Formação

Quem são os famintos e quem são os saciados

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Seguindo este princípio, refletimos hoje sobre a bem-aventurança dos famintos, partindo da versão de Lucas: «Bem-aventurados vós que agora sentis fome, porque sereis saciados». Veremos, em um segundo momento, que a versão de Mateus, que fala de «fome de justiça», não se opõe à de Lucas, mas que a confirma e reforça.

Os que têm fome, na bem-aventurança de Lucas, não constituem uma categoria diferente dos pobres mencionados na primeira bem-aventurança. São os mesmos pobres considerados no aspecto mais dramático de sua condição, a falta de alimento. Paralelamente, os «saciados» são os ricos que em sua prosperidade podem satisfazer não só a necessidade, mas também a vontade ao comer. É o próprio Jesus quem se preocupou em explicar quem são os saciados e quem são os que têm fome. E o fez com a parábola do rico e Lázaro (Lc 16, 19-31). Também esta considera pobreza e riqueza sob a perspectiva da falta ou superabundância de alimento: o rico «celebra todos os dias esplêndidas festas»; o pobre «desejava fartar-se do que caia da mesa do rico».

A parábola, contudo, não explica só quem são os famintos e quem são os saciados, mas também, e sobretudo, por quê os primeiros são declarados bem-aventurados e os segundos desventurados: «Um dia o pobre morreu e foi levado pelos anjos ao seio de Abraão. Morreu também o rico e foi sepultado… no inferno entre tormentos».

A riqueza e a saciedade tendem a encerrar o homem em um horizonte terreno porque «onde estiver teu tesouro, ali estará também teu coração» (Lc 12, 34); agravam o coração com a dissipação e a embriaguez, sufocando a semente da palavra (cf. Lc 21, 34); fazem o rico esquecer que na noite seguinte poderia pedir-lhe contas de sua vida (Lc 16, 19-31); tornam a entrada no Reino «mais difícil que para um camelo passar pelo buraco de uma agulha» (Lc 18, 25).

O rico e os demais ricos do evangelho não são condenados pelo simples fato de serem ricos, mas pelo uso que fazem, ou não, de sua riqueza. Na parábola do rico, Jesus dá a entender que teria, para o rico, um caminho de saída, o de lembrar-se de Lázaro à sua porta e compartilhar com ele sua opulenta comida.

O remédio, em outras palavras, é tornar-se «amigos dos pobres com as riquezas» (Lc 16, 9); o administrador infiel é elogiado por ter feito isso, ainda que em um contexto errado (Lc 16, 1-8). Mas a saciedade confunde o espírito e torna extremamente difícil ir por esta via; a história de Zaqueu mostra como é possível, mas também quão raro é. Daí o porquê do «ai» dirigido aos ricos e aos saciados; um «ai!», ao contrário, que é mais um «atenção!» que um «malditos!».

Frei Raniero Catalamessa


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