Formação

Se te acontecer de perder Jesus…

O encontro com Deus não é estático, mas dinâmico e, por isso mesmo, sempre novo.

comshalom
Foto: Pexels

Oração é busca de Deus. Porém, nem sempre é fácil encontrá-lo ou reconhecê-lo entre nós.
Deus entra na nossa história e mistura-se conosco. O Verbo se fez carne de forma muito humilde, simples e pobre, totalmente despretensiosa. Enquanto as filhas dos nobres preparavam seus castelos para receberem o Messias, Ele preferiu nascer pobre, num estábulo, desprovido da exuberância e do perfume do palácio dos reis. Assim foi, e embora muitos judeus esperassem grandes manifestações na vinda do Messias, Ele veio discreta e silenciosamente.

Às vezes não encontramos Deus porque Ele não se revela como gostaríamos. Ele exige de nós uma total purificação do nosso ser. É necessário esvaziar-se para poder ser preenchido pela sua força. A exigência da oração é o total desapego, somente assim somos inundados por aquela luz especial que possuem apenas os que procuram o rosto de Deus “com ânsias de amor inflamado”: “Tua face, Senhor, eu busco…não me escondas o teu rosto!”…

Minha experiência pessoal revela – e os outros me confirmam – que o encontro com Deus não é estático, mas dinâmico e, por isso mesmo, sempre novo. Quando pensamos que o encontramos e “agarramos”, Ele “escapa”, se esconde e nos deixa num profundo sentido de desolação e de noite. É o caminho da noite que precisamos aprender a trilhar silenciosamente e a sós, esperando que o Senhor apareça novamente quando lhe aprouver. A nós cabe gritar e procurar, a Ele cabe responder. A saudade de Deus é uma doença tão forte que somente se cura “com sua presença e figura”.

Saber esperar

Atualmente não sabemos esperar. O mundo da tecnologia gera a impaciência. Queremos que tudo seja “para ontem”, esquecemos que existe também o amanhã… O saber esperar é uma atitude bíblica.
No caminho da oração, saber esperar o momento de Deus quer dizer que Ele nos visita quando menos esperamos e que a nós cabe a vigilância, como virtude de quem sabe que, mais cedo ou mais tarde, Ele virá nos visitar.

Na escola dos profetas e dos místicos, aprendemos a virtude da esperança. As demoras de Deus são pedagógicas. O orante é, antes de mais nada, homem e mulher de esperança, que não se cansa de bater até que a porta se abra, nem de procurar até que encontre, nem de pedir até que obtenha o que mais deseja.

Esperar é lançar os olhos além de todos os pequenos horizontes da vida e crer que o Senhor da história nos prova, mas não nos abandona. Ele quer que o procuremos com a intensidade da esposa que busca o seu esposo, como os olhos dos servos que esperam tudo do seu Senhor.
O salmista anima: “Coragem! Espera no Senhor!” (Sl 26). Nesta coragem são superados os medos e as incertezas da fé. A esperança é alimentada pelo amor. Só espera quem tem fé e quem ama. A vivência das virtudes teologais se faz indispensável para quem quer se tornar um orante. Deus não se deixa manipular pelos nossos sentimentos ou exigências humanas; Ele sabe como e quando vir em nosso socorro.

Ir a Jerusalém

A Palavra de Deus sempre nos ensina o caminho da oração. Na vivência da Palavra e na sua meditação encontramos o caminho que devemos seguir para encontrar o Senhor. O texto de Lucas 2,41-50 ajuda-me na busca de Deus. Sempre encontro o Senhor em Jerusalém, na “cidade santa”, que não fica em determinado lugar, mas no coração de cada um de nós.

Somos a nova Jerusalém aonde devemos ir todos os dias para estar com o Senhor. Ir a Jerusalém quer dizer que é preciso desinstalar-se, sair de si, romper com todas as formas de comodismo e, sem medo, enfrentar todas as dificuldades que podem estar no caminho. Quem se coloca a caminho é movido por um forte ideal. Orar é “subir a Jerusalém”, tomar uma “determinada determinação”, saber que “vida cômoda e oração não podem combinar”, que somente o amor pode nos convencer a deixar a vida tranqüila do nosso dia-a-dia e procurar o Senhor que nos espera para nos amar. Maria, José e Jesus todos os anos deixavam a tranqüilidade de sua casa em Nazaré, enfrentavam as dificuldades do caminho, pobreza, cansaço, para irem a Jerusalém prestar a adoração devida ao Senhor. Um caminho que tem o sabor do êxodo, carregado sem dúvida de dor e cruz. Mas eles sabiam que, no Templo de Jerusalém, o Senhor os esperava. A leitura silenciosa e meditativa deste texto nos faz compreender como deve ser o caminho da nossa oração.

Jesus aos doze anos no Templo

“Todos os anos, na festa da Páscoa, seus pais iam a Jerusalém. Quando Ele completou doze anos, subiram a Jerusalém segundo o costume da festa. Acabados os dias de festa, quando voltaram, o menino Jesus ficou em Jerusalém, sem que os pais o percebessem. Pensando que estivesse na caravana, andaram o caminho de um dia e o procuraram entre os parentes e conhecidos. Não o achando, voltaram a Jerusalém à procura dele. Três dias depois o encontraram no Templo, sentado no meio dos doutores, ouvindo e fazendo perguntas. Todos que o escutavam maravilhavam-se de sua inteligência e de suas respostas.

Quando o viram, ficaram admirados e sua mãe lhe disse: ‘Filho, por que agiste assim conosco? Teu pai e eu, aflitos, te procurávamos’. Ele respondeu-lhes: ‘Por que me procuráveis? Não sabíeis que eu devia estar na casa do meu Pai?’ Eles não entenderam o que lhes dizia. Depois desceu com eles e foi para Nazaré, e lhes era submisso. Sua mãe conservava a lembrança de tudo isso no coração. Jesus crescia em sabedoria, idade e graça diante de Deus e das pessoas”.

Coloquemos em evidência alguns aspectos concretos para a nossa vida de oração:

Passados os dias da páscoa voltaram…

A oração é um momento de alegria, de páscoa, de festa. Mas não pode durar para sempre. Deus nos chama à intimidade com Ele, convida-nos a subir a montanha para experimentarmos sua presença, ou ao deserto porque quer falar ao nosso coração no amor e na solidão, ou nos desperta na noite para dialogar conosco e nos apresentar os seus projetos. Mas, depois desses momentos de intimidade, Ele quer que voltemos às nossas atividades e sejamos testemunhas autênticas do seu amor.

A fidelidade e firmeza do orante não se prova enquanto ele está orando, mas no cotidiano da vida. É sua maneira de agir, de falar, de ser que torna visível sua amizade com Deus. É interessante como na Bíblia temos sempre esta atitude da intimidade com Deus que dá forças para voltar aos nossos compromissos humanos. Cada vez mais compreendo que entre oração e ação, entre contemplação e atividade não pode existir “divórcio nem desquite”, mas, ao contrário, uma profunda união. Na oração se revela a nossa atividade e na atividade se manifesta a autenticidade da nossa oração.

Maria, José e Jesus não ficaram para sempre no Templo. Depois da festa da páscoa puseram-se novamente a caminho… Assim, depois de nossos momentos de oração, de retiro, de encontro, devemos voltar ao trabalho. Toda páscoa, que é domingo, devolve-nos à “segunda-feira”, que é trabalho e labuta onde devemos procurar ser fermento e ganhar o pão com o suor da nossa fronte.

O menino ficou em Jerusalém “sem que os seus o notassem”

Esta expressão de Lucas pode nos ajudar a entender como, embora voltando ao trabalho, devemos permanecer unidos ao Senhor na oração. A intimidade, a vida na presença de Deus nunca pode ser interrompida. Quer comamos, bebamos ou façamos outras coisas, sempre devemos agir em Deus.

Maria e José retomaram o caminho de volta, quem sabe preocupados com os afazeres que os esperavam em Nazaré, mas Jesus permaneceu em Jerusalém. Nunca devemos “sair” do clima de contemplação e de intimidade. Deus quer que estejamos constantemente unidos a Ele, que não nos separemos do seu amor e da sua presença. Esta linguagem bíblica nos compromete à vivência sempre em plena sintonia com o Deus da vida. Os místicos e os santos sempre nos recordam isto. João evangelista, quando diz que “Deus é amor”, convida-nos a permanecermos nele porque Ele sempre permanece em nós.

Maria e José não se preocuparam com Jesus. Pensavam que Ele estivesse com os outros, na caravana que voltava feliz e cantando de Jerusalém. A páscoa cria um novo clima de fraternidade, “caminharam um dia inteiro” despreocupados. Mas ao entardecer sentem a necessidade de se unirem novamente a Jesus. Também nós passamos o dia inteiro preocupados com tantas coisas, mas ao cair da noite sentimos a necessidade de buscar novamente o Senhor para estar com Ele, para entrar em comunhão, para experimentar numa forma mais forte a presença do amado, como fizeram Maria e José, mas nem sempre o encontramos…

Não o tendo encontrado…

A dor da decepção é sempre muito grande. Esta dor foi experimentada por Maria e José que, buscando Jesus, não o encontram entre os amigos e parentes. Se eles, que cuidavam tanto de Jesus, estavam sempre presentes em tudo aos desejos e ao cuidado de Jesus, o perderam de vista, tanto mais isto pode acontecer com cada um de nós. Podemos buscar Jesus e não encontrá-lo, pedir que outros nos ajudem e ninguém saber nos ajudar. Podemos viver momentos de desnorteamento nesta procura de Jesus. A experiência humana da nossa fragilidade nos faz sentir impotentes e tristes. Nem sempre encontramos Jesus onde “esperamos que Ele esteja”. Mas, graças a esta perda de Jesus, a Bíblia nos oferece o segredo onde devemos voltar a encontrá-lo, onde Ele sempre nos espera.

Voltaram a Jerusalém

Aqui está o verdadeiro segredo da oração: Voltar a Jerusalém. Se nos acontecer, depois de um dia de viagem, de “perdermos Jesus”, não devemos desesperar. Devemos pedir a todos que nos ajudem a encontrar novamente o Senhor…As pessoas, a criação ou, como canta João da Cruz:

Pastores que subirdes
Além, pelas malhadas, ao Outeiro,
Se, porventura, virdes
Aquele a quem mais quero,
Dizei-lhe que adoeço, peno e morro.

Mas, se as criaturas forem incapazes de nos dizer onde está o Senhor, resta-nos o caminho de volta para Jerusalém, para o santuário, para o lugar onde o Senhor nos espera.
E onde está Jerusalém? No nosso coração, na Palavra de Deus, na Igreja… Deus jamais desiste de nós, mesmo quando não o sentimos.

Voltar a Jerusalém, onde o Senhor nos espera sempre para novamente entrar em comunhão conosco! Ele quer que saibamos buscá-lo no amor e na fé. Quando o encontramos, Ele desce conosco para Nazaré, para a vida, e permanece conosco para sempre.


Comentários

Aviso: Os comentários são de responsabilidade dos autores e não representam a opinião da Comunidade Shalom. É proibido inserir comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem os direitos dos outros. Os editores podem retirar sem aviso prévio os comentários que não cumprirem os critérios estabelecidos neste aviso ou que estejam fora do tema.

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *.

O seu endereço de e-mail não será publicado.