Formação

Eu, porém, vos digo…

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O Catecismo da Igreja Católica recomenda, para uma leitura orante da Palavra de Deus, utilizar o método da Lectio Divina, que consiste em quatro passos: leitura, meditação, oração e contemplação. O monge Guigo, o Cartuxo, assim sintetizou: “Procurai pela leitura e encontrareis meditando, batei orando e vos será aberto pela contemplação” (cf. Cat, 2654).
Antes de iniciar esta Lectio, ore pedindo o auxílio do Espírito Santo, que inspirou os autores sagrados, para que a Palavra produza frutos cem por um na sua vida. “Ó vinde Espírito Santo, enchei os corações dos vossos fiéis…”
Tomemos para o método da Lectio Divina, o trecho do Evangelho de São Lucas, capítulo 6, versículos 27-38. Leia atentamente pelo menos quatro vezes os versículos propostos, em voz alta, ou à meia voz, procurando responder a pergunta: O que o texto diz? Em seguida releia, silenciosamente, ouvindo de Deus o que o texto lhe diz pessoalmente. Esta é a meditação. Diante de tudo o que lhe foi revelado, faça sua oração, seja de louvor, súplica ou intercessão. E, por fim, continue o momento de oração, deixando-se amar pelo Senhor da vida, escutando no coração aquilo que Ele desejar lhe dar.
Para mim, esse é um dos trechos mais desconcertantes, embaraçosos, difíceis e desafiadores dos evangelhos.
As orientações de Jesus são claras: “Amai”, “Fazei o bem”, “Abençoai”, “Orai”, “Emprestai”, “Perdoai”, “Dai”. E ainda: “Sede misericordiosos”, “Não julgueis”, “Não condeneis”.
E com quem praticar também: “Os vossos inimigos”, “aos que vos odeiam”, “os que vos amaldiçoam”, “os que vos difamam”, “os que te ferem na face”, “os que te tiram a capa”, “os que te tomam o que é teu”, “os que te pedem”.
Amar o próximo como a si mesmo quando o próximo é amigo, é até fácil de entender e aceitar. Agora amar os inimigos, os que nos odeiam, amaldiçoam, difamam, roubam ou tomam o que é nosso é coisa totalmente inédita. No Antigo Testamento era permitido o olho por olho e o dente por dente (lei do talião). O Novo é mais exigente. A virtude da Justiça manda dar a cada um o que lhe é devido. Portanto, o que Jesus pede é ir além da justiça. Amar e fazer o bem aos que os amam, os pagãos também fazem. Mas a quem quiser escutá-lo, Ele pede mais e apresenta as razões: “Será grande a vossa recompensa”, “sereis filhos do Altíssimo” e “porque ele é bom para com os ingratos e maus”. Veja as palavras que o anjo Gabriel revela a Maria sobre Jesus: “Ele será grande e será chamado Filho do Altíssimo…” (Lc 1,32). Ou seja, a recompensa é o próprio Jesus, ser como Ele.
Se Ele nos pede é porque é possível, e Ele mesmo dá o exemplo. “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei”. Os apóstolos não estariam errados se invocassem a justiça e o direito diante dos judeus que prenderam e flagelaram Jesus. Mas Ele não permite que Pedro use a espada para defendê-lo ou pede o socorro das legiões de anjos para livrá-lo. Nem faz um milagre diante de Herodes ou ameaça Pilatos para escapar da morte. Ele sabe que cumpre a Vontade do Pai e que a justiça definitiva pertence a Deus. A Ele só cabia amar, orar e perdoar os que o condenavam, “pois não sabem o que fazem…” (Lc 23,34).
Que tal iniciar sua oração não pelos “inimigos” que talvez você não identifique, mas pelos que o ofenderam ou o agrediram, seja com palavras ou com atos. Ou pelos que não lhe deram a atenção, ou enfim pelos que lhe pediram alguma coisa e você não atendeu. Peça perdão por não ter sido capaz de praticar esta passagem naquela ocasião. Se conseguir identificar seus “inimigos”, também ore por eles. Suplique a graça de amar como Jesus amou, dando sua vida. Interceda por todos os que lhe prejudicaram intencionalmente ou não. Peça a misericórdia de Deus por você e por eles. Abra-se à ação do Espírito Santo que é capaz de mudar corações de pedra por corações de carne, sensíveis à Vontade de Deus. Relembre as vezes que você amou os difíceis, perdoou, não condenou nem julgou os outros. Sinta a alegria de ter imitado Jesus, tornando-se filho(a) de Deus. Louve e agradeça, pois foi graça e não mérito seu.
A contemplação dos mistérios de Deus é uma graça, um dom gratuito, que requer apenas uma atitude de recolhimento, abertura, aceitação, abandono e confiança. Então se recolha ao mais íntimo do seu coração. Abandone-se no Amor. Confie naquele que só sabe amar e deseja habitar em nós transformando-nos na imagem do Seu Filho.
Ao final desta Lectio, não se esqueça de anotar os principais rhemas ou moções que o Espírito lhe inspirou, e partilhe no seu grupo ou Comunidade. Escreva-nos, também, e testemunhe o amor de Deus em sua vida. Deus o abençoe sempre!
Até o próximo mês.
Shalom!

“Eu, porém, vos digo a vós que me escutais: Amai os vossos inimigos, fazei o bem aos que vos odeiam, bendizei os que vos amaldiçoam, orai pelos que vos difamam. A quem te ferir numa face, oferece a outra; a quem te arrebatar a capa, não recuses a túnica. Dá a quem te pedir e não reclames de quem tomar o que é teu. Como quereis que os outros vos façam, fazei também a eles. Se amais os que vos amam, que graça alcançais? Pois até os pecadores amam aqueles que os amam. E se fazeis o bem aos que vo-lo fazem, que graça alcançais? Até mesmo os pecadores agem assim. E se emprestais àqueles de quem esperais receber, que graça alcançais? Até mesmo os pecadores emprestam aos pecadores para receberem o equivalente. Muito pelo contrário, amai os vossos inimigos, fazei o bem e emprestai sem esperar coisa alguma em troca. Será grande a vossa recompensa, e sereis filhos do Altíssimo, pois ele é bom para com os ingratos e maus. Sede misericordiosos, como o vosso Pai é misericordioso. Não julgueis, para não serdes julgados; não condeneis, para não serdes condenados; perdoai, e vos será perdoado. Dai, e vos será dado; será derramada no vosso regaço uma boa medida, calcada, sacudida, transbordante, pois com a medida com que medirdes, sereis medidos também”. (Lc 6,27-38)

José Ricardo Ferreira Bezerra
Comunidade de Aliança Shalom


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