A beatificação de Madre Teresa de Calcutá, pôs ante os olhos de todos que existe uma só e autêntica grandeza no mundo, e é a santidade. Contemplando a multidão que enchia cada rincão da Praça de São Pedro e da Via della Conciliazione no momento em que exibia a imagem da beata e o coro cantava Aleluia, esta verdade saltava à vista. Que outra pessoa no mundo é honrada assim? Por uma multidão tão numerosa e sobretudo reunida aqui não por ordem de ninguém, como com freqüência ocorre nas grandes convocações dos regimes totalitários, mas espontaneamente, por pura admiração e amor à pessoa?
Era uma confirmação da verdade do célebre pensamento de Pascal. Existem no mundo três ordens ou níveis possíveis de grandeza: a ordem dos corpos em que se sobressaem as pessoas ricas, de extraordinária beleza ou aparência física, a ordem da inteligência e do gênio em que se destacam artistas, escritores, cientistas, e a ordem da santidade em que, depois de Cristo, se sobressaem a Virgem e os santos (Pensamentos 793 Br). Uma distância quase infinita, escreve Pascal, separa a segunda ordem da primeira, mas uma ordem infinitamente mais infinita separa a terceira ordem da segunda, a ordem da santidade da do gênio. «Uma gota de santidade –dizia o músico Gounod– vale mais que um oceano de gênio». A glória da santidade não acaba com o tempo, mas dura eternamente. A teoria de santos que temos adiante no mosaico frontal desta capela nos recorda precisamente isto e nos acompanha nesta meditação alentando-nos a seguir-lhes.
Na carta apostólica Novo millennio ineunte, o Santo Padre diz que a santidade «é a perspectiva na qual deve situar-se todo o caminho pastoral da Igreja». Esta santidade, explica, é sobretudo dom objetivo que nos procurou Cristo com sua morte redentora e que recebemos no batismo; mas, acrescenta, «o dom se traduz por sua vez em um compromisso que deve governar toda a existência cristã» (1).
Em outras ocasiões me detive na santidade de Cristo como dom gratuito do qual apropriar-se mediante a fé, fazendo o que amo chamar o «golpe de audácia» na vida espiritual; esta vez, após a esteira de Madre Teresa, queria insistir na santidade de Cristo como modelo a imitar na vida.
A tal propósito, no cartão de convite para estas pregações de Advento, cita-se um pensamento de Madre Teresa. Diz: «Hoje a Igreja necessita de santos. Isto exige combater nosso apego às comodidades que nos leva a eleger uma mediocridade cômoda e insignificante. Cada um de nós tem a possibilidade de ser santo e o caminho para a santidade é a oração. A santidade é para cada um de nós um simples dever».
1. Na fonte da santidade
Na vida de Madre Teresa descobrimos qual é o ato inicial do qual parte normalmente a aventura da santidade, a «primeira pedra» do edifício. Para consolo nosso, descobrimos que este ato pode ocorrer em qualquer idade da vida. Em outras palavras, nunca é demasiado tarde para começar a fazer-se santos. Santa Teresa de Ávila viveu durante muitos anos uma vida bastante ordinária e não sem compromissos, quando sucedeu a mudança que fez dela o que sabemos.
O mesmo aconteceu na vida de sua homônima Madre Teresa de Calcutá. Até a idade de 36 anos ela era uma religiosa da Congregação de Loreto, certamente fiel à sua vocação e dedicada a seu trabalho, mas nada fazia prever nela algo extraordinário. Foi durante uma viagem em trem de Calcutá a Darjeeling por seu retiro espiritual anual quando ocorreu o fato que mudou sua vida. A voz misteriosa de Deus lhe dirigiu um convite claro: deixa tua ordem, tua vida anterior e se ponha à minha disposição para uma obra que eu te indicarei. Entre as filhas de Madre Teresa, este dia –em 10 de setembro de 1946– é recordado com o nome de «dia da inspiração».
Graças aos documentos que saíram à luz durante o processo de beatificação, conhecemos hoje as palavras exatas que Jesus lhe disse: «Desejo religiosas indianas, Missionárias da Caridade, que sejam meu fogo de amor entre os mais pobres, os enfermos, os moribundos, as crianças da rua. Quero que tu conduzas para mim os pobres… Rejeitarias fazer isto por mim?». E também; «Há conventos com muitas religiosas que se ocupam das pessoas ricas e favorecidas, mas para meus indigentes não existe absolutamente nenhum».
Na vida de Madre Teresa se renova neste momento a experiência de Abraão, a quem um dia Deus disse: «Sai de tua terra, e de tua pátria, e da casa de teu pai, e vai para a terra que eu te mostrarei» (Gên 12, 1). O «Sai!» dirigido a Abraão é diferente da ordem dirigida mais tarde a Lot de sair de Sodoma (Cf. Gên 19, 15). Nada indica que Ur dos Caldeus tivesse um ambiente particularmente corrupto e que Abraão não pudesse salvar-se ficando onde estava. Em seu Tríptico Romano, o texto poético publicado este ano, o Papa reflete sobre os prováveis sentimentos de Abraão ante a proposta divina: «Por que devo sair daqui? Por que devo deixar Ur dos Caldeus?» (2).
As mesmas perguntas, sabemos, se fez Madre Teresa. Foi uma laceração interior. Ao arcebispo Périer confia: «Fui e continuo sendo muito feliz como religiosa de Loreto, para deixar o que amo e expor-me a novas fadigas e sofrimentos que serão grandes». Dirigindo-se a Jesus diz: «Por que não posso ser uma perfeita religiosa de Loreto? … Por que não posso ser como todas as demais? … O que me pedes é demasiado grande para mim… Busca uma alma mais digna e mais generosa».
Repete-se também nisto uma constante da Bíblia. Moisés dizia «Eu não fui nunca homem de palavra fácil» (Ex 4, 10), e Jeremias: «Sou demasiado jovem…» (Jr 1, 6). Mas Deus sabe distinguir quando as objeções de seus chamados nascem de uma resistência à sua vontade e quando nascem ao contrário de medo a enganar-se e a não estar à altura da missão. Por isso não se ofende por seus pedidos de explicações. Não se deteve ante a pergunta de Maria: «Como será isto?», enquanto que repreendeu Zacarias e lhe deixou mudo pela mesma questão (Cf. Lc 1, 18). A pergunta de Maria não nascia da dúvida, mas do legítimo desejo de saber que devia fazer para realizar o que Deus lhe pedia.
Ao final, Madre Teresa, como Maria, disse a Deus seu pleno fiat, «Sim». O disse com os feitos que conhecemos e o disse com alegria. A palavra grega traduzida em latim com fiat é ‘genoito’. Na tradução se perde lamentavelmente uma nuança importantíssima: ‘genoito’ está no modo optativo, não concessivo como fiat: não expressa simples assentimento ou resignação a que uma coisa ocorra (é como dizer: «se não pode fazer de outro modo, de acordo, fiat voluntas tua!»); expressa, ao contrário, desejo, impaciência, alegria de que ocorra uma coisa. Por isto se chama modo «optativo». «Deus ama quem dá com alegria» (2 Cor 9,7): uma palavra que Madre Teresa não se cansava de fixar em suas filhas, mas que sobretudo mostrou com seu sorriso toda a vida.
2. O grão da granada
Neste ponto, está claro qual é o ato fundamental, aquela «primeira pedra» sobre a qual se apóia a santidade de Madre Teresa e de toda santidade cristã: é a resposta a um chamado, e a obediência a uma inspiração divina, discernida e reconhecida como tal. Simone Weil, que não era uma santa mas admirava perdidamente a santidade, fala do «assentimento que a alma nestes momentos dá a Deus, como algo imperceptível, em meio de todas as inclinações carnais, um minúsculo grão de granada, que ainda decide seu destino para sempre» (3).
Todos os grandes empreendimentos de santidade da Bíblia e da história da Igreja repousam sobre um «sim» dito a Deus no momento em que Ele revela pessoalmente a alguém sua vontade. Da fé-obediência de Abraão, a Escritura faz depender toda a história sucessiva do povo eleito: «Por tua descendência se bendirão todas as nações da terra, em pagamento de ter oferecido tu minha voz» (Gên 22, 18); da fé-obediência de Maria, Deus quis fazer depender o início da nova e eterna aliança.
Em seu livro autobiográfico Dom e Mistério, o Santo Padre João Paulo II escreve: «No outono de 1942 tomei a decisão definitiva de entrar no seminário» (4): o seguimento do texto indica muitas explicações que não se oferecem, mas que se intuem. Essa decisão foi precedida também de um chamado; foi a decisão de responder a um convite, como é toda vocação sacerdotal. Agora sabemos aquilo que construiu Deus sobre essa decisão, sobre aquele «Aqui estou, eu irei», pronunciado no distante 1942.
Imagino o estupor e a comoção de Madre Teresa no ocaso de sua vida, quando recordava aquela viagem em trem. O que Deus havia sabido realizar com seu pequeno e sofrido «sim»! Que projeto grandioso tinha já na mente que ela não conhecia! Não posso pensar em sua alma ao final da vida mais que cantando um surpreendido e comovido «Engrandece minha alma ao Senhor… Porque o Poderoso fez obras grandes em mim».
Ao início deste ano, as Missionárias da Caridade me concederam a honra de pregar-lhes os exercícios espirituais de preparação ao capítulo geral celebrado em Calcutá (na realidade, eram elas que me pregavam exercícios com a extraordinária seriedade, pobreza e oração incessante). Pareceu-me advertir, desde o primeiro encontro, o desejo de Madre Teresa desde o céu de que o primeiro capítulo celebrado após sua morte fosse ocasião para um comovido e coral Magnificat a Deus de parte de suas filhas por aquilo que havia feito em sua vida e continuava fazendo na delas. O transmiti com simplicidade às presentes e, ao encerrar o capítulo, a Madre Geral, Irmã Nirmala, confiou que isto havia sido de fato, e antes de tudo, o capítulo geral.
Na vida de cada um de nós, como na vida de Madre Teresa, houve um chamado; de outra forma não estaríamos aqui. Inclusive nosso «sim» foi talvez um «sim» na obscuridade, sem saber onde nos levará. A anos de distância, não devemos ter medo de reconhecer o que Deus soube construir sobre aquele pequeno «sim», apesar de nossas resistências e infidelidades, e entoar também nós um comovido e agradecido «Engrandece minha alma ao Senhor».
Pe. Raniero Cantalamessa