Nesta terceira e última meditação, deixando já os profetas e João Batista, concentramo-nos exclusivamente no ponto de chegada de tudo: o «Filho». A partir desta perspectiva, o texto de Hebreus evoca a parábola dos vinhateiros infiéis. Também ali, Deus envia primeiro servos; depois, «por último», envia o Filho, dizendo: «Irão poupar o meu filho» (Mt 21, 33-41).
No capítulo do livro sobre Jesus de Nazaré, o Papa ilustra a diferença fundamental entre o título «Filho de Deus» e o de «Filho». O simples título de «Filho», ao contrário do que se poderia pensar, é muito mais rico de significado que «Filho de Deus». Este último chega a Jesus após uma longa lista de atribuições: assim havia sido definido o povo de Israel e, singularmente, seu rei; assim se faziam chamar os faraós e os soberanos orientais, e de tal forma se proclamará o imperador romano. Por si, não teria sido suficiente esse fator para distinguir a pessoa de Cristo de qualquer outro «filho de Deus».
É diferente o caso do título de «Filho», sem outro acréscimo. Aparece nos evangelhos como exclusivo de Cristo e é com ele que Jesus expressaria sua identidade profunda. Depois dos evangelhos, é precisamente a Carta aos hebreus que testemunha com mais força este uso absoluto do título «o Filho»; está presente nela cinco vezes.
O texto mais significado no qual Jesus se define como «o Filho» é Mateus 11, 27: «Tudo me foi entregue por meu Pai, e ninguém conhece o Filho senão o Pai, e ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar». A frase, explicam os exegetas, tem clara origem aramaica e demonstra que os desenvolvimentos posteriores que se lêem a esse respeito, no evangelho de João, têm sua origem remota na própria consciência de Cristo.
Uma comunhão de conhecimento tão total e absoluta entre Pai e Filho, observa o Papa em seu livro, não se explica sem uma comunhão ontológica ou do ser. As formulações posteriores culminantes na definição de Nicéia são, portanto, desenvolvimentos ousados, mas coerentes com o dado evangélico.
A prova mais forte do conhecimento que Jesus tinha de sua identidade de Filho é sua oração. Nela, a filiação não está apenas declarada, mas vivida. Pelo modo e a freqüência com que recorre na oração de Cristo, a exclamação Abba dá testemunho de uma intimidade e familiaridade com Deus sem igual na tradição de Israel. Se a expressão se conservou na sua língua original e se converteu na característica da oração cristã (Ga 4, 6; Rm 8, 15) é porque houve o convencimento de que se tratou da forma típica da oração de Jesus .
Frei Raniero Catalamessa