O sacerdote beneditino declara ao mesmo tempo em que consiste o chamado do Papa à coerência eucarística, lançado neste documento, assim como sua petição de utilizar o latim nas missas multinacionais.
–Que recomendações o senhor daria para ler e compreender bem a exortação do Papa?
–Padre Flores: O documento papal se divide em três partes que devem ser lidas em seu conjunto: A Eucaristia é um mistério que se deve crer (primeira parte), que se deve celebrar (segunda parte) e que se deve viver (terceira parte). Portanto, na primeira parte se trata de conhecer bem o aspecto teológico do sacramento eucarístico, a segunda centra na ação litúrgica, ou seja, na liturgia eucarística, e a terceira apresenta a vida eucarística, mistério que se deve anunciar e oferecer ao mundo.
Creio que é importante não fazer leituras redutivas, minimalistas ou parciais do documento, o qual é uma reflexão magisterial sobre o sacramento eucarístico que dá luzes novas sobre o sacramento da Eucaristia. Ele deve ser lido em sua totalidade e não retirar do contexto frases que possam nos desviar da verdadeira doutrina.
–Quais são as novidades deste documento?
–Padre Flores: As novidades do documento papal estão sobretudo no aprofundamento da reforma litúrgica.
O Papa refere como os padres sinodais constataram e reafirmaram o influxo benéfico que teve para a vida da Igreja a reforma litúrgica posta em andamento a partir do Concílio Vaticano II.
Não faltou tampouco uma constatação das dificuldades e dos abusos, que não obscurecem o valor e a validade da renovação litúrgica, a qual tem ainda riquezas não descobertas totalmente (no. 3).
Observa-se claramente que há unidade entre a fé professada, a ação litúrgica e celebrativa e o novo culto que Cristo inaugurou com seu Mistério Pascal.
Nesse sentido, o Papa insiste na ordem dos sacramentos de iniciação cristã e em como a Eucaristia deve ser situada em seu justo lugar, após a recepção do batismo e da confirmação.
A santíssima Eucaristia, diz o Papa no número 17, leva a iniciação cristã à sua plenitude e é como o centro e o fim de toda a vida sacramental.
Mas a grande novidade é a reflexão que a Igreja, reunida no Sínodo dos Bispos, fez sobre o sacramento da caridade, que é a Eucaristia. Nunca se aprofundará o suficiente sobre o sacramento que nos dá o Corpo e o Sangue de Cristo.
A Celebração eucarística aparece com toda sua força como fonte e cume da própria existência cristã. Esta é uma das grandes idéias do Papa Ratzinger, como se deduz de suas diferentes intervenções.
–É verdade que se volta ao latim?
–Padre Flores: Nunca se deixou o latim nas celebrações litúrgicas; mais ainda, as edições oficiais do Missal Romano são publicadas sempre em latim e há comunidades monásticas e não monásticas que celebram normalmente em latim.
Portanto, ele nunca esteve proibido; o que ocorre é que nos últimos anos se foi deixando isso, ante o desconhecimento do latim por parte dos fiéis, mas nunca se perdeu.
O Papa somente diz que, nas celebrações que acontecem durante encontros internacionais ou nas grandes concelebrações com uma presença de fiéis de diversas nacionalidades, se tenham algumas partes da Missa em Latim.
O Papa diz no número 62: «Excetuadas as leituras, a homilia e a oração dos fiéis, seria bom que tais celebrações fossem em latim», sugerindo que eventualmente se possam utilizar cantos gregorianos.
E acrescenta o Papa: «Peço que os futuros sacerdotes, desde o tempo do seminário, se preparem para compreender e celebrar a Missa em latim, além de utilizar textos em latim e cantar em gregoriano» e pensando nos fiéis, diz também em tal número que «se preocupará de que os próprios fiéis conheçam as orações mais comuns em latim e que cantem em gregoriano algumas partes da liturgia».
Portanto, trata-se de um desejo legítimo que não anula nem impõe nada novo.
–O que é a «coerência eucarística» à qual o Papa apela?
–Padre Flores: O Papa pede — e isso é uma grande novidade — uma forte coerência eucarística. Todo o número 83 insiste em que a Eucaristia exige uma coerência interna com o atuar.
Neste sentido, o Papa faz um chamado aos políticos e aos legisladores católicos a fim de que apóiem leis inspiradas nos valores fundados na natureza humana, dado que o culto que damos a Deus não é algo privado, mas exige o testemunho público da fé.
Desde esta perspectiva o Papa faz um forte chamado aos batizados, e a quem por sua posição social ou política influi sobre leis, a que respeitem a vida humana, desde sua concepção até o fim natural, assim como a família, a educação, etc.
Se lemos retamente a terceira parte do documento, encontramos a convicção do Santo Padre de que na autenticidade da fé e do culto eucarístico se encontra o desejo de uma reconstrução da vida autenticamente cristã.