O Reitor-mor dos Salesianos, Pe. Pascual Chávez Villanueva, que é também presidente da União de Superiores Gerais (USG), está certo de que «a vida consagrada tem mais razão de ser que antes».
Nesta entrevista concedida a IVICON, o sacerdote mexicano considera que o fundamento é que os religiosos e as religiosas sejam especialistas em falar de Deus, «que falem de Deus porque se encontraram com Ele».
–Pe. Pascual, fala-se com muita freqüência hoje de renovação, ou re-fundação, da Vida Religiosa. É tão necessário, ou como o senhor a entenderia?
–Pascual Chávez: Foi tão grande a presença da vida consagrada no aspecto social, com um papel de suplência, ou substituição do Estado, que ocorreu o risco de adulterar sua missão neste mundo, que não é a de fazer coisas. E fizemos muito, e bem. Ou seja, a quem nos vê como pessoas, quem vê nossas comunidades, deve se questionar, quem é este, quem são estes, por que vivem ou atuam assim… Uma presença significativa não é tanto, ou só, aquela que faz muitas coisas pelo bem social. É o tempo da re-fundação, não é que goste muito desta palavra, mas entendo que é o tempo da re-fundação quando se trata de voltar a Cristo Jesus.
–O senhor insiste muito em que a vida consagrada tem de sublinhar o ser, mais que o fazer. Deve-se deixar de fazer para ser?
–Pascual Chávez: Não; o que se deve evitar é o dualismo entre o fazer e o ser. Se estamos acentuando tanto a primazia do ser, é porque um perigo inato às congregações de vida ativa é o de cair de tal forma no ativismo que se perde a razão de ser. Nós, no que fazemos, teríamos que ser expressão do que somos. Mas se, no fundo, não se chega a ver o que somos, então se está em perigo. Não é indiferente que na última exortação apostólica de Bento XVI, falando da vida consagrada, o Papa volte a fazer uma referência a isso. A contribuição essencial que a Igreja espera da vida consagrada, escreve o Papa, é mais na ordem do ser que no fazer. Quer dizer que as congregações muito lançadas a colaborar na salvação do mundo no campo da saúde, da marginalização, na educação, foram uma expressão da caridade operativa, mas se viram com freqüência cedendo ao perigo de um ativismo que não só esconde, mas que às vezes nega sua raiz mais profunda.
–Nestes momentos de situações difíceis para as congregações religiosas, a Vida Consagrada tem futuro nesta Europa?
–Pascual Chávez: A Vida Consagrada tem mais razão de ser que antes, porque estamos assistindo a um cenário dominado por um forte materialismo que se expressa na fé no desenvolvimento científico e tecnológico, que parece transcender continuamente com novas inovações, mas que não dá transcendência à pessoa humana. E isso vai fechando a pessoa em uma visão imanentista, o que significa não lhe dar futuro, não lhe dar esperança. Estou convencido de que hoje, mais que nunca, precisamos da presença do que é a vida religiosa, ainda que pode ser que as formas institucionais possam mudar, mas a vida religiosa nunca deixará de existir porque é inata ao cristianismo; pessoas, homens e mulheres, que são uma espécie de reserva de humanidade, que se propõem, com base no seguimento e imitação de Jesus, preservar a humanidade de que caia em abismos de degradação.
Portanto, a vida consagrada tem futuro na Europa. Não terá a relevância social de número que teve no passado, mas seguirá sendo viva e será mais significativa. Hoje, sua relevância virá pela sua identidade. Junto com isso, creio na vida religiosa como o que foi nos inícios, uma série de modelos, também de vida de comunidade, que eram fermentos culturais capazes de transformar a cultura. E essa cultura de hoje, tão secularizada, tão materialista, tão hedonista, tem uma grande necessidade de ser purificada e de ter modelos alternativos. Ser sinais mais claros da presença de Deus, porque Deus continua amando este mundo como o amou sempre, e terá de fazer-se presente através de seus fiéis.
–Que elementos de renovação a vida religiosa deveria sublinhar para ser mais atrativa, especialmente ante os jovens?
–Pascual Chávez: Eu creio que há três elementos aos quais os jovens são muito sensíveis. O primeiro é a uma forte experiência religiosa. É interessante que dentro de todo este materialismo em que se vive, haja tanta fome de experiências religiosas que tentam satisfazer com sucedâneos religiosos. Isso revela uma dimensão religiosa que não está totalmente satisfeita. Se a vida religiosa consegue encarnar, facilitar e veicular uma experiência religiosa assim, poderá voltar a encontrar, a ter um rosto atrativo e fascinante para os jovens.
O segundo é a experiência de verdadeira comunidade, ou melhor, de fraternidade. Penso que com freqüência prevaleceu a vida em comum sobre a vida fraterna. E não é que sejam antagônicas, mas pode haver vida em comum sem fraternidade. Por que este elemento é importante? Porque há uma grande solidão no mundo dos jovens. Por que se refugiam em grupos ou em bandas? Porque não encontram em casa o momento, ou a possibilidade, ou com quem falar profundamente sobre nada. Este fugir, em uma cultura da diversão, faz ver que há uma grande solidão à que é preciso responder. E se responde com a fraternidade nas comunidades, como diz Atos dos Apóstolos das primeiras comunidades, que punham tudo em comum, o que eram e tinham, e isso conseguia criar um ambiente de irmandade que fazia os demais exclamarem ‘vede como se amam’, e as tornava atrativas, e com isso crescia o número dos adeptos. Este é o segundo elemento que é preciso assegurar com muita clareza.
E o terceiro é uma decidida opção pelos pobres. Em uma sociedade cada vez mais rica, de mais bem-estar, é mais dramática a situação das pessoas que ficam excluídas, ficam mais marginalizadas, e que precisam voltar a estar presentes nos grandes campos da vida social e cultural.
–Fala-se cada vez mais do intercongregacional como elemento a potenciar. A USG e a União Internacional de Superiores Gerais (UISG) colaboram? É esta uma linha de renovação da vida religiosa?
–Pascual Chávez: São duas coisas diferentes. Uma é a maior proximidade entre a USG e a UISG. A realidade é que cada vez estamos tentando colaborar mais. Já se trabalha, de fato, junto com a Congregação para os Institutos de Vida Consagrada. Temos três reuniões por ano dos conselhos executivos de USG e UISG, junto com a Congregação vaticana, e isso nos leva a reunir-nos previamente nos conselhos para ver de que se vai falar. Tivemos toda a preparação, realização e seguimento do congresso internacional da Vida Consagrada de 2004, tivemos uma assembléia na qual participou um grupo representativo da UISG… A idéia é que não só seja uma proximidade cordial, que já existe, mas uma proximidade de intenções e de projetos efetivos. Hoje se trabalha em projetos de colaboração e maior sinergia entre a USG e a UISG.
Diferente é, ao contrário, o que se refere ao trabalho intercongregacional dentro da USG. Estamos caminhando decididamente rumo à intercongregacionalidade. Na forma de trabalhar isso não significa que as congregações desapareçam e se fundam em outras. Significa que hoje o mundo exige de nós uma maior união efetiva, afetiva, com projetos concretos, mas já não de boa intenção, de um projeto que se abre e se convida outros religiosos a colaborarem, mas chegar a compromissos de instituição. E creio que estamos nisso e é preciso dizer que a USG está caminhando decididamente. Como vejo as coisas? Bem, é um processo longo, pois não estávamos acostumados, porque estávamos acostumados a que cada congregação seja auto-suficiente, quase vivendo na rivalidade, e é preciso mudar de mentalidade, para crer que hoje a união não é uma questão de estratégia. No fundo, trata-se recuperar um elemento fundamental da identidade consagrada, e é que a missão de todas as congregações é a mesma, é a missão de Cristo; não é «nossa» missão, é a sua, e participamos dessa única missão de Cristo.
–Se pudesse dizer algo pessoalmente a cada religioso, a cada religiosa da Espanha, o que o senhor lhes diria?
–Pascual Chávez: Eu lhes diria que têm de estar contentes com a própria vocação. Eu estou, se não estivesse não diria, e sei que da própria identificação vocacional, da própria convicção de que somos portadores de uma contribuição muito valiosa para essa Espanha de hoje, é o que nos pode encher de uma grande motivação. Sem convicções não há motivações; sem motivações não há valores e sem valores não há nenhum projeto sobre o qual organizar a vida. Hoje é preciso voltar a recuperar as motivações de fundo, que são fruto de convicções de quem somos e o que estamos chamados a oferecer. E manifestá-lo com uma imensa alegria. Eu digo sempre que não somos parasitas da sociedade, que me sinto muito orgulhoso de ter algo a oferecer a essa Espanha e a essa Europa. E fazê-lo com um grande sentido de Igreja. Nossa ação não caminha à margem da Igreja, está dentro da Igreja. E este fortalecimento de ser Igreja é mais importante hoje se queremos ter vocações.
Fonte: Zenit