Diviol Rufino
Amor, compreensão e diálogo são fundamentais para que a rivalidade entre irmãos dê lugar a um afeto ainda mais intenso, contribuindo para o amadurecimento da personalidade.
A rivalidade entre irmãos é um fenômeno conhecido da psicologia e da experiência comum de muitos pais e educadores. Ela evidencia o comportamento contraditório de meninos e meninas com seus irmãos e irmãs desde os primeiros anos de vida. Assim, no âmbito familiar, torna-se comum a presença de atritos, invejas, ciúmes, hostilidade, rivalidade e, sobretudo, a concorrência entre irmãos a fim de obter para si a exclusividade da atenção e amor dos pais. Ao mesmo tempo, são evidentes as manifestações de afeto, fortes ligações de sangue, ajuda recíproca e mútua defesa no embate com o mundo externo. Sem falar da participação nas mesmas experiências e da memória e partilha das recordações familiares que reforçarão os laços por toda a vida.
Mas, de onde vem tamanha contradição no comportamento e nos sentimentos? Em geral, o nascimento de um irmãozinho ou de uma irmãzinha assinala a primeira grande crise na vida da criança. Não é para menos. Até aquele momento, ele era o centro da família, o rei da casa, o xodó dos pais, tios e avós. Era o astro principal ao redor do qual todas as constelações do sistema familiar e toda a vida dos pais, noite e dia. Agora, repentinamente, a bela história acabou. O centro das atenções é deslocado. O trono ficou vazio para ser ocupado pelo novo monarca que está para chegar. Os preparativos para a festa são percebidos por toda a casa. Portanto, a criança experimenta a sensação de perda e abandono, sente-se desnorteada. Assim, é compreensível que ela experimente sentimentos hostis para com o novo irmãozinho ou sentimentos contraditórios do tipo aceitação e rejeição.
O que fazer?
Nesse quadro, não se pode pretender que a criança seja capaz de aceitar facilmente a perda. Aliás, é a sua primeira grande perda em favor da sociabilidade e do amor. Amor que é, em última análise, sacrifício – que significa tornar algo sagrado, abnegação, renúncia, desprendimento, oferta de vida para a realização de um ideal -, é viver pelos outros, é alteridade no esquecimento de si. A situação tende a tornar-se mais grave quando os pais não percebem a dor do filho e que algo novo está acontecendo. É um momento preciosos de crescimento e amadurecimento em que está nascendo um indivíduo humanizado, voltado para o outro. E o fato de os pais não notarem e não valorizarem seus sentimentos pode reforçar na criança um comportamento egocêntrico, vingativo, esnobe e ciumento.
O irmão, nesse caso, é considerado um intruso. E não adianta inventar argumentos como: “Ter um irmãozinho será magnífico, você terá um companheiro para brincar. Como a criança ainda não tem capacidade de avaliar o significado disso, este tipo de argumento poderá ter efeito contrário, desencadeando sentimentos de culpa. Ela poderá pensar que não está agradando – ou que não agradou até então seus pais, tios e avós – , e por isto está sendo providenciado um substituto.
O que fazer? Como diminuir o impacto? Como reconquistar a confiança perdida? O primeiro passo para resolver a situação é reconhecer e compreender os sentimentos hostis do filho para com seu substituto no trono. Depois, trata-se de criar um espaço para que a criança exprima com palavras as suas preocupações, suas raivas, os seus sentimentos, mesmo carregados de uma boa dose de hostilidade. Assim, ao menos em parte, ela encontrará um lugar para o desabafo e experimentará, através do diálogo com os pais, uma calorosa e total acolhida. Sinal de que continuam a querer-lhe bem de verdade. Mais que isso, com a paciência e compreensão dos pais, os sentimentos negativos podem transformar-se, aos poucos, em autênticas defesas dos poucos laços familiares. A partir daí a criança aprenderá que é amada, querida. Compreenderá que, na vida, amor e dor podem ser fontes inesgotáveis de alegria. E com isso descobrirá um modo próprio de administrar os inevitáveis futuros conflitos que terá com os irmãos.
As tensões entre irmãos continuarão ao longo dos anos. Toda a vida deles será um contínuo atrair a atenção dos pais em busca de um tratamento preferencial. Qualquer decisão dos pais em favor de um ou outro filho será recebida com uma ponta de ciúme por parte do desfavorecido e , assim, o inevitável atrito influenciará sentimentos e acontecimentos. Por isso os próprios pais desenvolvem com a experiência dos filhos, um excelente aprendizado. Ou seja, em se tratando de relacionamento humano com os filhos, e suas respectivas manifestações de afeto, tudo deve ser sabiamente dosado. Porque o efeito pode ser prejudicial até para o beneficiado, que poderá sentir-se, no íntimo, como um traidor de seu irmão. Ele pode se ver como aquele que rouba a cena mais importante do filme e, portanto, sentir-se culpado e envergonhado. A vitória, muitas vezes, provoca efeitos desastrosos idênticos à derrota. Sobretudo quando estão em jogo sentimentos tão importantes como o que um irmão tem pelo outro.
Aqui é preciso considerar que, em geral, o primeiro sentimento que todos aprendemos- por instinto, por contato, pela atmosfera ou pelo ambiente que nos circunda -, é o de ter um relacionamento muito particular com os que vivem na mesma família. Ou seja, é nos sentirmos “pertencentes” a alguém, a um núcleo. E a recíproca é verdadeira. Noutras palavras, o amor da criança pelos pais e irmãos, e vice-versa, está presente em cada pulsar dos seus corações. Portanto, este é o elemento fundamental de uma personalidade saudável e madura. É como uma lei impressa no coração, na mente, no ser de cada indivíduo.
Por isso mesmo, os pais e educadores não devem se assustar quando a criança manifesta algum sentido de rancor pelo irmãozinho substituto, “futuro companheiro de brincadeiras”. Pelo contrário, devem permitir que ele externe o seu mundo interior, impregnado de sentimentos ambivalentes e contraditórios. O importante é não permitir que pontas de rancor momentâneas ocupem definitivamente a alma da criança, transformando-se em ressentimentos, magoas ou ódios. O que deve permanecer sempre é o amor, este sim, um sentimento muito mais forte e duradouro, que deve ser reforçado com o passar dos anos. Assim, o conflito dará lugar a um afeto ainda mais intenso e profundo, contribuindo para o amadurecimento da personalidade.
O primeiro passo
Um aspecto importante é que nunca se deve negar, em si mesmo e nos outros, os sentimentos hostis que convivem ao lado do amor, da ternura, do respeito. Ao contrário: saber-se capaz de experimentar esses sentimentos contraditórios, reconhecê-los e enfrentá-los sem medo é a base para um autêntico autoconhecimento. É o primeiro passo para encontrar a solução adequada. Porque os sentimentos hostis só se tornam perigosos quando permanecem escondidos. Por isso, a melhor forma de neutralizar seus efeitos negativos é mantê-los sempre ao alcance da observação, falar sobre eles, não deixa-los aninhados na escuridão da mente. De fato, toda vez que não há essa transparência, a hostilidade acaba explodindo em algum tipo de neurose, com danos ainda maiores.
Assim, com transparência e muito amor, a rivalidade, o ciúme, o orgulho, a suspeita e a cólera se transformam em altruísmo, generosidade e apoio recíproco. Transformam-se em amor. Naturalmente, essa transformação não acontecerá num passe de mágica. Exigirá tempo, esforço, paciência e, e sobretudo, compreensão por parte dos pais, os primeiros responsáveis pela purificação e transformação dos sentimentos hostis em relações humanas profundas, fonte de bem-estar para toda a sociedade.