Revista: “PERGUNTE E RESPONDEREMOS”, Nº 395 – Ano 1995 – Pág. 170
D. Estevão Bettencourt, osb.
Em síntese: As aparições de Nossa Senhora em São Sebastião do Alto, diocese de Nova Friburgo (RJ), foram examinadas pelos Srs. Bispos D. Clemente Isnard (emérito) e D. Alano Maria Pena (residencial). Ambos concluem que não se pode dar crédito aos fenômenos mencionados nem às mensagens atribuídas a Nossa Senhora. Daí a advertência aos fiéis no sentido de que se abstenham de peregrinações ao lugar das “aparições”.
Tem-se notícia de que Nossa Senhora apareceu a um jovem vidente em São Sebastião do Alto, na diocese de Nova Friburgo (RJ). Muitos grupos de fiéis têm ido lá a fim de rezar; dizem Ter recebido benefícios espirituais em resposta às suas orações.
Como é costume em todos os casos de aparições, o Sr. Bispo diocesano mandou investigar os fatos, a fim de discernir o que haja de autêntico e as possíveis ilusões aí ocorrentes. Após o devido exame, o Sr. Bispo emérito (resignatário) e o atual Bispo da diocese emitiram pareceres concordes entre si, negando a genuinidade dos fenômenos atribuídos a Nossa Senhora. Procuram mesmo conter o fluxo de peregrinos que acodem a S. Sebastião do Alto, pois afirmam tratar-se de pretensas aparições e mensagens, caracterizadas por traços alheios ao teor da fé católica.
A seguir, reproduziremos as declarações de D. Clemente Isnard e de D. Alano Maria Pena, respectivamente Bispo emérito e Bispo residencial da diocese de Nova Friburgo.
A declaração de D. Clemente Isnard
D. Clemente foi Bispo da diocese de Nova Friburgo durante mais de vinte e cinco anos; resignou por Ter alcançado o limite de idade, entregando a 23 de janeiro de 1994 a diocese a D. Alano Maria Pena. – Escreve D. Clemente:
“Os acontecimentos de São Sebastião do Alto,
Há muitos anos um rapaz, dizem que drogado convertido, originário de São Paulo, filiado ao Movimento Carismático, começou a freqüentar a Paróquia de São Sebastião do Alto, diocese de Nova Friburgo. No princípio, hospedava-se no Mosteiro da Ressurreição e freqüentava a igreja matriz. Não sei dizer quando, mas começou a afirmar que Nossa Senhora lhe aparecia de noite num mato sobre uma montanha ao lado da cidade. As aparições eram marcadas por certa luminosidade e surto de “estrelinhas”, o que, na escuridão do mato, é fácil de explicar.
Há cerca de dois ou três anos, não posso precisar a data, escrevi uma nota, que mandei ler na matriz de São Sebastião do Alto, desacreditando as chamadas “aparições”. A esta altura já a fama das aparições se havia espalhado, e vinha muita gente de fora da diocese, até de São Paulo. Isso porque, segundo o vidente, Nossa Senhora aparecia em dias marcados do mês. O grupo subia o morro, apesar da vereda ser íngreme, e se arriscava na escuridão.
Quando escrevi a nota, proibi às manjas que hospedassem o “vidente” e proibi também que ele desempenhasse qualquer função na igreja matriz.
Como não há hotel em São Sebastião do Alto, o rapaz é hospedado por pessoas que acreditam no que ele diz. Até eu deixar a diocese em 23/01/94, o movimento em torno das chamadas “aparições” continuava. Nunca falei com o rapaz. O povo local pouco participa. É mais gente de fora.
Rio de Janeiro, 9 de outubro de 1994
(a) Clemente José Carlos Isnard Bispo emérito de Nova Friburgo”
A posição de D. Alano Pena coincide com a de D. Clemente, como se verá a seguir.
A Carta de D. Alano Pena
Em 12 de setembro de 1994, D. Alano Pena dirigiu uma carta a todos os Arcebispos e Bispos do Brasil, expondo os resultados das investigações realizadas em São Sebastião do Alto e pedindo ao episcopado nacional que dissuada os fiéis de peregrinar a tal lugar. – Eis os seus dizeres:
“Excelência,
Desde que tomei posse como Bispo de Nova Friburgo, há cerca de quase 08 meses, tive a preocupação de examinar atentamente, seguindo os passos de meu antecessor, Sua Excia. Dom Clemente José Carlos Isnard OSB, o caso das assim ditas “aparições” de Nossa Senhora ao jovem Eurípedes Antonio Batista Pinto, na cidade de São Sebastião do Alto, na região norte de nossa Diocese.
As três conversas pessoais com este jovem, bem como as observações anotadas in loco por pessoas fidedignas, como o nosso Vigário Geral, Mons. Pedro Maia Saraiva, que lá esteve por nossa determinação, levam-nos a desaconselhar as romarias àquele local, em que pese a atitude de fé e de fervor com que muitos ali aportam.
Um exame acurado, feito a nosso pedido, por um sacerdote competente e sério de nossa Diocese, dos textos das Mensagens que teriam sido passadas por Nossa Senhora, revela ambigüidades doutrinais bastante sérias, e mesmo erros teológicos inadmissíveis.
Considero, p. ex., a frase contida numa mensagem dirigida à minha pessoa, como Bispo de Nova Friburgo, afirmando o seguinte: “… e minhas aparições em S. Sebastião têm a finalidade de salvar a Igreja fundada por mim e pelos apóstolos, no dia de Pentecostes”.
A própria pessoa do vidente, emocionalmente muito instável – já teve uma crise depressiva por sentir-se abandonado e sem orientação – suscita sérias dúvidas sobre estas assim ditas “aparições”. Ele mesmo afirmou-me, em conversa pessoal, que não vê Nossa Senhora, mas escuta interiormente o que ela fala.
Solicitei a ele, em nosso penúltimo encontro, há dois meses, que pedisse aos romeiros para suspenderem, por um ano, as peregrinações a S. Sebastião do Alto, e que ele se recolhesse durante este tempo, recebendo nossas orientações sobre as Mensagens que recebesse de Nossa Senhora. Não acatou esta sugestão.
Outra consideração importante: desde que meu antecessor escreveu uma carta orientadora para toda a Diocese de Nova Friburgo, a respeito deste caso, os fiéis da Diocese, incluindo os paroquianos de S. Sebastião do Alto, rarissimamente, ou quase nunca vão ao local das assim ditas “aparições”. A quase totalidade de peregrinos vem de fora, de outras Dioceses, especialmente do Estado de S. Paulo e de outras regiões do estado do Rio.
Após tais considerações, e após atento exame de todos estes dados, em nossa última reunião do Conselho Presbiteral, comunicamos a V. Excia. O seguinte:
A Diocese de Nova Friburgo não apóia nem aprova as assim ditas “aparições” de S. Sebastião do Alto.
A Diocese de Nova Friburgo desaconselha peregrinações ou romarias àquele local.
Está absolutamente proibida a celebração da Santa Missa naquele local.
A Diocese de Nova Friburgo informa ainda que o Clero da Diocese, especialmente o Revmo. Pároco de S. Sebastião do Alto, têm obedecido rigorosamente a estas orientações já desde o tempo de Sua Excia. Dom Clemente José Carlos Isnard OSB.
Solicitamos encarecidamente a V. Excia. que estas orientações sejam repassadas ao seu Clero, às Religiosas e aos Fiéis leigos.
Imploramos à Imaculada Conceição da Virgem Maria, a Padroeira principal de nossa Diocese, cuja fervorosa devoção é um dos tesouros espirituais de nossos Fiéis, que nos ajude a preservar a verdadeira devoção à sua tão querida pessoa, corrigindo, assim, desvios doutrinais e erros que muito poderão prejudicar a autêntica vivência do Evangelho.
Queira V. Excia. receber a sincera expressão de meu afeto fraterno.
Em Cristo Jesus,
Dom Alano Maria Pena O.P.
Bispo de Nova Friburgo”
Refletindo…
Nos dias atuais, muitas pessoas sentem insegurança por diversos motivos: estão abaladas a economia, a política, a educação, a família… É natural, pois, que procurem algum apoio para sua esperança no transcendental, ainda que seja mero imaginário. Daí o pulular de profecias relativas a próximo fim do mundo, que porá termo à desordem hoje vigente, … o pulular de visões e aparições que prometem a intervenção do Alto neste mundo em favor de uma nova fase da história, caracterizada por paz, amor, fidelidade a Deus… Estas visões podem ser contagiantes, visto que muitas vezes se trata de fenômenos meramente psicológicos, se não psicopatológicos, que sugestionam o público e levam pessoas mais sensíveis a conceber, elas também, visões e aparições.
Ao dizer isto, não pretendemos negar a possibilidade de intervenções extraordinárias de Deus e de seus Santos na história dos homens; em La Salette, Lourdes e Fátima pode-se crer que tenha havido realmente algo de transcendental. Todavia a Igreja é sabiamente cautelosa diante do extraordinário, pois tem consciência de que neste plano também a fantasia humana desempenha papel importante; pode projetar cenas e apresentar mensagens que não são senão expressões do psiquismo humano. Por isto a Igreja examina cada caso dito de “aparições” e profere a respeito um laudo objetivo, desde que tenha dados suficientes para tanto. Foi o que aconteceu em Nova Friburgo.
Os fiéis católicos nada perdem ao reconhecer o parecer desabonador dos seus Bispos. Na verdade, o Evangelho está a clamar diariamente por oração e penitência (cf. Mc 1,14; Lc 11,9s; 18,1…). Este apelo é, em última análise, o de Nossa Senhora em suas genuínas aparições. Orar e converter-se é o programa que os fiéis hão de assumir cada vez mais coerentemente, incitados precisamente pelas grandes lacunas religiosas e morais de nossos dias. O mundo precisa de Santos; não lhe faltam profissionais e técnicos de diversas áreas, mas o que mais importância tem para preparar os caminhos de uma sociedade mais harmoniosa e feliz é o cultivo da santidade ou da incondicional fidelidade a Cristo e à sua Santa Igreja. Eis o que deve permanecer na mente dos fiéis católicos interpelados por Cristo e sua Mãe Santíssima em nossos dias.