Formação

Aplanai as Suas veredas

comshalom

coluna da Emmir 01122015

Finalidade e espírito deste tempo – Enquanto que o Tempo pascal e da Quaresma, a celebração do Natal do Senhor e da Epifania são comuns a todos os ritos, o Tempo do Advento é próprio do Ocidente. Foi instituído para que os fiéis se preparassem para a celebração do Natal, mas em pouco tempo adquiriu também um significado escatológico: de fato, recorda a dupla vinda do Senhor, isto é, a vinda entre os homens e a vinda no final dos tempos.” (1)

O tempo do Advento tem a duração de quatro semanas e não é mais considerado somente como tempo de penitência; ao contrário, é tempo de alegre expectativa.

No tempo do Advento omite-se o “Glória” nas celebrações litúrgicas, mas por razões diferentes da omissão do mesmo no tempo da Quaresma: é para que este hino angélico ressoe no Natal como um cântico novo.

Nas duas primeiras semanas do Advento, a liturgia expressa o aspecto escatológico do Advento, colocando nos corações a alegre expectativa pela segunda vinda de Cristo. Nas semanas seguintes, a Igreja nos prepara diretamente para a celebração do Natal do Senhor.

“Traçai o caminho do Senhor, aplanai as suas veredas”, diz o Evangelho segundo Marcos logo no seu início, remetendo-nos a Isaías 40, 3:

“Abri no deserto um caminho para o Senhor, traçai reta na estepe uma pista para nosso Deus. Que todo vale seja aterrado, que toda montanha e colina sejam abaixadas, que os cimos sejam aplanados, que as escarpas sejam niveladas!”

Consultei um engenheiro sobre como se faria este trabalho hoje em dia e, no que pude entender de sua linguagem técnica, o trabalho funcionaria mais ou menos assim:

– Primeiramente, contrata-se um topógrafo que mede e traça as curvas de nível do terreno a ser aplanado:

– Em seguida, determina-se qual o nível que se deseja fazer a terraplanagem;

– Daí, contrata-se retro-escavadeiras para escavar as colinas, tratores de estreira e pás-carregadeiras para pôr abaixo os cimos e montanhas, e, se necessário, técnicos em demolições com dinamites para implodir as escarpas de pedra;

– Quanto aos vales, é preciso contratar-se caminhões, mandaus e tratores para preenchê-los com o tipo de terra adequado e nivelá-la segundo o que foi preestabelecido.

Este é o nosso processo moderno de aplanar cimos, nivelar escarpar e preencher vales. Como é que ele funcionaria em termos de terraplanagem do coração para preparar o caminho ao Senhor que vem?

– Primeiramente, contratemos um bom topógrafo que coloque bem claro para nós quais são os cimos de nosso orgulho e os vales de nosso vazio de Deus. O Espírito Santo, que nos revela a verdade, que nos esclarece acerca do pecado e da justiça, precisa ser nosso topógrafo. Em nosso complacente olhar humano, tendemos a nivelar nossa alma como algo vago que está “na medida”. Porém, quando examinamos a nossa alma à luz do Espírito, com toda coragem que a verdade requer, como são profundos os nossos vales de fechamento em nós próprios e de apegos a nós mesmos, a tanta coisas, opiniões e pessoas, e como é árido o nosso deserto sedento de Deus!

– Depois, precisamos da coragem de contratar as regras ocasionadoras da humilhação e determinar ao topógrafo que faça a terraplanagem no nível mais baixo possível, pois assim, faz o Nosso Senhor que se humilhou, tornando-se homem e morrendo a morte de cruz. Quanto às dinamites, precisamos cuidar para que sejam colocadas as da verdade, na profundidade que atinge a espada da Palavra e na potência do poder da ressurreição, que confirma a graça da Salvação. Não há coração altivo de pedra que este tipo de dinamite não imploda.

– Quanto aos vales do fechamento e do apego, estes necessitam das provisões dos celeiros do Amado dos Cantares, cujo olhar prende os olhos da alma, cujo estandarte é a caridade que nunca olha para si. Seria loucura pretendermos preencher os vales com a terra tirada dos cimos e as pedras das escarpas. O nível seria alto demais. Somente o nível do amor esponsal conhece o altíssimo abaixamento do abraço à cruz do Amado.

O Espírito, a humilhação a verdade, a Palavra, o poder da Ressurreição, o Amor Esponsal, a Caridade: esta é a maquinária necessária para aplanar o caminho para o Senhor que vem.

Em seu lugar, os tratores e caminhões a postos, os topógrafos contratados. Tudo providenciado! No entanto, tudo imóvel! Faltam-nos ainda a oração e a penitência que abrem espaço para o Espírito, que o atraem, que nos fazem sedentos de abraçar a humilhação para adquirir a humildade. Faltam-nos a oração e o jejum que treinam nossa alma para acolher e reagir à verdade, que fazem a Palavra viva, que adestram nossa alma para a caridade e nos identificam com o Amado, na morte e na ressurreição.

Com todo o canteiro de obras montado, cabe a oração, jejum e penitência, o papel de nos adestrar pela disciplina, pelo auto conhecimento, pela renúncia. Ótimo! Feito isso, tudo está feito. Está preparado o caminho para o Senhor!

Observe mais atentamente: as máquinas andam ainda empurradas, rangendo, sem óleo e, a permanecerem assim, logo logo se desgastarão e desistirão da obra antes que o Senhor venha. Falta-nos a graça. Não há esforço humano que, por si só viva a caridade, a humildade, o amor esponsal. Não há raciocínio humano que chegue à verdade e compreenda a Palavra sem a graça. Não há voluntarismo ou sensação humana que sustentem a oração verdadeira, sem o auxílio da graça.

Peçamos, então, a Deus, a graça e, finalmente, veremos que nosso canteiro de obras vai muito bem! As máquinas oleadas pela graça, mantidas pela oração e penitência vão fazendo seu trabalho de escavação e terraplanagem. Teremos um bom Advento, e o Senhor virá ao nosso coração devidamente plano pelo nossos sim e correspondência à graça de Deus!

Parabéns! É um grande esforço! Porém, olhe para os pés que pisarão a estrada. Ela deve adequar-se a eles. Foi perguntado a estes pés que tipo de estrada melhor lhes convinha? Veja bem, é um caminho aplanado para eles. Olhe-os atentamente: estão descalços, são pequeninos, frágeis, recobertos da pelezinha fina e enrugada de um bebê. Caminhos largos os deixarão perdidos. Caminhos suntuosos os deixarão pouco à vontade. Caminhos longos cansarão este pezitos divinos, mas humanos. Caminhos expostos à ventania lhe causarão frio…

Os pezinhos do Senhor que vem precisam do caminho cálido de uma alma que tenha dito “sim” como Maria, da vereda acolhedora da alma que cumpre a vontade de Deus sem hesitar; precisam da via estreita da alma experimentada na cruz; da rota macia da alma desapegada de toda honra da terra. Precisam do caminho breve da alma que confia na Providência e vive a cada dia o seu cuidado; da estrada simples da alma provada que encontrou a paz do abandono em Deus.

Estes pezitos são a única razão de nosso trabalho de terraplanagem. A razão de tanto trabalho não é ter uma bela pista para oferecer ao Senhor. Isto seria tanto orgulho que os pezinhos não reconheceriam nosso “elevado” caminho. Nosso trabalho de construir veredas retas, de derrubar os cimos, de escavar com tanta dor nossas montanhas de seguranças humanas, tem somente uma razão: acolher estes pezitos, adorá-los, beijá-los, em gratidão por terem-se dignado a trilhar os caminhos do nosso coração de homem.

Feito isso, temos um caminho com escavações por toda parte, com trechos da estrada adequados, mas interrompidos por pedregulhos e desvios, com montes de terra das colinas e escarpas misturados com outros tirados dos celeiros do Amado. Teremos o barulho das explosões de dinamite e o baque surdo da altivez caindo no abismo; teremos o silêncio estéril das escarpas e o canto fértil do louvor. Teremos enfim, uma brutal confusão de luz e trevas, silêncio e ruído, escavações e nivelamento… até que, conduzidos pelo bordão da Fidelidade Casta e envolvidos no Manto da Humildade Casta e Fértil, dois pezinhos pisem o primeiro pedacinho da estrada que construímos. Aí então, os pezitos do Emanuel completarão a obra. Beijados por nossos lábios gratos, que neles experimentaram a pele do bebê, a poeira dos caminhos, o sangue da cruz e o brilho das cicatrizes dos cravos, estes pezitos, cujo Advento preparamos, traçarão em nosso coração e a cada passo, o seu amoroso caminho de paz. Então, como continua Isaías, “a glória do Senhor manifestar-se-á e todas as criaturas juntas apreciarão o seu esplendor.”

(1) Cristo, Festa da Igreja, Augusto Bergamini, pp 176,177

 

Maria Emmir Oquendo Nogueira

Cofundadora da Comunidade Católica Shalom

em “Entrelinhas” da Revista Shalom Maná
TT @emmiroquendo
Facebook/ mariaemmirnogueira
Coluna da Emmir – comshalom.org


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