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Causas do ateísmo

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ateismo causaEdith Stein acreditava que todo homem busca a Deus, ainda que não o saiba. “Nele nós vivemos, nos movemos e somos” (At 17,28), “porém, muitos dos nossos contemporâneos não atendem a esta íntima e vital ligação com Deus, ou explicitamente a rejeitam, a ponto de o ateísmo contar entre os gravíssimos problemas de nosso tempo e dever ser submetido a um exame diligente”(GS 19). Vejamos, a seguir, algumas das principais causas do ateísmo contemporâneo evidenciadas pelo Vaticano II:

Ignorância e rejeição da fé

Traçar um panorama completo do fenômeno do ateísmo no mundo de hoje é bastante difícil. “Pela palavra ateísmo, designam-se fenômenos bastante diversos entre si” (GS 19). Atualmente, com os chamados “ateus militantes”, vemos, de um lado, uns que negam expressamente a existência de um ser que transcenda absolutamente a ordem empírica; de outro, vemos alguns que de modo não menos apaixonado afirmam que, se porventura Deus existe, não se é possível falar nada sobre ele.

Como bem explicitou o cardeal Ratzinger, na sua homilia pro eligendo romano pontífice, em 2005, “quantos ventos de doutrina conhecemos nestes últimos decênios, quantas correntes ideológicas, quantas modas do pensamento… A pequena barca do pensamento de muitos cristãos foi muitas vezes agitada por estas ondas lançadas de um extremo ao outro: do marxismo ao liberalismo, até à libertinagem, ao coletivismo radical; do ateísmo a um vago misticismo religioso; do agnosticismo ao sincretismo, e por aí adiante”.

Ateísmo sistemático

Gaudium et Spes nos aponta para os perigos de um ateísmo sistemático, o que não se trata de um ateísmo ingênuo, mas de um esforço por formular argumentos que procuram justificar a falta de fé. Em última instância, essa forma de ateísmo procura desmascarar o ato de crer, pretendendo mostrar que Deus, a fé, o céu, a eternidade não passam de um anestésico para uma vida desgraçada. O ateísmo sistemático propõe uma nova antropologia e, com isso, acaba por apresentar um homem sem transcendência, reduzido à imanência e à materialidade.

Ateísmo antropológico

Nietsche, na questão 125 de sua obra Gaia Ciência, já “profetizava” que a nova aurora para humanidade viria mediante a morte de Deus. Com a morte de Deus, surgiria um ser humano novo, um super-homem, senhor do seu próprio destino, mas destituído de sua dimensão espiritual, não mais escravo de uma moral objetiva, mas criador dos seus próprios estatutos.

O homem de Nietsche assemelha-se a uma espécie de super-animal. “Aqueles que professam tal ateísmo sustentam que a liberdade consiste em o homem ser o seu próprio fim e o único artífice e demiurgo de sua própria história” (GS 20).  Alguns, como Feuerbach, por exemplo, afirmam que Deus não passa de uma projeção do homem. O homem se projeta de forma divinizada. No fundo, teologia, para Feuerbach, é uma antropologia.

Falsas projeções de Deus

Nosso discurso sobre Deus está intimamente ligado às nossas experiências humanas. É natural que um homem pobre tenha um Deus rico, que um injustiçado tenha um Deus justo, e mesmo um grande pecador, um Deus misericordioso. Cada um cria um Deus à imagem e semelhança da sua necessidade. Podemos afirmar com certeza que Deus tem alguma relação com essas projeções, mas há que se lembrar que Ele não se esgota em nenhuma delas, não se identifica absolutamente com nenhuma delas. Em qualquer condição, nossa referência absoluta para discursar sobre Deus é o modo como Ele se revelou em Jesus de Nazaré.

Quantas pessoas alegam ser ateias e, quando questionadas acerca dos motivos do seu ateísmo, apresentam como causa a incompatibilidade da presença de um criador bom em um mundo repleto de violência, ódio, guerras, doenças, fome etc. Cria-se um deus pior que o homem. Qualquer um, com um pouco de bom senso, recusar-se-ia a acreditar em um deus indiferente. Assim diz a Gaudium et Spes: “O ateísmo se origina não raramente ou de um protesto violento contra o mal no mundo, ou do próprio caráter absoluto que se atribui indevidamente a alguns bens humanos, de tal modo que sejam tomados por Deus” (GS 19). Concluímos então que essas falsas projeções de Deus constituem um perigo real para a fé.

Ateísmo sociológico

O ateísmo é essencialmente materialista. Nessa forma de ateísmo destaca-se, sem dúvida alguma, o pensamento marxista que, nas últimas décadas, tem alargado seus espaços não mais pelo viés político, mas cultural. O marxismo, com seu empenho em acabar com aquilo que ele chamava de alienação, defendia que se fazia necessário transformar a cultura, e isso inclui também a religião, pois, para o marxismo, religião é cultura exteriorizada.

Como afirma o documento magisterial em questão, “entre as formas de ateísmo não deve ser esquecida aquela que espera a libertação do homem, principalmente da sua libertação econômica e social. Sustenta que a religião, por sua natureza, impede essa libertação, à medida que, estimulando a esperança do homem numa quimérica vida futura, o afastaria da construção da cidade terrestre” (GS 20). Religião, assim, seria alienação porque desvia a atenção do fiel da necessidade da luta, com uma promessa de vida no céu.

Alguns teólogos, na tentativa de salvaguardar a fé, sem ao mesmo tempo descurar a necessidade de uma nova engenharia social que, necessariamente, deveria envolver a todos, tendo em vista uma libertação econômica e social, propuseram o diálogo entre a teologia e as nascentes ciências sociais, muitas delas de viés marxista. A proposta era fazer com Karl Marx o que Tomás de Aquino fez com Aristóteles, ou seja, “batizar” Marx, cristianizar o marxismo.

Contudo, não podemos equiparar a filosofia aristotélica à marxista, isso porque obedecem a categorias epistemológicas diferentes. A primeira é idealista e a segunda materialista. Correríamos o risco de criarmos uma teologia sem Deus. Cristo seria usurpado por um outro salvador, com poderes não mais divinos, mas econômicos e políticos.

Iluminadoras a este respeito são, mais uma vez, as palavras da Gaudm et Spes, constituição conciliar que trata da missão Igreja no mundo de hoje, quando diz que “a esperança escatológica não diminui a importância das tarefas terrestres, mas, antes apoia o seu cumprimento com motivos novos” (GS 21).

No mesmo ponto, ainda afirma a Igreja: “fiel quer a Deus e quer aos homens, a Igreja não pode deixar de reprovar dolorosamente, com firmeza, como reprovou até agora, aquelas doutrinas e atividades perniciosas que contradizem a razão e a experiência humana universal e privam o homem de sua grandeza inata” (GS 21).

Não raramente vemos a Igreja e os teólogos sendo colocados na berlinda do método e da prova, no intuito de submeter a exame o problema de Deus, limitando-o à comprovação científica. Deus não se esgota na realidade empírica. As ciências não podem abarcar toda a realidade. No entanto, essa lógica traz um pressuposto que se choca com as referências epistemológicas da fé. A verdade cientifica é uma forma de saber a realidade; a realidade como tal extrapola os limites da ciência. E Deus se identifica com a realidade, mas não se esgota na realidade (cf.GS 19).

Outro ponto que não poderíamos deixar de dizer é que os adeptos desse método científico alegam que a fé condena o homem a uma razão estreita, impossibilitando o progresso científico. Por outro lado, esse mesmo método nega a possibilidade de uma verdade absoluta.

Em contrapartida ao pensamento acima descrito, há que se referir que fé é amplitude, abertura. A fé potencializa os limites da razão, alarga-os. A fé não brota de um cego impulso interno; ao contrário, surge de escolhas conscientes e livres, de convicções pessoais.

Concluímos então, que as inúmeras correntes de pensamento que têm à sua frente a ciência com toda sua proposta de monopólio da felicidade e da realização humana, se mostram frágeis e ineficazes no seu intento. Isso abre espaço para reflexões mais alargadas, como uma reflexão teológica sobre o papel e o valor da experiência de Deus.

De antemão, é bom que se diga que isso não é tarefa para espíritos estreitos, mas para corações dilatados e almas grandes, que têm proporções metafísicas e que sabem que o coração do homem não foi feito para se manter cativo dentro dos limites construídos por uma razão instrumental, tecnicista, cientificista, ou mesmo que delega à economia e à política a missão de salvar o homem.

Remédios contra o ateísmo

Outra possível causa do ateísmo é o frágil ou nenhum testemunho dos que se dizem homens de fé. Nietzsche já denunciava isso no seu tempo: por vezes, parece haver duas vidas, uma que se vive na esfera privada, outra que se vive na esfera pública.  Nessa linha, o Concílio não descarta a importância de uma educação para fé. “Por essa razão, na gênese do ateísmo, grande parte podem ter os crentes, enquanto negligenciam a educação da fé” (GS 19).

Sendo assim o santo Concílio, apresenta três dimensões importantes para minorar o fenômeno do ateísmo no mundo de hoje. Primeiramente, a exposição clara da fé, ainda que isso possa em alguns momentos valer o rótulo de fundamentalismo; é importante que as pessoas saibam exatamente o que a Igreja crê.  Depois, a vida da Igreja, sua disciplina, que devem facilitar o acesso das pessoas à graça, e não dificultar com normas burocráticas absurdas. Por fim, a vida de seus membros, ou seja, a coerência de vida.

Um cristão pouco instruído na sua fé, ou um cristão ideológico, e mesmo uma Igreja burocrática, podem ser causa de inúmeros prejuízos para a propagação da fé, já que a evangelização não se faz tanto por proselitismo, mas por atração, no dizer de Bento XVI.  Se não for assim, pode-se mais esconder que manifestar a face genuína de Deus.

 

*Rodrigo Santos e Vicente Junior

 

Bibliografia

NIETZSCHE, Friedriche. A Gaia Ciência (tradução de Paulo César de Souza). São Paulo: Companhia das Letras

CONCÍLIO VATICANO II. Compêndio do Vaticano II: constituições, decretos, declarações. Petrópolis: Vozes, 2000

ZILLES, Urbano. Filosofia da Religião. São Paulo: Paulinas, 1991.

http://www.vatican.va/gpII/documents/homily-pro-eligendo pontifice_20050418_po.html

http://www.zubiri.org/general/xzreview/2007/pdf/cescon_07.pdf

 

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