Sou a filha mais velha de uma família de quatro irmãos. Meus pais têm os sacramentos de iniciação cristã, mas são casados somente no “civil” e nunca foram de frequentar a Igreja. Assim fui criada, em um ambiente de extrema “liberdade” de religião e de expressão. A pedagogia era: você cresce e escolhe qual sua religião, se quer ser batizada e tal.
Por outro lado, minha avó materna era muito católica e sempre que nossa família ia a sua casa, nas férias, eu a ouvia contar histórias bíblicas e sempre repetir que tinha o sonho de ter se consagrado a Deus ou que um de seus 12 filhos assim o fosse, o que não aconteceu, pois sou a primeira consagrada da minha família.
Quando eu tinha seis anos, de tanto ver minha avó servir e amar a Igreja, pedi pra ser batizada e a escolhi como minha madrinha. Na época, em sua cidade, não havia sacerdote e ela foi, então, procurar as freiras para relatar meu desejo. Como eu já era “grandinha” e muito precoce, as freiras disseram que eu precisava de uma preparação e, assim, passei alguns dias das férias indo fazer formação. Dessa forma, aprendi a rezar. Elas me deram um pequeno catecismo e uma bíblia da “criança” e me ensinaram a dar os primeiros passos na fé. Depois desse período, fui batizada por uma delas, pois, como já citei, não havia sacerdote na cidade.
Depois do meu batismo, vivia assim: nas férias, ia para a Igreja, mas passava o resto do ano sem ir. As mesmas freiras juntavam o jornalzinho do domingo, da celebração das crianças, e me davam de presente quando eu ia de férias.
Quando cresci, fui novamente me desligando da Igreja. Quando eu tinha uns 12 anos, um grupo de coreanos visitou a minha cidade e realizou uma semana missionária, eles não eram católicos, mas me fizeram desejar ser uma pessoa de Deus. Ao término desta semana, fui à Igreja Católica e procurei me engajar em algo. Indicaram-me um grupo de acólitos e lembro que servir na Missa me fazia encantar-me pelo Sagrado. Nesta época, eu era a única pessoa do grupo que não tinha feito a Primeira Comunhão. Então, o padre, que gostava muito de mim, ofereceu-se para me formar e realizar a celebração de Primeira Comunhão só para mim. Assim aconteceu. Fui diversas tardes para a casa paroquial receber formação com ele e, no fim de um certo período, recebi o Sacramento.
Quis relatar essa parte inicial porque entendo que Deus trilhou comigo um caminho de discipulado, e me fez, de alguma forma, ser atraída e formada de perto por pessoas consagradas.
Depois deste tempo, afastei-me de tudo, mas ainda frequentava a Missa aos domingos. Fiz Crisma, mas tinha uma grande dificuldade de crer na Eucaristia e fugia sempre de adorações, por achar que adorar algo em que eu não acreditava era hipocrisia.
Passei a ser uma pessoa muito centralizada em mim. Minha vida era estudar, estudar, estudar, trabalhar e curtir. Passei a assumir muitas responsabilidades na minha família, tive todos os tipos de amizade e cada vez mais me apegava à razão, deixando a fé em segundo plano. Nesse contexto, onde Deus não tinha mais lugar na minha vida, na Universidade, onde eu fazia três cursos e era envolvida em diversos projetos e trabalhos, fui evangelizada por uma jovem da Renovação Carismática Católica e participei do Seminário de Vida no Espírito Santo (SVES) na Comunidade Shalom.
No SVES, tive uma forte experiência, uma experiência eucarística. De repente, Àquilo no qual eu nem acreditava dava sentido à minha vida. Saí de lá como Paulo, querendo evangelizar o mundo. Apaixonei-me pela Comunidade e naquele mesmo dia ofertei, mesmo sem entender, a minha vida. Como fiquei muito próxima aos missionários da Comunidade de Vida, pensei naquele momento que era este o meu chamado.
Depois desses dias, me engajei e em pouquíssimo tempo estava no Vocacional e, de repente, na Comunidade. Meu discernimento vocacional foi muito intenso, pois a providência de Deus em tudo manifestava meu chamado à Comunidade de Aliança. No meu coração, o desejo de dar toda a minha vida era tão forte que, mesmo tendo ingressado na Comunidade de Aliança, até o meu Discipulado achava que deveria ter mandado carta para a Comunidade de Vida. Porque, na minha racionalidade, “era impossível ofertar tudo a Deus, estando em tudo que eu poderia ter ofertado”. Como dizem na Matemática, isso era para mim um paradoxo.
Ainda no meu Postulantado, namorei um rapaz da Obra, um cara muito legal. Ao contrário dos namoros anteriores, vivíamos a castidade e rezávamos, mas algo ainda era uma lacuna. Ouvir que no matrimônio cada um é mediação do amor de Deus para o outro, causava-me um incômodo enorme. Não conseguia associar isso ao Celibato, pois achava que Celibato era só para os “puros”, ou pelo menos, para aqueles que nunca haviam tidos marcas na sua afetividade. Terminei o namoro para rediscernir meu chamado na Vocação Shalom, para saber se eu era Comunidade de Aliança ou Comunidade de Vida.
Alguns meses depois, na procissão de Corpus Christi, ao olhar para Jesus que passava no meio da rua, senti um forte chamado ao Celibato. Achei que tinha enlouquecido. Na mesma semana, uma irmã me entregou um presente que havia comprado no Fórum Carismático de 2008, o livro “Belo é o Amor Humano”. Quando abri o livro, deparei-me com a parte que motiva os irmãos da Comunidade de Aliança a trilharem um caminho de cura a partir do celibato formativo. Tive vergonha de falar com minha formadora e, em um primeiro momento, levei o livro ao meu confessor que me apoiou a viver “esta aventura”. Nessa época, mudei para Natal, para fazer meu mestrado e o celibato formativo muito me ajudou a viver o novo que Deus me chamava, em especial, no meio dos jovens. Já nesse tempo, colhi muitos frutos da oferta silenciosa que vivia.
Quando acabou o tempo do celibato formativo, senti-me perdida, nem parecia eu, mas me abri a uma profunda cura e amor pelo matrimônio. Passei a desejá-lo porque eu poderia ser “a primeira pessoa da família a ter um matrimônio santo” e, então, percebi que não desejava o matrimônio por um chamado, mas por uma motivação, até lícita, mas que não era a vontade de Deus. Ainda nessa época, em 2009, participei de um fórum onde o fundador do Shalom, Moysés Azevedo, muito inflamado, pedia que se ajoelhassem todas as pessoas que já haviam pensado alguma vez em serem celibatárias. Quase não me ajoelhei porque tinha vergonha dos amigos que estavam perto de mim, tinha vergonha de assumir ali que mesmo não sendo tão “pura”, mesmo não tendo o passado “mais digno”, poderia também estar sendo chamada a esse estado de vida. Nessa hora, lembrei-me de uma frase de Santa Teresinha, que diz que Deus nos faz desejar aquilo que Ele quer realizar. Fechei os olhos, ajoelhei-me e desafiei Deus, dizendo: Senhor, se Tu realmente me chamas, dá-me a graça de corresponder.
Saí de lá e partilhei com minha formadora, que me orientou a silenciar e perceber os sinais de Deus. Comecei a rezar, e Deus não parava de manifestar sua eleição, tudo ao meu redor parecia falar disso. No fórum, ainda tive uma grande experiência com a castidade da Virgem Maria. Na reciclagem, posterior ao fórum, a palestra do Moysés no dia do retiro pessoal, falando sobre o celibato, fez com que meu coração se abrisse à manifestação de Deus e, em um dia de silêncio, ouvia Deus gritar o meu chamado sem parar. No mesmo dia, na oração comunitária, uma irmã veio rezar por mim e começou a chorar proclamando que Deus queria de mim algo maior que eu.
Depois de tantas outras manifestações do amor de Deus (prolongaria-me muito se as citasse), a batalha foi comigo mesma. Apaixonei-me duas vezes, tive que lutar contra o orgulho que me fazia resistir a Deus. Lutar, em especial, com minha razão que me confundia a achar que teologicamente era impossível ser celibatária como Comunidade de Aliança. Nesse contexto, minha resposta a Deus foi dizer: Beleza, se você me quer sua, então arrume um novo lugar para mim no Carmelo, em uma outra congregação ou pelo menos como Comunidade de Vida, menos como celibatária na Comunidade de Aliança. Ele nada me respondia. Ao rezar com o livro do Amedeo Cencine, li uma frase que quebrou todas as minhas mentalidades. A frase era: “Seja o mundo o vosso mosteiro”.
Após ler essa frase, determinei-me e, mesmo sem referências jovens de celibato na Comunidade de Aliança, mesmo sem encontrar no Direito Canônico algo que, no meu entendimento racional, fosse uma orientação legítima de tal vivência, resolvi arriscar, pois Deus havia me conquistado.
Tinha certeza de que, junto com meu chamado, eu recebia uma missão pessoal: ser “no mundo” um ambiente de teofania. No meio secular, na Universidade, no Instituto Federal, na família e até na Comunidade, ter a minha vida como um lugar de experiência com Deus. Um sinal de que o Absoluto é maior que o relativo. Assim, fiz o caminho, mandei a carta, esperei onze meses pela minha resposta. Hoje tenho a alegria de testemunhar quem sou: Enne Karol, filha de Deus, Shalom e celibatária pela graça de Deus que me escolhe, acolhe e envia, não a um mosteiro, mas ao mundo a quem dedico a minha vida pela construção de Seu Reino.
Termino, afirmando que o chamado ao celibato na Comunidade de Aliança, pelo menos no meu caso, precisa ser fundamentado na Eucaristia e em uma vida de oração profunda, que nos configure ao Cristo. Baseio-me sempre no Salmo 62, que diz que o “Amor de Deus vale mais que a nossa própria vida” e, assim, dou passos. Quando a solidão ou o medo do futuro bate à minha porta, eu respondo como Santa Teresinha: “Minha vida é um brevíssimo segundo, um só dia que me escapa e que já foge. Para amar a Deus neste mundo não tenho nada mais que hoje”.
Enne Karol
Eu estou vivendo algo parecido com a sua historia, eu nao tenho vocacao para ser freira e nao sou virgem para poder ser virgem consagrada, mas sinto que Deus quer que eu me dedique inteiramente a Ele. De repente perdi o interesse na possibilidade do matrimonio, nao quero estar com mais ninguem alem do Nosso Senhor Jesus.
Que incrível!
Poderia contar como foi sua experiência eucarística no SVES ?
=)
Posso sim.
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