Formação

OS LIMITES DE DEUS

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Irmã Maria Elizabeth da Trindade, ocd – Passos

É curioso como a palavra “limite” passou a fazer parte de nosso vocabulário corriqueiro. Além do sentido material de “linha de demarcação, fronteira, etc.” nós a usamos, com sempre maior freqüência, como expressão de “fronteira” humano-psicológica, daí as expressões: “conheço meus limites”, “foi além dos limites”, etc. Mas quando começamos a pensar nos “limites de Deus” nos deparamos imediatamente com uma voz interior que grita: Deus não tem limites, é infinito! E é verdade, Deus não tem limites, ele tudo penetra, está em toda parte, é infinito em tudo que faz, no amor, na misericórdia, na bondade, na paciência, e daí por diante.
Refletindo sobre o mistério da criação do universo vemos que Deus não tem limites porém ele coloca limites. O livro dos Salmos diz que Deus colocou limites às águas: “Impuseste-lhes um limite que não ultrapassassem, para não tornarem a cobrir a terra.”(Sl 104, 9) Da mesma forma o livro do Deuteronômio(32, 8) nos fala dos limites que Deus colocou aos povos: “Quando o Altíssimo distribuiu a herança entre as nações, quando espalhou o gênero humano, fixou os limites dos povos segundo o número dos filhos de Deus…”
O limite é uma necessidade para a organização do universo como para que haja harmonia em qualquer ambiente, quer humano quer pessoal ou físico. Basta imaginarmos, o que seria de um grupo de pessoas se não houvesse limites de atribuições, de comportamentos, de um mínimo de ordem até no uso das coisas? Ou uma pessoa que fosse trabalhando, trabalhando, sem respeitar os limites de sua resistência física? É sabedoria conhecermos e respeitarmos os limites se quisermos ter paz e contribuir para a paz. E é sabedoria maior ainda confiarmos nossos limites a Deus para que Ele nos amplie as capacidades e possamos nos doar sem medidas. Já dizia a Beata Elisabete da Trindade, uma carmelita francesa que sempre lutou com seus limites e conseguiu, com a graça de Deus superar tantos defeitos:
“Quero cumprir perfeitamente a tua vontade, corresponder sempre à tua graça; desejo ser santa contigo e para ti, mas, sinto a minha incapacidade, oh! sê a minha santidade.” (Notas íntimas,5)

Deus coloca limite ao mal
Quando refletimos sobre a situação da maldade que há no mundo e em como o ser humano está se tornando cada vez mais brutal podemos experimentar uma certa desilusão, uma desesperança. São jovens que matam os pais por causa de herança, aluno que mata professor, torturas aplicadas entre gangues inimigas, países que desrespeitam outros países e se apossam deles causando uma série de injustiças que gritam aos céus e tantas outras notícias das quais os jornais estão cheios e que talvez já nem mais nos assustem, dada sua freqüência. E, se olharmos os problemas familiares que enfrentamos, a questão da educação dos filhos que a sociedade quer “deseducar”, os riscos que correm os jovens e crianças nos meios mais diversos, inclusive nas escolas, o bombardeamento da família por todos os lados para destruí-la e apagar seus valores, e tantos problemas, podemos pensar que o mal está dominando o mundo e que ele é o vencedor e será vencedor.
Porém nós, que acreditamos no Deus “sem limites”, devemos ter em mente que Deus coloca limites ao mal. Ele não deixa que o mal faça todo o estrago que quer. Na Palavra de Deus temos o exemplo clássico da história de Jó quando é assaltado por Satanás por todos os lados, mas a quem Deus proíbe de tirar a vida a Jó:
O Senhor , então, disse a Satanás: “Donde vens?”–“Dei umas voltas pela terra, andando a esmo”, respondeu ele. O Senhor lhe disse: “Reparaste no meu servo Jó? Na terra não há outro igual: é um homem íntegro e reto, teme a Deus e se afasta do mal”. Satanás respondeu ao Senhor : “Mas será por nada que Jó teme a Deus? Porventura não levantaste um muro de proteção ao redor dele, de sua casa e de todos os seus bens? Abençoaste seus empreendimentos e seus rebanhos cobrem toda a região. Mas estende a mão e toca em todos os seus bens; eu te garanto que te lançará maldições em rosto!” Então o Senhor disse a Satanás: “Pois bem, tudo o que ele possui, eu o deixo em teu poder, mas não estendas a mão contra ele!”… “Seja!” disse o Senhor a Satanás, “ele está em tuas mãos, mas poupa-lhe a vida”. (Jó 1, 7-12; 2, 6)

O mistério do sofrimento humano ganha sentido apenas com a morte de Jesus na cruz. Nele, apesar de continuarmos a não entender nossa dor, podemos ter esperança de uma libertação e de uma comunhão com a paixão de Jesus Cristo pela redenção do mundo. Não somos poupados da nossa cruz mas aprendemos a olha-la como instrumento de nossa salvação e preparação para a felicidade que nunca terminará no céu. Saber que Deus não nos deixa carregar uma cruz maior que nossas forças, ou seja, que Deus coloca limites à nossa dor traz uma grande serenidade ao nosso coração. Até lá, onde o mal parece vencer e a vida humana perde sua dignidade, a mão de Deus está, colocando limites, dizendo “basta” e “dando a cada um conforme o fruto de suas obras”, conforme nos lembra São Paulo.
Se soubermos manter viva nossa fé e esperança, colocando nossas vidas nas mãos de Deus, seremos sempre vencedores, ainda que aparentemente vencidos, pois não esperamos recompensa aqui na terra, onde tudo é passageiro, mas mantemos nossa esperança na recompensa eterna.

Deus não coloca limite ao bem
Quando Jesus quis nos mostrar a meta de nossa caminhada na terra ele não apelou nem para si mesmo, nem para sua santíssima e imaculada Mãe a quem tanto amava. Ele nos apontou a perfeição do Pai: “sede perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito”. Como se quisesse dizer: amem como o Pai ama, e contou a parábola do filho pródigo; sejam bons como o Pai, que faz nascer o sol sobre os bons e sobre os maus; e tantos outros exemplos da infinitude do amor do Pai por nós.
Ele não tem limites em nos amar e nos convida a fazer o bem sem limites. Ele nos garante uma sustentação em nossa missão de fazer o bem: “eu estarei convosco todos os dias até a consumação dos séculos”, “quando fordes levados aos tribunais não vos preocupeis em vos defender, o Espírito Santo falará em vós”, etc. Vemos na história da Igreja e nos nossos tempos atuais tantos exemplos de pessoas que, esquecendo de si mesmas, se lançaram em fazer o bem sem limites nem medidas e acabaram até ultrapassando os próprios limites de forças e capacidades físicas em socorro dos mais pobres e necessitados, e foram amparados e sustentados pela mão poderosa de nosso bom Deus.
O que Deus espera de nós é uma entrega, uma vontade de nos doarmos sem limites e o resto ele fará. Ele fará que ultrapassemos o limite do possível e nos lancemos no impossível, se bem que esta palavra não exista no dicionário de Deus, pois para “Deus tudo é possível”. Veremos grandes coisas porque grande é nossa fé. O primeiro passo depende de nós, de nossa fé e disponibilidade. Deus completa a obra por ele começada em nós.
Neste mês em que celebramos nossa Mãe Maria, “aquela que acreditou”, peçamos ao Senhor o dom da fé que nos faça ultrapassar todos os limites para sermos bons e fazermos o bem. Assim estaremos lançando as sementes de uma nova sociedade e de um novo mundo.


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