Formação

“Se conhecesses o dom de Deus…”

comshalom

Márcia Fernanda Moreno dos Santos

O encontro entre Jesus e a samaritana reflete o encontro de duas sedes: a sede de Deus pela alma do homem e a sede do homem por Deus. Por vezes, ao ler esse texto, imagino Jesus naquele sol escaldante, fatigado, cansado, sem forças, sentado ao lado de uma fonte, e o pior, em uma terra em que Ele não era tão bem recebido, a Samaria.
Esse texto, esse rico e profundo texto, revela a qualidade e a profundidade da oração que somos chamados a “ter” com o Senhor. Ele se coloca como necessitado diante de nós como se colocou diante daquela mulher, para despertar em nosso coração a necessidade que temos de estar diante dele, de “beber” da sua presença, de saciar-nos do seu amor.
Encontramos hoje diversos materiais, livros, textos, pregações, cursos, que definem, nos falam, explicam… sobre a vida de oração, mas nada tão real e concreto do que vivenciar esse encontro tão pessoal que se passa entre Deus e eu.
Não existe “hora” para fazer oração, existe sim, vida de oração. A oração não se trata de um mero compromisso marcado, como fazemos com uma reunião, uma consulta médica… Seria terrivelmente empobrecedor nos relacionarmos com Deus assim; a oração é algo muito mais abrangente, é um encontro entre um eu e um tu, é Presença de Deus em mim, e isso não se resume a uma ou duas horas, mas se estende por todo o meu dia, por toda a minha vida. Claro, necessitamos parar, silenciarmos diante de Deus, dialogarmos com Ele em algum momento durante o dia, mas isso só enriquece a minha experiência oracional, não é o fim, não a define, é mais um meio de cultivar essa presença que eu trago e amo “com todo o meu coração, alma e espírito”. Se não nos conscientizarmos dessa presença em nós, passaremos a vida inteira a ler, estudar e não aprenderemos a rezar, a ter oração. Ficaremos sempre no fazer, e amizade não se faz, se vive.
Por exemplo: por mais que eu queira esquematizar o que partilharei ao meu amigo na próxima conversa que teremos, sei que tudo na hora terá o seu livre curso, porque não há nada mais livre, espontâneo, gostoso e verdadeiro do que o diálogo entre amigos, assim percebo que é com Deus, por mais que se fale, pense, estude sobre oração, faz-se necessário rezar, experimentar, dialogar, silenciar, perscrutar…
Deus tem sede de mim e essa certeza me impulsiona a Ele, mesmo se na minha inconstância os meus sentimentos me traem, desaparecem. A amizade com Deus é uma convicção de fé que vai além de qualquer outro sentimento.
Por vezes pensamos que devemos ser muito santos e virtuosos para ser tido com amigo de Deus. Pura ilusão e pretensão! A amizade é uma escolha e Deus me escolheu e eu o escolhi, sustentada é claro, pela escolha primeira dele. Essa escolha escapa de todos os roteiros, definições e modelos, porque a cada dia Deus nos trata de forma pessoal e não podemos perder a riqueza de desbravar o caminho espiritual que Ele traçou para nós. A forma única que Deus se relaciona comigo enriquecerá o mundo, a Igreja, assim como Ele se relacionou com a samaritana, o jovem rico e os grandes mestres espirituais.
A oração não é coisa para monge, eremita, consagrado, místico. A oração é um dom para cada homem que se descobre amado, filho de Deus. É impossível não querer estar perto de quem nos sentimos amados. Todas as experiências de oração alheias são válidas para me ajudar a traçar o meu itinerário espiritual. Não esperemos tempo, ocasião, lugar, para começarmos a orar, pois como Ele disse a samaritana “a hora já chegou, e os verdadeiros adoradores adorarão em espírito e em verdade”. Essa palavra é de um poder encorajador, não importa onde e como, sou capaz de Deus, na minha vida normal e ordinária sou capaz de Deus, de estar e viver com Deus, de falar-lhe, de escutar-lhe. Que alegria! Me maravilho quando imagino que bem longe, na mais distante terra e cultura, existe um homem que é capaz de Deus, de ser amigo de Deus, de se relacionar com Ele. “É um saber maravilhoso e me ultrapassa, é alto demais: não posso atingi-lo!”.
Vamos ao poço que é o próprio Cristo e deixemos que todo o nosso corpo, alma e espírito, história de vida, verdade, se renda diante do seu imperscrutável mistério. Deixemos que das nossas “profundezas” suba o nosso clamor.
Uma vida saudável é fruto de uma espiritualidade sadia. Por isso, quanto mais amigo de Deus, mais somos amigos dos homens e sensível as suas dores e também as nossas. Longe de nos centralizarmos nele, nos envia ao encontro do outro. Uma vida de oração que não tem doação está longe de ser verdadeira, ao contrário, é estéril. O homem orante se oferta, tem como desejo a doação e não apenas faz “gestos” de doação.
Quanto mais nos envolvemos com o outro, mais pertencemos a Deus. Rezar é dialogar! A oração é uma escola de amor. É um dom, “se tu soubesses o dom de Deus…”. É impossível imaginarmos a altura, a profundidade desse amor. Quanto mais orante, mais feliz, mais humano. Encarnamos com convicção os valores e os ideais de Cristo. A oração é amizade, como define Santa Teresa d`Ávila. E amizade é uma relação pessoal com quem amamos. Por vezes, pensa-se de forma errônea que oração é solidão consigo mesmo, puro egoísmo! Oração é solidão com o Outro. Eu me recolho com alguém, Deus que está dentro de mim. Orar é “entrar”, é viver! (Frei Maximiliano Herraiz).
Deixemos Deus ser o protagonista da nossa vida de oração, para que na sua presença possamos nos surpreender, nos enamorarmos com seus “regalos”.

Shalom Maná


Comentários

Aviso: Os comentários são de responsabilidade dos autores e não representam a opinião da Comunidade Shalom. É proibido inserir comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem os direitos dos outros. Os editores podem retirar sem aviso prévio os comentários que não cumprirem os critérios estabelecidos neste aviso ou que estejam fora do tema.

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *.

O seu endereço de e-mail não será publicado.