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A paz em causa

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A passagem do ano, que deveria ser de paz, foi estigmatizada pela execução de Saddam Hussein. Nada mais sintomático do clima de guerra que o mundo ainda respira, e que só se agrava com medidas truculentas como a execução de um prisioneiro de guerra, estopim de violentas reações que já se contabilizam à saciedade.

O mundo precisa de discernimento, para perceber os caminhos que levam fatalmente para a guerra, a fim de evitá-los. E descobrir os caminhos que lentamente podem construir a paz.

Com a mensagem de paz, Bento 16 dá sua preciosa contribuição. Ele se habilitou a falar com autoridade sobre as questões que preocupam a humanidade, porque não se furtou a tomar posição na encruzilhada por onde cruzam hoje os caminhos da história. Ele se expôs à incompreensão, ao tocar em feridas ainda vivas de velhos ressentimentos. Mas provou sua leal intenção de contribuir para o entendimento e a superação de preconceitos, com sua corajosa visita à Turquia, onde foi dialogar com muçulmanos e ortodoxos.

Revestido desta rara autoridade, dirigiu uma mensagem, onde aponta com insistência o nascedouro de onde devem brotar os caminhos da paz, partindo do valor e da dignidade da pessoa humana, criada por Deus, feita à sua imagem, vocacionada para o relacionamento pacifico que possibilite a sua plena realização.

Mas Bento 16 circunda esta insistência com algumas afirmações concretas, que comprovam sua coerência, e denotam sua intenção de abordar com clareza as questões centrais que hoje comprometem a paz.

Vale a pena assinalar algumas destas afirmações.

Em primeiro lugar, Bento16 vincula a paz com os direitos humanos. Estes direitos foram, sim, proclamados pela ONU em 1948, mas eles não derivam da ONU, nem de outras “convenções”. Eles decorrem da própria natureza humana. Portanto, são inerentes a qualquer pessoa humana, e portanto inalienáveis.

Entre os direitos humanos, ele enfatiza dois: o direito à vida, e o direito à liberdade religiosa.

Quanto à vida, o Papa aponta, com realismo, o direito aos bens básicos essenciais, como “a comida, a casa, a saúde”. E lembra em especial a situação do continente africano: “as gravíssimas carências de que sofrem muitas populações, especialmente no continente africano, estão na origem de violentas reivindicações e constituem assim um tremendo golpe infligido à paz”.

Ele é particularmente incisivo ao falar da liberdade religiosa, enfatizando o quanto está vinculada à paz: “outro sintoma preocupante de ausência de paz no mundo é representado pelas dificuldades que freqüentemente tanto os cristãos como os adeptos de outras religiões encontram para professar publica e livremente as próprias convicções religiosas.”

Mas Bento 16 aproveita o tema para reiterar sua clara posição contra os fundamentalistas que pretendem justificar a guerra por motivos religiosos. Faz questão de afirmar que este é um tema que necessita de posições firmes: “Trata-se, diz ele, de um dado em que se deve insistir com clareza: uma guerra em nome de Deus jamais é aceitável.” E’ uma clara referência à polêmica levantada na Alemanha, que agora o Papa reitera depois de demonstrada sua leal disposição para o diálogo com os muçulmanos.

Vale assinalar também a surpreendente defesa que o Papa faz da igualdade entre homens e mulheres, assinalando que “não devemos iludir-nos de que a paz esteja assegurada enquanto não forem superadas também estas formas de descriminação” contra as mulheres.

Ele alerta igualmente para o perigo que representa a busca desenfreada das fontes de energia, que ameaçam hoje o próprio equilíbrio da natureza, reivindicando uma “ecologia humana” que resguarde os direitos das futuras gerações.

Uma mensagem, portanto, aberta e corajosa, que vale a pena ser meditada, para que suas recomendações possam ser devidamente integradas na prática cotidiana.

D. Demétrio Valentini é bispo de Jales (SP)

Fonte: CNBB


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