Formação

A consagração do amor humano

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O amor ao Senhor, efetivo em nossos corações, redime e santifica o nosso amor humano. É ele que leva todo amor humano à perfeição na aliança de amor com Deus. Cristo veio redimir e santificar todo amor humano, pois veio redimir a vida humana e todos os relacionamentos humanos através dos quais esta nossa vida é vivida. Jesus continua sendo eternamente humano embora seja eternamente o Senhor Deus. Enquanto Senhor, cabe-lhe reconciliar a humanidade com Deus e, também, cada um de nós com o outro, dentro de um amor e amizade fraternalmente universal.

Esse amor e amizade precisam ser manifestados concretamente em todos os relacionamentos humanos: conjugal, familiar, comunitário, civil, social, cultural e internacional. Esta é a vontade de Deus, sua vontade salvadora. Ele quer nos salvar, mas dentro de uma intercomunicação de irmãos e irmãs, vivenciada por nós como filhos de Deus.

Enquanto ministro do amor e amizade de Deus, o cristão precisa discernir de que maneira esta vontade salvadora de Deus deverá ser transmitida a todos os pormenores concretos da sua vida cotidiana. Salvar significa viver a vida de Deus mediante um amor sincero em cada uma das situações da nossa vida. Pois, Deus que nos salvar em nossa vida diária em relação de sua vontade de comunhão que nos leva a amar uns aos outros.

Tanto a palavra de amor que escutamos na liturgia e o amor melhor do que o vinho que bebemos no sangue precioso devem ser efetivados na vida diária. Nossa especialidade como cristãos, deverá ser, portanto, o discernimento da fé. O discernimento da fé é a capacidade de ver à luz de Deus, como viver esta realidade da fé, na vida cotidiana Viver, porém, a fé equivale a nos envolvermos a tal ponto pelo amor de Cristo, que vivamos do seu amor, atuemos levados por esse amor, o transmitamos aos outros e o transformemos em uma amizade universal. “Este é o seu mandamento: crer no nome do seu Filho Jesus Cristo e amar-nos uns aos outros” (110 3,23). Eis aí um ministério cristão do qual participam todos os cristãos.

Nós precisamos discernir através da fé a maneira de viver no amor, a maneira de externar nossa aliança de amor fazendo sempre aquilo que irá promover a amizade de Deus entre os homens. E nós só conseguiremos discernir tudo isto se permanecermos em Jesus e suas palavras permanecerem em nós (Jo 15,7ss).

Discernir a vontade dele significará, então, discernir, em cada situação da vida, e à luz das suas palavras, tudo aquilo que poderá estimular o amor e a fraternidade dentro da mais perfeita justiça.

Em primeiro lugar, se o cristão for casado, então ele ou ela, ou ambos, os dois juntos, deverão descobrir, à luz da palavra de Deus, a maneira de promover a missão divina do amor e comunhão de vida dentro da própria família. Essa é a principal responsabilidade deles perante Deus. Como já dissemos, é somente vivendo-o pessoalmente que a gente poderá ser intermediário do amor e amizade de Deus para com as outra pessoas. Acontece, porém, que nunca poderá ser vivido isoladamente. Ele só poderá ser vivido juntamente com os outros. E uma pessoa casada vivê-lo-á, antes de tudo, nas suas relações de família.

É que o amor cristão nada mais é do que o próprio amor de Cristo infundido em nossos corações no sacrifício eucarístico. O amor cristão tende, portanto, por sua própria natureza, para o sacrifício de si mesmo em prol dos outros. É o amor que São Paulo exprime da seguinte forma: “Vivei no amor, assim como Cristo também nos amou e se entregou por nós a Deus, como oferta e sacrifício de odor suave” (Ef 5,1). Algumas linhas mais adiante, apresenta um modo específico de vivermos o amor de Cristo que se imola, ao dizer aos esposos e esposas: “Maridos, amem suas mulheres, como Cristo amou a Igreja e se entregou por ela, a fim de purificá-la… e santificá-la… Mulheres, sejam submissas a seus maridos, como ao Senhor” (Ef 5,25.22).

Em outras palavras, a aliança matrimonial é um modo concreto de viver a nova aliança de amor no sangue de Cristo, um modo de se imolar a si mesmo por amor aos outros. A vida familiar do cristão não é um compartimento da vida isolado dos serviços que ele presta na Igreja e no mundo. Pelo contrário, ela representa a sua primeira e principal área do ministério do amor e comunhão de vida, frutos da Palavra e da Eucaristia. Assim, ele fomentará a tal ponto dentro da sua própria família o amor e a amizade cristã, que a família, vivenciando em admirável plenitude essa divina comunhão de vida, sem dúvida a transmitirá aos outros.

Um “nós” comunicativo

O amor e a amizade que Jesus cria entre as pessoas mediante a graça da nova Aliança é como um enorme tecido de amor em que uma multidão de homens, mulheres e crianças estão coligados uns aos outros. Em um tecido cada laço está mais ligado aos laços que estão imediatamente próximos a eles; mas, além disso, também está ligado, através destes, com os outros laços. Da mesma forma, no enlace de amor que concretiza a graça da aliança de amor no sangue de Cristo, eu amo, antes de todos e de um modo mais íntimo, aqueles que são mais perto de mim.

O homem casado amará, portanto, antes de todos, sua esposa e sua família. Não obstante, este “nós” que ele forma com sua esposa é um “nós” bem aberto, graças ao amor, para todos os que eles conseguirem abraçar: para seus filhos, para seus vizinhos e para todos aqueles a que o seu ministério de amor e amizade conseguir se estender. E a esposa do cristão o apoiará neste ministério, porque, através do amor a ele, ela o desejará ter sempre como seu mais fiel “alter ego”, permanecendo fiel à vocação dele como ministro da amizade de Cristo. Isso significa que ela sempre desejará que ele seja tudo aquilo que ele puder ser para os outros.

A aliança de amor a Jesus estará aberta para toda a humanidade. Ela jamais estará fechada sobre si mesma. Ela há de ser sempre uma transmissão de amor e comunhão de vida para todos. É da alegria do amor e da amizade no lar que brotará não só o ministério que fomenta a alegria da amizade cristã, como também o ministério para atender os que sofrem e os necessitados, os ignorantes e os moralmente fracos.
Jesus bem pode dizer de cada cristão casado o que falou de Zaqueu: “Hoje a salvação entrou nesta casa” (Lc 19,9). E não apenas na casa, mas na comunidade inteira. É que Zaqueu era um funcionário intensamente envolvi¬do com a vida cotidiana da sua cidade. Ao se converter a Jesus, Jesus não exigiu que ele abandonasse seu ganha¬pão como cobrador de impostos; exigiu apenas que ele o desempenhasse com justiça e amor. E foi o que Zaqueu imediatamente começou a fazer. “Olha, Senhor – disse ele – a metade dos meus bens eu dou para os pobres; e, se logrei de qualquer forma a alguém, vou devolver quatro vezes mais” (Lc 19,8). Assim, ele passará a administrar suas propriedades não apenas em benefício próprio e de sua família, mas também em proveito dos pobres e necessitados.
É dessa mesma forma que todo cristão, enquanto ministro do amor cristão, deverá distribuir esse amor não apenas dentro de sua família, mas também no seu trabalho e na sua função, manifestando seu amor pelo fato de só fazer o que é certo e justo e fazendo tudo o que puder para transformar seu escritório ou sua fábrica em uma comunidade cristã, transmitindo amor e amizade aos outros. Tudo o que ele fizer será a serviço do amor.
A fim de mostrar como todas as atividades humanas deveriam ser um serviço de amor em Cristo, Yves Congar escreve: “Vocês não deveriam dizer que um sapateiro fabrica sapatos; mas, sim, que ele calça os cristãos… ‘Fabricar sapatos’ indica apenas a profissão e insinua que o único objetivo do fabricante é seu lucro pessoal”. Acontece, porém, que a arte ou a profissão de qualquer pessoa, bem como todos os artigos e acessórios produzidos e adquiridos através dela, possuem um objetivo mais além de qualquer vantagem pessoal. Todas elas são uma prestação de serviços, todas elas representam um ministério.
No idioma francês – em que o padre Congar escreveu – a palavra empregada para designar uma arte ou profissão é métier. Essa palavra métier provém do latim ministerium: ministério ou serviço. De fato, todo trabalho humano é sempre ministério ou serviço e deve ser executado com amor e espírito comunitário. Toda a vida e trabalho do homem deveria encontrar seu perfeito acabamento e satisfação neste amor e espírito comunitário.
O ministério cristão – realizado nas tarefas cotidianas, ou desempenhado junto aos idosos e doentes, pobres e oprimidos – está pondo em execução a recomendação de Jesus: “Fazei isto em memória de mim”. É que a nossa participação no sacrifício eucarístico só se torna completa através das nossas obras de amor.
“Eu vos chamei de amigos” porque vos encarreguei, como servos meus, de continuar a levar adiante a minha própria missão de amizade. Eu vos transformei em ministros do meu amor e reconciliação. É justamente nesse amor e reconciliação que consiste a Boa Nova, o Evangelho, esse mistério que esteve sempre escondido no mais íntimo de Deus desde os séculos (Ef 3,9), mas agora foi dado a conhecer ao mundo através do sincero amor e amizade de que Jesus escolheu como os servidores do seu amor (Ef 3,10).
É o próprio Jesus que quer se mostrar amigo dos companheiros que vocês conquistarem através do amor demonstrado para com eles. O amor de vocês por eles será, então, uma retransmissão daquela mensagem “Vós sois meus amigos” que ele enviou a todos eles quando os amou tanto que deu sua própria vida por eles. É aquele mesmo amor de Jesus que estará presente e atuante no amor que vocês demonstrarem atraindo e consagrando os companheiros de vocês para a amizade dele. É Cristo que estará presente neste amor concreto que ele irá despertando nos corações de vocês; é ele que estará presente neste amor ativo em vocês e que os une a todos entre si e com todos os que vocês amam; é ele que estará presente no amor que vocês transmitirem aos outros.
O amor que vocês demonstram será uma real demosntração do amor que Deus tem para com o mundo, pois será uma presença atuante do amor de Deus. Se vocês desejarem comunicar a mensagem de amor de Cristo, só o conseguirão da mesma maneira como ele fez – vivendo-o.
Vocês desempenharão seu ministério de tal forma que se torne plena a própria alegria pessoal de vocês. Como disse João, esta é a razão de todo e qualquer ministério: trazer os outros para a comunhão com Deus, de tal modo que a alegria pessoal de cada um se torne completa graças a essa comunhão de vida. João escreve: “O que vimos e ouvimos, nós agora o anunciamos a vocês, para que estejam em comunhão conosco. E a nossa comunhão é com o Pai e com o seu Filho Jesus Cristo. Essas coisas, escrevemos para vocês, a fim de que a nossa alegria seja completa” (I Jo 1, 3-4).
Portanto, a alegria que vocês estão encontrando na amizade com Deus só será completa quando trouxerem quando puderem para esta mesma amizade.

Livro O Ministério da Amizade, Paul Hunnebusch, O.P. Editora Paulus


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