Formação

Vamos brincar de namorar?

A “ficada” de hoje cada vez mais se aparta dos verdadeiros sentimentos e emoções e se aproxima da frieza das carícias, com o fim único de dar e receber prazer.

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Vamos brincar de namorar? Sim? Então, comecemos: no salgadinho que você acabou de comprar há duas cartelinhas: uma para as meninas, de cor rosa, e uma para os meninos, de azul. Na sua, a cantada fatal: “Quero você”! Para efetivar a paquera, eu tenho de raspar uma das três opções: “Eu também!”, “Agora” ou “Longe!”. Minha vez! Na minha cantada está escrito muito singelamente: “Beijo”. Você, em continuidade, raspa uma das três opções: “Na bochecha”, “Na boca” ou “Nem pensar!”. Dependendo de como as coisas vão rolar, pinta um “fica” e cada um vai para o seu canto depois, sem entrosamento nem conversa fiada! E, então, até à próxima compra…

A brincadeira acima pode ser encontrada em certo pacote de salgadinhos disponível em supermercados, ali, logo ao alcance da mão. São duas pequenas cartelas que ensinam o desenrolar da cantada apenas com uma raspadinha. Comprando, raspando, ficando! Simples assim! Cabe a você raspar no lugar certo (quem sabe uma boate, uma festinha de colegial, um cinema…), no momento certo e com a pessoa certa. E, pronto, aprendi a ficar no melhor método “passo a passo”, sem nenhuma contra indicação, sem nenhuma consequência desagradável, nada além de azaração. Como todo mundo já sabe namorar, as receitas já vêm prontas e acabadas, no ponto de experimentar, sem a perspectiva de um mínimo vínculo afetivo, sem a oportunidade da auto descoberta e da descoberta do outro em sua imensa riqueza e carisma, de sua integridade e personalidade. A “ficada” de hoje cada vez mais se aparta dos verdadeiros sentimentos e emoções e se aproxima da frieza das carícias, com o fim único de dar e receber prazer. Como se, necessidades sensoriais satisfeitas, não houvesse mais lugar para a sincera escolha do amor fértil, do profundo respeito pela outra pessoa.

Herdeiros de uma moda que valoriza o “experimentar” em detrimento do “descobrir”, os pré-adolescentes já não separam a brincadeira do beijar e “ficar” escondido, da seriedade do relacionamento fecundo, e isso facilita a falta de carinho entre eles no difícil caminho rumo à sadia afetividade. A mídia, explorando a fabricação de pequenos “adultos” sobre estereótipos e ideias vagas de liberdade, faz deles vítimas perfeitas dessa crescente mania de valorizar a outra pessoa naquilo que ela pode me dar e não no inverso, provocando uma modificação profunda de comportamento que possivelmente irá desaguar em relacionamentos e matrimônios imperfeitos. Se hoje eu não valorizo a pessoa com quem fico, usando-a na medida do prazer que ela me possibilita, amanhã, certamente, não irei privilegiar o cônjuge que elegi (muitas vezes em requisitos errados), porque, no passar dos anos, a falta de sensualidade talvez o faça parecer decaído aos meus olhos. Porque ninguém mais procura se valorizar como ente dotado da graça da personalidade e da pessoalidade, torna-se difícil encontrar a medida certa nos relacionamentos, sem o respeito e sem a responsabilidade que eles acarretam.

O professor Felipe Aquino, em texto sobre namoro, ensina, a respeito dos relacionamentos de hoje: “É o instinto que comanda, não a razão. Como uma pessoa dessa pode amar, como pode dar-se, renunciar a si mesmo, se o que importa é a satisfação do seu corpo? Quando o corpo impera, a razão enfraquece, o espírito agoniza, e o amor perece”. Da valorização do “eu” há o descuido do “tu” e, consequentemente, nenhum relacionamento válido se efetiva, pois não há a complementaridade nem a entrega necessárias. O entendimento cristão de amor ao próximo (Lc 10,27) casa bem com esta intenção de amor frutuoso a ser buscado dentro do namoro. Porque o outro existe e ama, quero eu amá-lo em toda a sua extensão e profundidade para dele absorver o amor que me preenche. Nessa doação, que satisfaz plenamente o outro e, em consequência, a si mesmo, esconde-se a fórmula do sadio amor a ser aprendido no seio do namoro. Isso deve ser assimilado por aqueles adolescentes que, imaturos, anseiam por descobrir o verdadeiro significado das suas relações, para que, no crescimento da caminhada rumo ao amor conjugal, saibam discernir, ainda no âmbito do namoro, a sabedoria e responsabilidade que ele pede.

Em vista disso, não cabe nessa fase de amadurecimento a busca do prazer pelo prazer, em situações de sexo, masturbação, ficadas e outros. Estes momentos, ao invés de cimentarem uma sexualidade e afetividade sadias, acabam por minar nossa dignidade de filhos de Deus e fecham nossa vida afetiva na centralização dos nossos desejos, situação de egoísmo que nos faz morrer no pecado e anular a graça do Pai em nós. Por conta disso, essas receitas fáceis de namoro, compradas a preço de pechincha para preencher o nosso vazio pessoal na busca do prazer instantâneo, trazem um preço alto demais a ser pago em riqueza pessoal e intimidade com o próximo e com Deus. Modelando-nos na via fácil do carinho descartável, corremos o risco de tornar igualmente descartáveis a nossa dignidade e a beleza que há no namoro.

Importante é que, nessa brincadeira que se torna séria pela nossa maturidade afetiva encontrada em Deus, raspemos o “Longe!” para a escolha fácil do amor egoísta e o prazer que insiste em nos desviar do respeito pelo outro e o “Nem pensar!” para as oportunidades de pecado que nos levam a desprezar o amor verdadeiro, dado pelo Pai, em nossos corações. Saber namorar (e não ficar) deve ser, para nós, não a evocação vaga da letra da música, mas verdade de vida colocada em nós pela graça de Cristo.

Breno Gomes Furtado Alves
Fevereiro/2003


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