários da Comunidade para pregar nos eventos de evangelização, eventos para famílias, nos cursos (fizemos Fio de ouro, Homens segundo o coração de Deus, Mulheres segundo o coração de Deus) e em vários outros encontros.
Diante desse contexto, iniciei minha maternidade biológica. Em 2013, veio a Maria Clara; em 2014, o João Paulo; em 2017, a Ana Cecília e, em 2019, o José Rafael. As exigências das gestações e os nascimentos me fizeram sair das frentes da Obra, que foram assumidas por Ivanildo e Joseane (que farão suas primeiras promessas junto comigo). Isso gerou muitos frutos diante das ações de evangelização, sobretudo para casais.
Retorno à Comunidade
À medida que eu via a obra crescendo, gerando conversão na vida dos que participavam e até alguns partindo em missão pela Comunidade, eu experimentava uma imensa alegria vocacional.
Eu me perguntava: como Deus poderia fazer tanto e em tantos enquanto eu estava “fora” dos muros da comunidade e não havia missionários da comunidade entre nós?
Crescia em mim a sede de viver mais intensamente o Carisma. Em 2018, chegaram os primeiros missionários da Comunidade de Vida e, no ano seguinte, iniciou-se o vocacional. Embora o desejo crescesse, havia em mim muitos receios e dúvidas, sobretudo na conciliação da maternidade com as exigências vocacionais. Neste tempo, meu esposo já estava convicto do seu chamado como Obra e eu teria que fazer o processo do retorno para a comunidade sem ele. Meses depois do nascimento do José Rafael, Deus me falava com insistência que eu precisava voltar para a Comunidade. Porém, eu não sabia como isso poderia ocorrer com quatro crianças pequenas.
Em janeiro de 2020, minha mãe falece. A morte da minha mãe me trouxe uma grande experiência de ser sustentada pelo amor de Deus. Eu tinha Deus, o seu amor me preenchia, eu sentia profunda gratidão pela mãe que Ele me deu e agora me tirava. Bendito seja o nome do Senhor! A morte da mamãe me ajudou a me decidir pelo Eterno, por aquilo que não passa.
Compreendi que tudo o que tenho: marido, filhos, trabalho foi me dado temporalmente.
Em um acompanhamento pessoal, Deus calou meu coração com a passagem de Isaías 60,1-7, no qual Ele falava do retorno de Jerusalém, que dizia: “Põe-te de pé, tua luz é chegada”. Compreendi que não podia mais fugir ou adiar, eu precisava retornar para a vocação. Solicitei meu reingresso vocacional. A Comunidade me direcionou a um ano de experiência vocacional em uma célula, que já havia desde o início daquele ano.
Durante a experiência, sentia uma profunda alegria, embora houvesse muitos desafios. Houve muitas lutas interiores e exteriores para me adaptar novamente aos compromissos comunitários. Em meio a tudo, Deus me falava com convicção que Aquela (a vocação Shalom) era a minha via, que eu passasse pela porta estreita! Enfrentei perseguições, incompreensões e desconfianças, porém, quanto maiores as dificuldades, mais eu encarnava a cruz, o deserto, a Obra Nova. O Cristo me falava da passagem pascal, da Ressureição após a dor.
No final de 2021, pedi oficialmente meu reingresso para a Comunidade de Aliança. A comunidade me acolheu novamente! Meu Deus, que felicidade!!! Era concreto!!! Recebi a resposta no retiro para o ingresso do discipulado, e a alegria foi tão grande que nem dormi naquela noite pensando no itinerário de eleição da minha vida. Vi um milagre! Doze anos depois retorno para a Comunidade de Aliança. Deus abriu uma via nova pelo deserto (Is 43, 19-21).
Após o recebimento do sinal, algumas tempestades começaram a acalmar. O discipulado (2022-2023) foi um processo de autoconhecimento, aprofundamento da minha decisão em meio as renúncias e sacrifícios diários. Deus foi me dando a graça do sobrenatural, à medida que eu me violentava e decidia por ele. Cansaço físico extremo, dificuldades financeiras, doenças na família, desejo de reparar meus erros, tudo isso foi marcando esse tempo. Deus permitiu que o meu SIM fosse purificado. O que Ele queria era me deixar apenas com a sua voz. Compreendi que para unir-se concretamente ao Cristo é preciso renunciar a mim mesma e tomar a cruz a cada dia. Renunciar a cada dia aquilo que é contrário à sua voz, contrário a santidade e renovar meu SIM também diariamente. Agora, caminho para as núpcias que o meu Amado me atraiu. Profunda gratidão!
Embora as promessas da Consagração agora sejam temporais, em meu coração já são definitivas. Deus não está me pedindo mais, Ele está me pedindo tudo! Para sempre! Ele me deu tudo, agora quero dar tudo a Ele!
Aline Santos
Comunidade de Aliança
Minha amada amiga e Comadre , sua oferta de vida me alcança profundamente , lhe desejo o céu ❤️❤️🌻🙏🏻