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Qual é a proposta da Igreja para a sua família?

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 Muitos acham que a Igreja é contra o preservativo e a pílula apenas e só porque é antiquada. E se lhe disséssemos que há razões fundamentadas para esta posição, e alternativas bem mais eficazes que o velho método do calendário? Se está a levantar o sobrolho neste momento, abanou a cabeça ou fez um esgar de espanto e incredulidade, continue a ler que vai valer a pena.

casamentoDesde o início da história da Igreja que se fala da importância da família e do número grande de filhos. Fosse por necessidades económicas, fosse por não haver métodos de planeamento familiar eficazes, as famílias ao longo da história apresentavam sempre um grande número de filhos. Não se conhecendo bem a realidade, considerava-se que o homem era o portador da vida e a mulher o terreno fértil onde a sua “semente” era plantada. Isto reforçou as teorias que apontavam como errado certos atos sexuais, como a masturbação, ou algumas posições nas relações sexuais que levavam ao desperdício dessa “semente”.

O crescimento da sociedade e a evolução da ciência permitiu que no final do séc. XIX se descobrisse que a mulher tinha um período fértil e que ela também participava no processo de geração de vida, não apenas o homem. Baseado nesta descoberta, foi pedido às mulheres que procurassem fazer um calendário dos seus períodos férteis e os definissem a partir daí. «A técnica foi útil para muitos casais, mas o ciclo da mulher é variável e influenciado por fatores externos, pelo que o método mostrou-se muito falível», diz-nos Mary Anne d’Avillez, enfermeira que se dedica ao trabalho na área do planeamento familiar.

É dentro de uma sociedade que começa a pensar nas questões do planeamento familiar e da necessidade de planear o futuro da família, fosse porque vivam em zonas urbanas, em casas mais pequenas, ou porque a mulher começava a ganhar uma maior independência, ou porque havia uma mentalidade mais individualista que começou a ganhar forma com o maio de 68 em França, que surge um dos documentos mais polémicos e incompreendidos da Igreja nas últimas décadas: a Encíclica Humanae vitae. «Quando as questões à volta do planeamento familiar se colocaram, no âmbito de buscar uma paternidade responsável, o Papa Paulo VI propôs uma comissão de estudo inovadora naqueles tempos, porque incluía o testemunho de casais de leigos», conta o Pe. José Manuel Pereira de Almeida, coordenador da Comissão Nacional da Pastoral da Saúde.

Pe. José Manuel Pereira de Almeida
Coordenador Nacional da Pastoral da Saúde

Esta encíclica pretendia regular todas as questões relacionadas com o matrimônio e o planeamento familiar, mas as suas ideias e propostas nunca foram plenamente conhecidas, mesmo nos dias de hoje. Criaram-se muitos mitos à volta desta encíclica e do entendimento da Igreja sobre o planeamento familiar. Que as relações sexuais depois do casamento são apenas para procriar é logo o primeiro. O ponto 12 da encíclica fala no duplo significado da relação sexual do casal, o «significado unitivo e o significado procriador». «Na verdade, pela sua estrutura íntima, o ato conjugal, ao mesmo tempo que une profundamente os esposos, torna-os aptos para a geração de novas vidas, segundo leis inscritas no próprio ser do homem e da mulher», pode ler-se no documento. Aliás, a noção de que o ato sexual serve apenas para o prazer do casal, seguros de que não estarão a procriar, aparece mais à frente, no ponto 16. «A Igreja é a primeira a elogiar e a recomendar a intervenção da inteligência, numa obra que tão de perto associa a criatura racional com o seu Criador. […] Se, portanto, existem motivos sérios para distanciar os nascimentos, que derivem ou das condições físicas ou psicológicas dos cônjuges, ou de circunstâncias exteriores, a Igreja ensina que então é lícito ter em conta os ritmos naturais imanentes às funções geradoras, para usar do matrimónio só nos períodos infecundos e, deste modo, regular a natalidade.» Apesar de estar clara a posição da Igreja, as pessoas não a conhecem.

Mas o que significa então ter em conta «os ritmos naturais» do ser humano para o casal poder expressar o seu amor um pelo outro através da relação sexual sem correr o risco de engravidar? Na altura, a única proposta existente era o chamado método do calendário, ou das contas, já referido acima, e isso não foi muito bom. O Pe. José Manuel considera que ainda hoje se faz sentir o peso de uma encíclica que teve «má publicidade», por culpa própria. «Quando a Humanae vitae é aprovada, a proposta que a Igreja tinha era a abstinência periódica regulada por um ciclo com contas feitas aos 28 dias. Essa proposta, que não era nada eficaz, temo que tenha sido uma proposta tão fora das expectativas das pessoas, e com resultados falíveis, que as pessoas disseram “bem, isto é um peso que nos colocam a nós em que eles não estão a ajudar nem com um dedo”, e isso criou resistência ao documento por parte dos casais na altura», considera o sacerdote
Ciente de que a proposta da Igreja tinha falhas nesta área, Paulo VI pediu a médicos e cientistas católicos que procurassem respostas, sem saber que a solução já estava a ser pesquisada na Austrália. John Billings e a esposa eram um casal de médicos a quem o seu pároco pediu que auxiliassem as mulheres da paróquia a utilizarem o método do calendário, na sequência da Encíclica Humanae vitae. Ao verem os resultados tão fracos que obtinham com aquele método, John Billings fez uma investigação profunda e percebeu que a mulher produzia um muco que se revelava em determinadas alturas do mês. Nesse sentido, pediu a 100 mulheres que se disponibilizassem para registarem diariamente a observação desse muco e recolherem urina, a fim de se fazerem análises hormonais. «Ao fim de seis meses, compararam as observações das mulheres com o resultado das análises e viram que havia uma correlação entre o aparecimento do muco fértil e o seu desaparecimento e os períodos de fertilidade. Isso era um sinal direto do que se estava a passar no aparelho reprodutor», explica-nos Mary Anne d’Avillez. Este método revelou-se tão eficaz que a Organização Mundial de Saúde (OMS) pediu ao Dr. Billings que patenteasse o método, a fim de evitar réplicas mal fundamentadas, e assim surgiu um método que, não sendo contracetivo, permite regular os nascimentos à medida dos desejos do casal.

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Mary Anne d’Avillez/Enfermeira

Para além deste, surgiu mais tarde o método sintotérmico, que alia o método Billings à medição diária da temperatura corporal para um diagnóstico complementar. Estes métodos são diferentes dos métodos hormonais ou do preservativo uma vez que os outros métodos são contra a conceção, impedem que ela aconteça ao colocarem uma barreira, no caso do preservativo ou dos dispositivos intrauterinos, ou ao provocarem alterações hormonais na mulher, no caso da pílula. Além disto, respeitam os ritmos do corpo, não introduzem alterações hormonais nas mulheres nem acarretam os riscos para a saúde que vêm descritos na bula da pílula. A aplicação do método Billings é simples, pois apenas necessita de uma observação diária da mulher, e não depende, ao contrário do que se pensa, da regularidade dos ciclos menstruais da mulher, mas carece de instrução para garantir uma aplicação correta. «Esse mito da regularidade tem a ver com o método das contas, que para aqui não interessa nada. A mulher tem de definir como é o seu período infértil, e conhecer o seu corpo. Inicialmente isso pode parecer complicado, mas a certa altura torna-se automático perceber estas diferenças, torna-se parte da rotina diária», defende Mary Anne d’Avillez, que dá formações nesta área. «Os casais que pretendem utilizar estes métodos têm uma primeira sessão de esclarecimento, levam para casa um gráfico que preenchem, e depois vêm a consultas de acompanhamento uma vez por mês durante mais três meses, em que ela traz o gráfico e percebemos se as medições e observações foram bem feitas. Só aí é que consideramos o casal autónomo. Um casal que venha depois reclamar que o método falhou mas nunca veio às consultas de acompanhamento não tem razão, porque quem falhou foram eles, e não o método», sustenta a enfermeira.

Mas se são tão eficazes, porque é que raramente se ouve falar destes métodos? «Há um lobby muito grande dos laboratórios. Repare: é uma mulher saudável que vai tomar um medicamento todos os dias durante anos, portanto estudos a longo prazo sobre os efeitos desses métodos contracetivos não se conhecem muitos e há silêncio nessa matéria, o que é logo um pouco suspeito», critica Mary Anne d’Avillez. O facto é que, dentro da própria Igreja, há silêncio sobre esta matéria. «Há hoje questões de omissão, é verdade. Há pouca preparação geral, e por isso temos de fazer formação, quer de formadores, quer das pessoas, sacerdotes e casais leigos», reconhece o Pe. José Manuel Pereira de Almeida, para quem a Igreja «precisa de compreender a realidade, acompanhar a mentalidade dos tempos novos, sem nunca deixar de perceber que a proposta que fazemos tem uma sabedoria secular que lhe dá credibilidade, mesmo sobre o ponto de vista sacramental».

Mary Anne d’Avillez defende que o CPM deveria abordar obrigatoriamente as questões do planeamento familiar. «É um assunto que deveria fazer parte dos CPM, mas muitos dos casais que estão a dar os CPM não o fazem, e por isso não falam disso», critica esta responsável, para quem a «ignorância» existente é a razão pela qual as pessoas não aderem, não a falta de eficácia do procedimento. Entender as realidades dos casais é o caminho a seguir, para o Pe. José Manuel. «Teremos de pensar na reproposta de uma vida a dois. Sem invasão da vida íntima de cada casal, porque não se deve fazer algo só porque a Igreja diz, mas sim porque o casal percebe que é o melhor bem», afirma o sacerdote, que acrescenta que a Igreja não tem visão limitada das coisas. «Não somos adoradores do método natural, longe disso, apesar de reconhecermos que é a melhor opção para a generalidade dos casos. Mas se o marido está emigrado e apenas vê a mulher poucos dias num ano, ou se por qualquer razão se veem impedidos de estarem sempre juntos, é legítimo que se compreenda essas realidades. O importante é que na base de tudo não esteja uma mentalidade contracetiva, que está ligada ao relativismo e ao individualismo dos dias de hoje, mas uma postura de abertura à vida que o casal deve ter. A criança é, hoje, o último eletrodoméstico a adquirir no caminho de estabilidade do casal, e isso é que está errado», considera o coordenador da Pastoral da Saúde.

São tempos novos, estes. E por isso a resposta da Igreja deve ser adequada. E para isso contribuem os documentos da Igreja, que propõem uma vida em casal estável, responsável, onde a família cresce à medida dos desejos e possibilidades do casal, numa dinâmica em sintonia com o Evangelho. Estão os católicos disponíveis para conhecer e viver esta realidade?


Todas as informações relativas ao método Billings estão disponíveis no sítio Web www.woomb.org.

Fonte: Aleteia/ Artigo originalmente publicado no sítio da Família Cristã dedicado ao Sínodo da Família)


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