Formação

Elisabete da Trindade, mestra de santidade

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Frei Patrício Schiadini, ocd.

A santidade não é uma moda que vai e vem. Não é algo de supérfluo na dimensão do evangelho, mas sim necessário e fundamental. É uma palavra que muitas vezes nos assusta e por isso preferimos não pronunciá-la. Muitos pensam que ser santo é ideal de poucas pessoas que são visitadas por Deus com graças especiais. É um dom de alguns que são gigantes no espírito. Mas a maioria de nós, pobres cristãos de “chinelo de dedo”, que todos os dias lutamos para sobreviver na vida material pelo trabalho e na vida espiritual também, não somos chamados a subir tão alto e escalar montanhas de perfeição, quer sejam o monte Sião ou o monte Carmelo. Uma vida cristã medíocre sem muito sobressalto e também sem muitas novidades é o que devemos ter, esta maneira de pensar é muito comum nas pessoas, nos cristãos. É claro que está não só errada mas erradíssima.
Todos somos chamados pelo batismo a ser santos. Nestes últimos tempos a Igreja tem proclamado esta verdade com todos os meios, especialmente o Papa João Paulo II na sua carta “Começando o Novo Milênio”, onde diz que a santidade não é reservada a um pequenino grupo de privilegiados como se fosse um “clube de Jesus” mas sim para todos.
Mas, o dom gera, por sua vez, um dever, que há-de moldar a existência cristã inteira: “Esta á a vontade de Deus: a vossa santificação” (1 Tes 4,3). É um compromisso que diz respeito não apenas a alguns, mas “os critãos de qualquer estado ou ordem são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade”. (NMI 30)

Saudade de santidade?
Que significa no mundo de hoje ser santo? E como ser santo? São perguntas as quais não podemos fugir, nos sentimos tomados por todos os lados e nos vemos obrigados a dar uma resposta que não seja aérea e nem irreal. Ninguém, se pensar bem, se sente satisfeito pela sua mediocridade, todos desejemos sempre o melhor para nós e para os outros. Na vida de hoje os péssimos profissionais não têm chance, são superados. Ninguém vai procurar, para se curar, o pior médico, ou se tem dor de dente o pior dentista. Mas sempre se exige o melhor.
Esta comparação serve também quando se fala de cristão. Ninguém vai procurar para se confessar o “pior padre” ou o pior catequista ou o pior teólogo para conhecer melhor a própria fé. Hoje em dia a Igreja tem repetido em várias formas que o cristão deve ser cristão não de certidão de batistério mas de “qualidade”, de vivência.
Esta qualidade, na medida em que ela cresce, se torna presença viva de Deus e se chama santidade. Os santos foram aqueles cristãos e cristãs que souberam viver com radicalidade o mistério do próprio batismo até o “martírio”. O martírio não é somente dar a vida derramando o próprio sangue, mas sim dando testemunho com a coragem de Jesus no ambiente do trabalho, da vida. Não se pode ter no armário uma série de máscaras de cristianismo segundo as circunstâncias em que nos encontramos. Somos sempre cristãos, seja qual for o lugar onde estamos ou o trabalho que exercemos. Por isso o cristão autêntico não compactua nunca com o mal, com o pecado.
Pode um político católico aprovar no senado, no parlamento uma lei que contraria a sua fé e o pensamento da Igreja? A resposta é uma só NÃO. A fé não pode ser barganhada por alianças políticas mas deve ser sempre uma presença viva do nosso Deus. É o fogo que nos queima dentro e nos leva a rejeitar tudo o que pode ofuscar o nosso testemunho de cristãos.
Poderíamos dizer que o santo é aquela pessoa que, deixando-se amar por Deus, se deixa invadir pelo Espírito Santo e se torna posse definitiva de Deus, território sagrado, templo vivo do Espírito Santo. Deus não é homem, é santo entre nós. “Não executarei o ardor de minha ira, não tornarei a destruir Efraim, porque eu sou Deus e não homem, sou Santo no meio de ti e não retornarei com furor”. (Os 11, 9)
Diante da santidade de Deus todos os nossos joelhos se dobram, nos prostramos, nos sentimos como cegados pela sua luz, mas ao mesmo tempo desejamos imitá-lo. Do alto do seu trono o Senhor chama a todos a sermos santos e permanecermos em total adoração dizendo: “Os quatro seres vivos tinham cada um seis asas, e em volta e por dentro estavam cheios de olhos e não cessavam de clamar dia e noite: ‘Santo, santo, santo é o Senhor Deus, o Todo-poderoso, que era, que é e que vem”. (Ap ,8)
A santidade de Deus não nos afasta dele mas nos aproxima. Por isso que o Pai envia o seu Santo “Jesus” para nos falar de uma santidade que todos devemos imitar. “Sede santos como vosso Pai é santo” e Paulo apóstolo, nas suas cartas, muitas vezes nos chama a esta realidade vocacional. “Assim, antes da constituição do mundo, nos escolheu em Cristo, para sermos em amor, santos e imaculados a seus olhos, predestinando-nos à doação de filhos por Jesus Cristo, conforme o beneplácito de sua vontade, para louvor da glória de sua graça com que nos agraciou em seu Bem-amado”. (Ef 1,4-6)
Não há dúvida, a nossa vocação é uma só: sermos santos. Invadidos, possuídos pelo Senhor, habitados pelo seu amor. As nossas obras revelam a nossa santidade.
Elisabete da Trindade é uma santa carmelita igual a todos os santos mas diferente. Ela tem sua espiritualidade, sua identidade, individualidade. Não se pode pensar que ser santos é ser igual. Nunca ela será famosa como Santa Teresinha do Menino Jesus, embora Elisabete tenha tido por esta sua irmã de Lisieux um amor especial. A promessa de Elisabete não é fazer cair sobre o mundo uma chuva de rosas e de bênçãos, mas sim ensinar as almas o caminho da vida interior, levar as pessoas a serem um louvor de glória, um hino de amor que não cessa de cantar o “sanctus” eterno.

Meios para ser santo
Gostaria de evidenciar alguns meios que a Beata Elisabete da Trindade oferece nos seus escritos ás pessoas que querem ser “santas”. Não se chega a santidade permanecendo de braços cruzados ou contemplando a beleza de Deus e não fazendo nada para chegar até ele. Os meios têm um sabor de eternidade. É claro que ela não nos fala sobre a pastoral dos doentes, da evangelização ou do trabalho entre os pobres, não porque ela não acredite nestes meios mas porque ela, como carmelita descalça, mergulhada no silêncio de sua clausura, no deserto do seu mosteiro, sabe que o meio que ela tem para atingir as almas é a oração, a imolação de si mesma como oferta agradável ao Deus da vida.

Oração
A oração é o meio mais poderoso de todo nosso apostolado. Todo o nosso agir deve surgir da oração, é no encontro amoroso e cotidiano com o Senhor que nós nos tornamos apóstolos, apresentando a Deus todas as necessidades da humanidade. Nunca a oração nos fecha em nós mesmos e nos impede de sentir e sofrer com a Igreja nossa mãe. Nem todos temos capacidade para anunciar o Evangelho com a palavra mas todos temos capacidade de proclamar o nosso amor a Deus e a nossa sede de infinito e que todas as pessoas se salvem e conheçam a Deus através da oração. Elisabete desde o seu Carmelo procura rezar por todas as pessoas para que possam sentir o que ela sente, uma presença de Deus amor.
* Mesmo no trabalho, podemos rezar ao bom Deus: basta pensar nele. Então tudo se torna suave e fácil, porque não agimos sozinhos, mas ali também Jesus está atuando. (C 87)
* Procuremos avivar a nossa fé para comunicar-nos com ele através de todas as coisas, pois assim conseguimos a santidade. (C 107)
* Eu me calo e o escuto… Que alegria ouvir somente a sua voz, e mais nenhuma outra! Eu o amo! (C139)

Mortificação
O amor é sempre gesto de doação e entrega ao amado e para amar alguém devemos escolher e eliminar outros amores que não sejam prioritários. Não se pode servir a dois senhores, nos recorda Jesus, ou se amará a um e se odiará o outro ou vice e versa. Esta maneira de pensar de Jesus pode sem dúvida criar em nós certos confrontos mas na verdade, quando se ama alguém há sempre, embora que não o percebamos, uma hierarquia de amor.
Elisabete por causa de seu Amado e para que seu Amado seja amado, é capaz de fazer todos os sacrifícios possíveis. Não é uma renúncia estéril, inútil, nem um dolorismo mas sim o desejo de se identificar o mais possível com Jesus, o Esposo “amado e crucificado por amor.”
No mundo de hoje não é fácil compreender a mortificação. Parece para muitas pessoas uma “mutilação” que não leva a nada. A pergunta que se ouve em tantos lugares é: porque se mortificar? Esta pergunta não está presente na linguagem e pensamento dos santos, eles somente dizem: quero me identificar com Jesus crucificado e por isso devo viver como ele, amar a cruz, abraçá-la e fazer dela o caminho de santidade.
Vejo que o divino Amado a trata como esposa e a faz compartilhar a sua cruz. O sofrimento é algo tão grande, tão divino! Creio que, se os bem-aventurados no céu pudessem invejar-nos em alguma coisa, seria exatamente este tesouro que eles nos invejariam. O sofrimento é uma alavanca tão potente no coração do Senhor! Ademais, que coisa pode haver de mais agradável do que dar algo a quem se ama? (C 176)
Neste ano de centenário da morte desta mística, na sua escola queremos aprender o caminho para saber viver e conviver com alegria com a Trindade presente em nós. A oração que ela dirigia à Santíssima Trindade tem algo de divino, de interiorizante, que para ser compreendido exige silêncio e muito amor.

Ó meu Deus, Trindade que adoro, ajudai-me a esquecer-me inteiramente de mim mesma para fixar-me em vós, imóvel e pacífica, como se minha alma já estivesse na eternidade. Que nada possa perturbar-me a paz nem me fazer sair de vós, ó meu imutável, mas que em cada minuto eu me adentre na profundidade de vosso Mistério. Pacificai minha alma, fazei dela o vosso céu, vossa morada preferida e o ligar de vosso repouso. Que jamais vos deixe só, mas que aí esteja toda inteira, totalmente desperta em minha fé, toda em adoração, entregue inteiramente à vossa ação criadora.

Revista Shalom Maná


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