A cruz de Jesus continua sendo fascinante e misteriosa, escândalo e loucura ao mesmo tempo. Na Sexta-feira Santa, paramos todos, ou quase. É verdade que muitos se preocupam mais com o cardápio do que com a fé, mas não conseguem deixar de pensar no que aconteceu naquele dia no Calvário. O grito de Jesus antes de morrer: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Mt 27,46) nunca vai parar de nos questionar sobre o que nós pensamos de Deus e da sua maneira de agir.
Nos dias de hoje, um certo raciocínio está tomando conta de muitos cristãos. Funciona mais ou menos assim. Deus ama a todos; e quem ama quer o bem do amado, quer a felicidade do amado. Ora, a felicidade que, dizem, todo mundo almeja, consiste numa vida boa, saudável, com bens suficientes para o necessário e até com sobra. Sinal concreto, inequívoco, desse amor de Deus é a nossa prosperidade. Na fala de alguns foi o próprio Deus que lhes deu esses bens, depois de pedirem com tanta insistência e confiança. Porque Ele é bom e não pode “não querer” ajudar a quem ama. Se alguém não alcança o bem estar na vida é porque não tem fé. Se tivesse mais fé, não passaria nunca fome, não sofreria nunca etc.
Isso é o que nós pensamos e pedimos a Deus muitas vezes, mas quem disse que a Ele interessa, tanto assim, os bens materiais? E também não consigo imaginar que os milhões de famintos desta sociedade consumista e excludente, sejam todos absolutamente sem fé. Pensar assim é, no mínimo, falta de respeito com quem sofre e compactua com a mentira sobre as verdadeiras causas da miséria.
Se essa lógica fosse até o fim, também nos levaria a concluir que Jesus foi o maior fracassado e iludido da história. Morreu pobre, nu, condenado. Somente a mãe, algumas mulheres destemidas e um discípulo apaixonado estavam lá, aos pés da cruz. Deus, que ele tanto chamava de pai, o abandonou também.
É por isso que a cruz nos incomoda. Ou Jesus não teve fé e o Pai não o ajudou na hora que mais precisava. Ou a vida do Filho não importava tanto a Deus Pai e resolveu abandoná-lo. Ou nós não entendemos completamente a maneira de agir de Deus e devemos reconhecer que nesse caso, e em muitos outros, Ele nos surpreende e revoluciona todas as nossas seguranças.
A única saída é reconhecer que o Pai tinha um projeto tão grande, mas tão grande, que para realizar esse plano não hesitou em oferecer o seu próprio Filho. João, o discípulo amado, que estava lá na hora da morte, fala no seu evangelho: “De fato Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,16). Um Deus que ama tanto, a ponto de entregar o seu próprio Filho, e este vive o amor maior que é dar a vida pelos seus amigos (cfr. Jo 15,13) , nos obriga a re-avaliar os nossos critérios de bem e de mal, de bens materiais e de felicidade humana, o que quer dizer “morrer” e “viver”.
Para Jesus: “Quem se apega à sua vida, perde-a; mas quem não faz conta de sua vida neste mundo, há de guardá-la para a vida eterna.” (Jo 12,25)
Isso é amor, isso é felicidade. É também o escândalo e a loucura do amor de Deus. É uma vida nova, já é ressurreição.
Dom Pedro José Conti
Bispo de Macapá
Fonte: CNBB