Formação

A Justa Estima de Si

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1 – A IMPORTÂNCIA DO HOMEM CONHECER-SE:

“Conhecer-se a si mesmo é uma necessidade e um dever ao qual ninguém pode subtrair-se.

O homem tem necessidade de saber quem é. Não pode viver, se não descobre que sentido tem sua vida. Arrisca-se a ser infeliz, se não reconhecer sua dignidade” ( Amarás o Senhor teu Deus – Amadeo Cencini – pág. 8 – Edições Paulinas).

Nesta busca de conhecer a si mesmo o homem pode ter um conhecimento errado sobre si mesmo o que poderá levá-lo a sofrer de muita pouca auto-estima, que gera a INSEGURANÇA. Vivemos em um mundo que incentiva a reivindicação do homem para ser autoridade absoluta de conduzir a própria vida, de viver independente de Deus.

É exatamente por sermos homens e religiosos autênticos que precisamos ter uma confiança fundamental em nós mesmos, pois aquele que se sente “incapaz” não pode pensar em conduzir sua vida de forma verdadeira e corajosa. Nem muito menos pode pensar em “perder-se, como lhe convida o Evangelho. Torna-se realmente um problema viver, por sentir-se inadequado e inseguro para assumir a sua missão, o seu batismo, a sua vida cristã e até mesmo para viver uma vocação específica em uma comunidade religiosa.

É uma necessidade fundamental para o homem ter um conceito correto e real de si próprio, pois somente aquele que descobre aonde está o seu verdadeiro valor, permite uma aceitação serena de si mesmo e de suas limitações que lhe proporcionará a segurança necessária para viver a sua vida segundo a vontade de Deus.

É absolutamente indispensável uma auto-imagem verdadeira para que seja substancialmente positiva e sólida, principalmente para aqueles que desejam anunciar a mensagem de fé em Deus e no próprio homem, para aqueles que desejam ser autênticas testemunhas de Deus.

2 – NÍVEIS QUE O HOMEM PODE SE IDENTIFICAR:

2.1. Nível Corporal

2.2. Nível Psíquico ( homem psíquico)

2.3. Nível Ontológico ( homem espiritual)

2.1. NÍVEL CORPORAL:

O nível corporal é a primeira possibilidade teórica de auto-identidade. Este é o nível mais elementar de auto-identificação. É o nível em que a pessoa se identifica pelo seu corpo. O conceito de si mesmo permanece limitado, total ou parcialmente porque dá excessiva importância as precisas habilidades físicas e qualidades estéticas, isto é, a pessoa que se identifica neste nível acha que seu valor como pessoa está no corpo.

Em conseqüência disto a pessoa:

– tem uma preocupação exagerada para manter o corpo sadio, bonito, forte, juvenil, o que a leva a ter uma excessiva preocupação com algum defeito estético, por uma possível doença ou por uma fraqueza orgânica progressível e inevitável.

– tem um excessivo cuidado com a “aparência”: quanto ao vestir e quanto as presumidas qualidades estéticas (contempla a própria beleza).

– tem uma preocupação ingênua e, às vezes, até ridícula, de querer esconder os sinais de envelhecimento.

– tem um cuidado exagerado com a própria saúde (hipocondríaca).

– rejeita ou não aceita tudo o que pode prejudicar a saúde, a beleza e a jovialidade (não aceitam a doença e não sabem envelhecer). Tem dificuldade de perder-se pelo Reino de Deus, de fazer penitência, jejum, de abandonar-se.

– tem preocupação com a potência sexual, com a conquista e o sexo se torna “símbolo da imortalidade”, como uma espécie de ídolo que leva o homem a iludir-se de que não é limitado, de ser todo-poderoso, dominador, fascinante e até mesmo imortal, que lhe fará sentir como uma morte o fato de renunciar o uso do sexo, o relacionamento amoroso.

Podemos entrar numa comunidade vocacional para protegermos o nosso corpo, para termos casa, comida, segurança, saúde, porque ao enfraquecer o seu corpo acha que perdeu o valor como pessoa.

Quem se identifica em nível corpóreo não conseguirá manter o matrimônio eternamente como nos pede o Evangelho, porque não suportará conviver com o outro ao se tornar gordo, magro, velho, barrigudo, desdentado, doente, como também se sentirá muito inseguro no relacionamento quando se sentir perdendo a jovialidade. Os feios, os doentes, os velhos são totalmente rejeitados por esta pessoa, porque para ela não possuem valor.

O namoro será baseado na beleza, na sensualidade. Rejeita o celibato, a pobreza, a renúncia, a penitência, o jejum, a morte, porque é sinônimo de desvalor, já que se identifica a nível corporal.

2.2. NÍVEL PSÍQUICO:

É uma outra possibilidade de nos definirmos, de nos auto-identificar. Este nível é superior ao primeiro e menos superficial. A pessoa que se identifica neste nível, que encontra sua identidade e seu valor neste nível é totalmente apegada as riquezas do ser: os talentos e qualidades.

Exemplo:

– O próprio QI

– A capacidade de sair-se bem numa determinada tarefa

– Afirmação no trabalho e no ministério

– A própria retidão de comportamento ou perfeição moral

A pessoa enfatiza tudo o que possui e que espera conquistar com os “seus próprios meios e maneiras e com suas próprias forças.

Consequentemente terá tal consciência de suas possibilidades e potencialidades, que busca sua auto-realização nisto, acreditando, plena e unicamente ser o criador e senhor de si e dono do que possui.

O homem “psíquico” confia as próprias esperanças de valor nas qualidades, dotes, talentos e só se aceita quando constata que os possui ou na certeza de sair-se bem em muitas coisas.

Sua dignidade e amabilidade dependem da existência, ou não, dessas mesmas qualidades. Baseado nelas, ele se sentirá um fracassado ou um super-homem.

Na sua perspectiva vocacional sua identidade dependerá das suas capacidades. Serão elas que irão sugerir, programar a escolha do estado de vida, profissão e até mesmo da escolha dos valores e critérios pelos quais edificará sua existência (serei capaz – não serei capaz, isto é abafar as aspirações e qualidades da pessoa). Isto o levará a escolher quais conceitos evangélicos viverá porque estes dependerão de suas capacidades ou não. Tem muita dificuldade de se lançar na graça de Deus e na condução do Espírito Santo.

CONSEQÜÊNCIAS:

1. Talento:

– Nunca exige de si mesmo mais do que tem certeza de saber fazer, pois não arrisca a própria imagem para tentar coisas novas e um tanto audaciosas. Então será uma pessoa que terá dificuldade de aceitar as exigências do Evangelho, só aceitará aquelas exigências que estão dentro da sua capacidade de realiza-las.

– Preferem ser medíocre e infantil do que arriscar a sua imagem.

2. Dependência da função:

Dependente do talento a pessoa se torna dependente de uma série de coisas, como:

2.1. Função:

– Apoia-se nela inteiramente, chegando a identificar-se com ela, porque a função lhe garante a possibilidade de mostrar as suas capacidades, os seus talentos, as suas aptidões, onde residem o valor de si mesmo. Perdendo a função perde até mesmo a possibilidade de viver, de existir, de se afirmar e de sentir o seu valor. A assume como uma roupa que não quer tirar mais. Perdendo a função se sente profundamente inseguro, porque é como se perdesse o seu próprio valor como pessoa.

– Não está por nada disposto “sacrificar” suas qualidades, a perder, ainda que só parcial ou momentaneamente, a ocasião de manifestar algumas delas, e no entanto como cristãos ou como consagrados à uma vocação específica não é raro se exigir este tipo de disponibilidade e de renúncia, em vista, de um bem maior ou dos interesses do Reino de Deus. Será muito difícil que tais pessoas tenham esta liberdade interior para renunciar a estas capacidades que são a sua própria segurança e valor. Muitas vezes é exatamente graças a este sacrifício, que uma pessoa descobre ser capaz e dotada também em outros aspectos, percebe que o seu valor não está nestas qualidades, ao contrário as utiliza como meio e nunca como fim.

2.2. Dependência do resultado positivo:

– Quando uma pessoa identifica seu valor com a função sente-se obrigada a ter sucesso em tudo ou a ter bom resultado porque se julga por aquilo que faz ou por aquilo que dá, pela qualidade da função que desempenha, pelos resultados visíveis e positivos. Esta dependência leva a buscar com todas as forças o resultado excelente, dando excessiva importância à toda situação em que a pessoa se exibe. Então ela se identifica com o sucesso, não só tem sucesso, mas ela é o sucesso, devido o mesmo ser uma questão de “sobrevivência” do eu como algo positivo e de valor.

– Sente necessidade não só de saber, de perceber, se possível, de mostrar que possui muitas qualidades, para que também os outros possam valorizá-las positivamente e garantir-lhe o valor, a segurança e o seu lugar no mundo.

– Por causa disto os outros se tornam juízes naturais de sua prestação de serviço, porque na verdade não vive o serviço como uma ocasião de manifesta o dom que é a sua pessoa e sim para manifestar os seus talentos.

– Como o julgamento deles é importante a pessoa procura adequar-se, mais ou menos conscientemente, ao que eles esperam.

– Entrega a própria vida e paz a esses juízes e poderá passar toda a vida a mendigar estima.

2.2.1. Conseqüências da dependência dos outros e dos resultados concretos de tudo o que faz:

– Contamina a pureza do anúncio, da consagração, do serviço a Jesus Cristo, porque não está mais agindo em função do reino, mas do aplauso dos outros.

– Manifesta apenas aquelas qualidades pessoais mais apreciadas pelos outros ou que provocam um imediato impacto no ambiente.

– Dessa forma subestima, esconde e não desenvolve aquelas qualidades pessoais menos apreciadas, menos quotadas, ou que não estão muito na moda, o que gera um atrofiamento no amadurecimento humano, pois nunca dará oportunidade para vencer os obstáculos e as próprias limitações, coisas estas tão necessárias para promover amadurecimento como pessoa humana.

2.3. Horror ao fracasso:

Temerão o fracasso porque ele é uma afronta à própria personalidade, como uma negação do seu valor como pessoa.

Se a sua imagem é diminuída perante os outros a pessoa tem a impressão de não valer mais nada, ou se sente uma pessoa inútil.

2.3.1. Conseqüências:

– Depressão, desconforto com afastamento da situação, juntamente com frases cheias de lamentos e auto-compaixão: Eu não sirvo para nada… Eu bem que avisei não ter capacidade para isto.

– Sentimento de culpa ou de inferioridade, além de admitirem isso diante dos outros porque significa muita desvalorização.

– Sobrevem a raiva-colera súbita, agredindo a situação com palavras cheias de orgulho, de auto-afirmação ou descarrega a culpa em cima dos outros. Neste nível é proibido errar.

2.4. Não aceitação do pecado:

Esta conseqüência se refere mais diretamente à vida espiritual: é a incapacidade de admitir e de aceitar com serenidade o próprio pecado porque também isso é tido como um fracasso ou como uma negação do valor da pessoa.

A santidade é tida sobretudo como uma conquista pessoal, fruto de penosos atos de virtudes e de “meritórios” esforços da vontade, como se fosse possível alguém santificar-se com suas próprias forças ou como se a santidade fosse um bem exclusivamente pessoal, um embelezar o rosto que nos faz parecer melhores do que os outros, e não um dom de Deus para o bem de todos.

A experiência cotidiana do pecado desmente essa pretensão, torna-se frustradora e desperta na pessoa um estranho sentimento de culpa que não é o perfeito arrependimento por ter ofendido a Deus, mas a desilusão, raiva de descobrir-se imperfeito, fraco, limitado, capaz de tanto atos e sentimentos que não são nobres. Reconhecer isto é humilhante demais.

2.4.1. Conseqüências:

Em vez de buscar a perfeição colaborando com a graça de Deus, a pessoa busca avidamente ser perfeccionista, o que gera:

– Escrúpulos e rigidez de comportamento, ilusões e depressões.

– Presunção e ousadia de não ter pecados ou de ter apenas alguma pequena imperfeição, tão pequena que não chega a provocar crises e permite que a pessoa continue se julgando melhor que os outros porque os julga pobres pecadores.

– Perda ou deformação da própria consciência de pecado.

– Impede que a pessoa sinta necessidade da misericórdia dos homens, e muito menos, da de Deus. Impedindo a experiência do perdão de Deus.

2.5. Complexo de Inferioridade:

Enquanto isso, nasce e cresce dentro da pessoa uma perigosa sensação de desvalorização pessoal que poderá tornar-se um verdadeiro e real sentimento de inferioridade, totalmente diferente da virtude da humildade e do reconhecimento da própria pequenez. O sentimento de inferioridade leva a pessoa a se fechar em si mesma por não compreender e perceber aonde se fundamenta o seu valor como pessoa. Será alguém que não consegue ter a exata estima de si e nem muito menos amará a Deus e aos seus irmãos.

Este sentimento gera insegurança, amargura, tristeza, raiva de si e dos outros, inclusive de Deus, ciúmes, inveja, desejos de complicar a vida dos outros, competição ou ao contrário, profunda paralisação.

3. NÍVEL ONTOLÓGICO:

Ter consciência de possuir um corpo saudável, jovial e muitas qualidades é muito importante, mas não é suficiente para dar ao homem o sentido adequado do próprio eu, um sentido substancial e estavelmente positivo da própria identidade, o valor do ser como pessoa.

Para isso é preciso descer a um nível mais profundo: é preciso saber para quem e por que, de que maneira e por quais objetivos, usar o corpo e os talentos e qualidades.

O nível ontológico nos define por aquilo que somos e por aquilo que somos chamados a ser.

Não é mais simplesmente “aquilo que possuímos” (corpo e capacidades) que irá decidir o nosso valor como pessoa, mas “o que somos” no mais profundo de nossa identidade como seres humanos, como cristãos, como batizados, justificados, filhos de Deus e como pessoas consagradas. É uma estima positiva, é um valor que ninguém pode tirar.

Portanto, a pessoa que se identifica a nível ontológico vive de forma diferente, como pessoa livre daquilo que antes buscava ansiosamente para provar o seu valor.

Toda riqueza do nível corporal e psíquico é interpretada e administrada dando-lhe um significado totalmente novo.

Metacorporal (além do corpo)

NÍVEL ONTOLÓGICO

Metapsíquico (além do psíquico)

3.1.METACORPORAL:

O nível corporal é reassumido pela dimensão ontológica e totalmente reinterpretado (além do corpóreo), que não coloca seu valor na dependência do corpo. Vê a realidade do próprio corpo como a fonte única e particularmente positiva de valor pessoal, mas sim como objeto e lugar de doação. Renuncia até a posse de sua vida física e coloca suas qualidades físicas a serviço do valor interior que descobriu como pessoa. O corpo está a serviço do seu ser como pessoa e não mais como um fim em si mesmo. O corpo é importante porque é um meio para manifestar a sua identidade de pessoa, a sua imagem e semelhança de Deus. É um instrumento importante para realizar o dom que é como pessoa. Sem ele a pessoa não poderia ser um dom. Como já vimos o corpo ajuda a pessoa a locomover-se, tomar posse de coisas, cuidar delas, construir outras, escolher e amar, comunicar-se, realizar trabalhos.

A pessoa que se identifica a nível ontológico:

– Já não se preocupa tanto consigo mesma, com a saúde, com seu descanso, com sua beleza, com sua jovialidade e exuberância, com sua aparência, com seu próprio prazer, com a sua própria vida, e com tudo o que isto pode lhe proporcionar. Ex: casa, comida, roupas, remédios…

– Está disposta a arriscar tudo isso, por amor do Reino de Deus.

– Vive cada dia com simplicidade e perseverança, a coragem do martírio, do comprometimento e multiplica as forças, tornando a vida um dom maravilhoso a serviço de Deus e dos outros.

– Ver o próprio corpo e o dos outros como um dom e não como propriedade exclusiva sua, para o seu próprio prazer, para o seu próprio uso. Este entendimento leva a pessoa a interpretar corretamente aquela misteriosa união de corpos que se dá no matrimônio, porque descobriu uma atração pelo outro que não é só corporal e o encontro sexual passa a ser expressão da entrega de si mesmo e do desejo de integração recíproca, de união verdadeira, de comunhão e não mais fonte de prazer pelo prazer. Isto implica maravilha e gratidão, além de provocar prazer e emoção intensa e verdadeira.

– Percebe a virgindade do corpo como dom e nunca como um paradoxo. A sua afetividade e sua vida sexual são projetadas para um mundo de significados que não mais limitam ao corpo. Aliás, o próprio supera a sua dimensão corporal e isto permite amar mais pessoas e com real profundidade, sentir as alegrias mais profundas do relacionamento humano porque percebeu que não é a potência sexual e nem o poder de fascinação conquistadora que fundamentam o valor da pessoa.

Quem se identifica a nível ontológico, além do corpóreo, não tem necessidade de buscar ilusões que o consolem e conseguem dominar as paixões desordenadas porque encontra a razão do seu viver ou morrer naquilo que é chamado a ser como pessoa.

Descobre que a razão verdadeira de viver ou morrer é ser sempre um dom. A vida que é um bem recebido tende “naturalmente” a se tornar um bem doado através da morte. E é nisto que reside o seu valor como pessoa: ser sempre um dom.

Dessa forma vê o enfraquecimento físico, a velhice, a doença, a fraqueza, as limitações e a morte “não como um acontecimento negativo por excelência, sinistro, temido e suportado, maldito e rejeitado e sim como a lógica conseqüência de uma vida vivida plenamente, sem mesquinharias e sem economia de energias, sem temores pagãos de vier menos, e sem a pretensão irreal do próprio bem-estar” (Amarás o Senhor teu Deus – Amadeo Cencini – pág. 49 – Edições Paulinas). Compreendeu que a morte é a oferta suprema de uma vida que se tornou, paulatinamente, dom para os outros e que não tem o poder de destruir o seu valor pessoal porque este ultrapassa a própria morte.

3.2. METAPSIQUICO (além do psiquico):

A pessoa vê a própria realidade psíquica de capacidades e qualidades de um novo ponto de vista, isto é, vê tudo como um dom recebido de Deus e que deve compartilhá-lo com seus irmãos.

3.2.1. Cria-se, primeiramente, na vida da pessoa uma nova hierarquia de valores:

– O que aparece como mais importante e decisivo já não são as próprias qualidades e capacidades, pois as mesmas não são mais aquilo que determina o seu valor como pessoa e de auto-realização.

Reconhece que elas são importantes, originais e significativas, mas se foram usadas em função de alcançar sempre mais o seu valor interior verdadeiro. Compreende que essas qualidades são dons e carismas para a edificação do Reino de Deus ou estão a serviço do carisma vocacional, são um meio e não um fim para se viver melhor a própria identidade vocacional.

3.2.2. Tudo é dom:

Esta nova visão leva a perceber todas as riquezas do nível psíquico tornam-se não mais uma propriedade, mas, sim, um dom, um carisma, são antes de tudo um dom recebido. Fazem parte do dom maior que é a própria vida, a qual não se sustenta por contrato, e sim, pela gratuidade e doação, recebeu seus talentos de graça e constata, cada dia, que tudo o que é, que tem, que faz e oferece, antes o recebeu de Deus.

Deste reconhecimento nasce espontaneamente uma gratidão profunda por aquele que nos cumulou de bens, e com a gratidão, uma alegria serena por todo bem que temos, que não é pouco, e por aquele que vemos nos outros.

Não há lugar para a inveja, para o complexo de inferioridade, competição, ira, desunião e desamor.

A pessoa se aceita: descobre e se alegra com o que tem de positivo e reconhece a sua fraqueza, o seu nada e não se desespera, aprende a conviver com suas dificuldades. Já não é e não precisa ser mais super-herói e nem vítima.

3.2.3. Tudo está a serviço do amor:

A pessoa sabe que além de seus fracassos possui um valor radical e inatacável e torna-se uma pessoa feliz e finalmente livre para amar, para se doar. Livre para perceber que não há nada de mais belo e natural do que colocar suas capacidades à disposição dos outros (parábola dos talentos), porque reconhece que tudo recebeu gratuitamente e que precisa dar tudo de forma gratuita também.

A pessoa que se identifica a nível ontológico na área psíquica:

– Não se vangloria das suas qualidades ou talentos porque sabe que os recebeu gratuitamente de Deus.

– Reconhece que tudo o que tem não é propriedade sua, por isto não o usa para a realização dos seus próprios interesses e projetos pessoais (não se sente dono e administra tudo segundo a vontade de Deus).

– Reconhece que deve colocar seus talentos e capacidades à disposição de todos, o que os leva a crescer e se desenvolver sempre mais.

– Reconhecer que é um dom e deseja sê-lo sempre mais (não coloca limites na doação da sua vida). Aquele que se doa torna-se servo porque há uma profunda relação entre ser dom e ser servo.

O que é ser servo?

– É doar-se aos outros de acordo com os critérios e projetos de Deus e não pelos nossos próprios interesses.

– É amar verdadeiramente o outro em vez de desfrutar, de usar o outro.

– É não retomar aquilo que já foi dado a Deus.

– É deixar-se guiar por Deus, através das suas mediações precisas, como a sua Palavra, a Igreja, o diretor espiritual, os sinais dos tempos, as necessidades dos que nos rodeiam, a família, a comunidade, a regra, as autoridades, etc… (não devemos exigir que as mediações humanas sejam perfeitas, porque toda mediação humana é limitada, mas devemos ter uma atitude de confiança, de realismo, de otimismo e disponibilidade para se abrir e obedecer).

4. ABERTURA TOTAL PARA A RENÚNCIA DAS QUALIDADES E CAPACIDADES:

Deus pode chegar a exigir de nós estas capacidades e qualidades em vista de um bem maior, exatamente, exatamente estas que sentimos que são nossas, que são parte de nós mesmos, principalmente quando as adquirimos com sacrifícios e fomos bem sucedidos por causa delas.

Exemplo: deixar um ministério que temos total unção e bom desempenho, uma atividade que sabemos fazer sem dificuldades, ou um lugar, ou ainda, um cargo que nos dão oportunidade de manifestar nossos talentos.

Somente a pessoa que se identifica a nível ontológico terá a capacidade de fazer esta renúncia que parece um paradoxo sem desespero porque seu valor está fundamentado no seu ser como pessoa e não nas suas qualidades e talentos. Ao contrário esta renúncia revela exatamente aonde está o seu valor verdadeiro.

5. Dar muitos frutos (Jo 15)

A pessoa que interpreta seus dons a nível ontológico é capaz de vivê-los e manifestá-los em toda a sua plenitude, o que fará frutificá-los ao cêntuplo, pois não tem a preocupação de mostrar suas qualidades, nem se deixa paralisar pelo medo de errar ou de fracassar, ou ainda pela ânsia de sempre ter sucesso. Será um pessoa que não enterrará seus talentos e qualidades, ao contrário fá-los-á render o máximo porque deseja manifestá-los somente por querer dar tudo de si, por querer manifestar o dom que é para todos.

A justa estima de si é a imagem correta e real, isto é, em todo o homem e em toda mulher existem virtudes e defeitos, riquezas notáveis e impulsos incoerentes, no entanto o seu valor não está nisto, se encontra no seu ser como pessoa, como filhos de Deus.

A verdadeira imagem do homem está escondida em Deus. O conhecimento sobre nós mesmos e o nosso destino está implicitamente ligado ao conhecimento de Deus e de sua vontade criadora. Quanto mais conhecemos a verdadeira imagem de Deus, mais descobrimos a nossa verdadeira imagem. A essência verdadeira do nosso eu está em nos assemelhar a Deus.

Quando Deus fala de si, de certa forma ele também fala de nós mesmo porque nossa identidade é chamada a se conformar e complementar a identidade dele.

A Palavra de Deus também é fonte de revelação da nossa verdadeira imagem pois através dela descobrimos quem nós somos, de onde viemos e para onde vamos.

E finalmente podemos descobrir a nossa verdadeira identidade, desta vez de uma forma mais pessoal e específica, através de uma vocação religiosa onde a pessoa se descobre única e irrepetível, como também a si mesma e sua missão.

Comunidade Católica Shalom


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