Formação

Vida, em vez de morte

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A Igreja Católica está presente no meio dos povos latino-americanos há mais de 500 anos. Navegadores, comerciantes, missionários e imigrantes trouxeram para cá a fé cristã e as formas da vida eclesial, impregnando a cultura e a vida desses povos com o Evangelho de Jesus Cristo. Os povos latino-americanos acolheram a fé católica e a expressaram de maneira criativa e exuberante.

É preciso reconhecer que nem tudo foi pacífico no contato dos europeus com os povos e culturas destas terras. Nem também se pode afirmar que, ao afã de transmitir a fé cristã, sempre correspondeu igual esforço por respeitar os valores culturais e os direitos das populações aborígenes. Após cinco séculos de exploração desses povos e de sua sujeição ao domínio colonial, os países latino-americanos, continuam a conviver com pesados índices de subdesenvolvimento, de injustiças sociais estruturais, pobreza generalizada e violência. O regime de sujeição e o depauperamento geral, não apenas de riquezas materiais, causado pelo colonialismo, ainda não pararam de produzir seus efeitos. Sem esquecer que novas formas de colonialismo perpetuam sutilmente antigas dominações.

Por quê, apesar do trabalho e do sangue de muitos missionários e da acolhida simpática dos povos latino-americanos à fé católica, não vingaram melhor na vida e na organização desses povos alguns valores essenciais do Evangelho de Cristo, como a justiça, a solidariedade social, o respeito profundo por toda pessoa e sua efetiva valorização no convívio social? Por quê certos pecados contra a humanidade e contra Deus, como as escravidões, as violências, as discriminações e as exclusões sociais, as estruturas sociais que criam ou perenizam situações de dependência, a concentração de poder e de riquezas, miséria e fome e a destruição da natureza continuam a marcar com a morte a vida de nossos povos?

Essas e outras são questões intrigantes, que os bispos reunidos na Conferência de Aparecida tentarão entender e também responder. É bem verdade que o subdesenvolvimento e os problemas estruturais citados não são privilégio dos povos cristãos latino-americanos; os mesmos, e até piores, podem ser constatados em outras áreas do mundo, bem pouco ou nada católicas, mas que amargaram igualmente longos períodos de sujeição colonial. Mesmo assim, é preciso perguntar: Qual deverá ser o papel e a atuação da Igreja e dos católicos para que, “em Jesus Cristo, nossos povos tenham vida”? Para ser “Boa Nova”, a presença da Mensagem cristã precisa ser significativa para a vida desses povos e a atuação dos cristãos na sociedade deve fazer alguma diferença.

Qual será a via de solução que a Conferência de Aparecida irá apontar? O próprio Papa Bento XVI, acolhendo propostas do Episcopado latino-americano, escolheu o tema da V Conferência Geral: “Discípulos e missionários de Jesus Cristo para que, nele, nossos povos tenham vida. Eu sou o caminho, a verdade e a vida”. O tema iluminará os debates, as reflexões e a busca de caminhos. Claramente, a primeira parte do tema refere-se à identidade dos cristãos, ponto de referência irrenunciável que precisa ser sempre retomado e aprofundado. Os cristãos são discípulos de Jesus Cristo. A Igreja é discípula de Jesus Cristo.

Um período de grandes mudanças, como este da globalização, não atinge apenas aspectos periféricos, mas o próprio coração da cultura e das concepções antropológicas; afirma-se a tendência de homogeneizar todas as propostas religiosas, esvaziando-as de seu conteúdo de verdade e de sua relação ética com a história; deixa-se as escolhas delas a critérios meramente subjetivos, como o gosto, a satisfação das emoções, a eficácia das respostas imediatas e até a vantagem prática; como se fossem produtos no grande mercado, onde a verdade absoluta é posta pelo consumidor… A Conferência de Aparecida deverá recordar aos cristãos e à Igreja que sua referência religiosa objetiva e irrenunciável é Jesus Cristo; e seu Evangelho é a proposta para suas vidas e suas relações com o mundo; é também o dom e a proposta que eles têm a oferecer, como contribuição, para a vida das pessoas e da sociedade. Retomar e aprofundar essa identidade cristã é fundamental.

Um segundo aspecto contemplado no tema da Conferência de Aparecida é a atuação dessa identidade cristã no mundo, através do exercício da missão. O Evangelho de Cristo, dom precioso para as pessoas e os povos, não deve ser desvirtuado nem escondido, mas partilhado generosamente com os outros. É semente que precisa ser retirada do depósito e espalhada com largueza, para que nasça nova vida e frutos possam ser esperados. Aqui cabe o lembrete do saudoso papa João Paulo II, no início do terceiro milênio cristão: “A missão da Igreja não acabou. Pelo contrário, está apenas no seu início!” Os discípulos são, ao mesmo tempo, missionários de Jesus Cristo. Não deverão se acabrunhar diante dos pecados do passado, nem se intimidar diante das dificuldades e desafios do presente. Só uma vigorosa renovação da atitude missionária poderá trazer vida nova para a Igreja e para cada católico. E terá, como efeito, vida nova para a sociedade e os nossos povos.

Finalmente, a terceira parte do tema refere-se ao objetivo da vida e da missão da Igreja e dos católicos: para que, em Jesus Cristo, nossos povos tenham vida. A Igreja vive enraizada no meio dos povos e culturas latino-americanos, como sua alma e companheira de jornada. Eles acreditam nela. Sua presença e atuação precisam ser sinal de coisa boa, fermento ativo e bom, sal que preserva e dá sabor, luz que ilumina, aquece e orienta… Deve ajudar nossos povos a conhecerem e valorizarem sua dignidade, a superar os “sinais de morte”que ainda os afligem. Deve ajudar a sociedade a organizar sua vida na base do respeito, da justiça e da solidariedade, superando velhos vícios, prepotências e egoísmos. Jesus Cristo, de fato, veio ao mundo para ser o caminho, a verdade e a vida para a humanidade. E enviou seus discípulos e missionários para o meio dos povos latino-americanos para que também eles, por meio dele, tenham vida em abundância.

D.Odilo Pedro Scherer
Bispo Auxiliar de S.Paulo
Secretário-Geral da CNBB

Fonte: CNBB


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