Falar do Dia do Trabalho, hoje, pode se constituir um perigo de se cair no lugar comum, já tantas vezes repetido o tema, dos dias de luta por melhores condições, do papel das organizações e, sobretudo, da Igreja, a partir de Pio IX e Leão XIII, as encíclicas Rerum Novarum, Quadragesimum Annum e a Laborem Exercens.
Estamos nos albores do século XXI com um grande desafio para a civilização. Já Santo Tomas e os Escolásticos propugnavam, não para retirar Deus do Centro do Universo, mas para que se colocasse o Homem como o responsável para a ordem e a organização social e para o desenvolvimento da Terra e como o seu fim.
Dante punha na boca de Ulisses: “Considerai a vossa origem. Não fostes feitos para viver como os brutos, mas para seguir a virtude e a sabedoria.” (Cf. Inf. XXVI,118) Sendo livres, dom supremo de que somos dotados, temos a capacidade de decisão.
No entanto vemos como nos temos conduzido. O desenvolvimento científico e tecnológico se fez conjuntamente com as mais diversas e até contraditórias teses sociais sobre o comportamento humano na sociedade.
Chegamos assim nos dias atuais numa encruzilhada. Temos de tomar uma decisão entre as duas vertentes que se põem à nossa frente e que repercutem profundamente em nossa vida social e individual. Uma é a supremacia tecnológica com a concentração do poder econômico. A outra, o Homem, o respeito à sua dignidade.
Já estamos sentindo os efeitos da primeira. O Estado, que até então representava a segurança da ordem, ele próprio vem sendo subordinado ao poderio econômico e à concentração da riqueza, derivada, sobretudo, do domínio da ciência e da técnica. Desaparece num universalismo.
O homem em sua dignidade vem sendo desprezado e postergado na sociedade burguesa-capitalista, hoje, chamada docemente de neo-liberal.
Marx e Engels no Manifesto Comunista já descreviam a transformação do mundo num mercado submetido à exploração econômica da burguesia. E isso levava a uma universalização dos costumes e da cultura.
Não se deu atenção a isso. As leis e as doutrinas sobre o mundo trabalhador ainda se faziam à luz do advento da mecânica, da industrialização que se incrementara a partir do século XVIII. O homem e a máquina. A máquina como necessária ao desenvolvimento de um mercado, mas ainda num universo onde era precisa a presença do trabalho. Urgia uma proteção ao trabalhador nas condições materiais mínimas de vida. Seu salário, moradia e condições físicas de esforço e saúde.
Tudo isso ainda é urgente, especialmente pelo crescimento populacional. Agrava-o, porém um fator muito mais forte e que transparece no desemprego e nas condições ofertadas de trabalho, com os permissivos legais encapados sob forma de manutenção de emprego: redução salarial, jornadas anômalas e exigências de cultura e conhecimento que são sonegadas pela falta de escolas e de desenvolvimento.O homem não só virou máquina, mas a produção pode viver sem ele através da eletrônica.
O que se comemorar no Dia do Trabalho. Difícil dizer, a não ser que a dignidade humana se reflete no trabalho. E assim sendo, como Homens dotados da liberdade, do conhecimento da sabedoria, não podemos cruzar os braços.
Só um mundo solidário à luz do Evangelho poderá conduzir a Humanidade a dias melhores. É a esse trabalho que devemos nos propor, sobretudo na reconstrução da sociedade, preservando a dignidade humana, a comunhão dos bens e serviços públicos e a igualdade social.
A nossa comemoração não poderá se traduzir em festa, senão na consciência do dever de exigir que o Homem seja o centro do Universo, que nossos direitos sejam respeitados, que acima da economia se ponha a Pessoa.
Dom Eurico dos Santos Veloso
Arcebispo Metropolitano de Juiz de Fora (MG)