A Igreja não se recebe de si. A sua origem está em Deus Trindade. Tomando consciência desta sua dependência radical, os crentes, as comunidades eclesiais, a Igreja percebem, como dizia Bento XVI aos bispos portugueses, que a sua missão não é falar de si, mas de Deus – pois o que está em causa não é o anúncio de si, mas do Evangelho do Reino de Deus. Ora, perceber isto liberta: do medo do mundo e das suas opiniões; da falsa segurança das próprias opiniões, quando contrárias ao ensino da Igreja; da pretensão de «fundar» a Igreja a partir de si próprio e da originalidade das próprias ideias… A Igreja recebe-se de Deus Trindade; o crente, como crente, recebe-se de Deus na Igreja. Pretender algo diferente, é edificar no vazio do próprio orgulho e renunciar à identidade cristã. Receber-se de Deus Trindade é também uma responsabilidade. Os cristãos e a Igreja devem ser no mundo à imagem daquele de Quem se recebem: Amor. Mas, porque pecadores, não podem ser senão imagem imperfeita, pecadora… A divisão dos cristãos testemunha este pecado e chama todos os crentes à responsabilidade da conversão a Cristo e, n’Ele, a Deus Amor.
2. A unidade dos cristãos
É um pedido insistente da Igreja, este pela unidade dos cristãos, pois há uma consciência cada vez maior da urgência desta unidade. Urgência de unidade na oração, na ação, no compromisso social, na promoção dos valores cristãos… mas também, e como corolário, urgência da plena unidade visível da Igreja, na legítima pluralidade de modos de viver a adesão a Cristo e o anúncio do seu Evangelho. A unidade no âmbito da oração, da ação ou da promoção dos valores cristãos já é, felizmente, vivida em muitos casos; todos reconhecem, porém, que a plena unidade visível (ou seja, as diversas Igrejas cristãs e comunidades eclesiais apresentarem-se ao mundo como uma única Igreja de Cristo) não é para já e, sobretudo, não será fruto apenas da vontade dos homens – só o Espírito Santo poderá inspirar o quando e como desta plena unidade, sem a qual Cristo continuará a aparecer dividido perante o mundo.
3. Frutos do ecumenismo
O compromisso da maior parte das Igrejas e comunidades eclesiais com o ecumenismo tem dado frutos, mais abundantes do que pode parecer. Antes de mais, e talvez o mais importante, o próprio diálogo ecumênico: depois de séculos de costas voltadas, de insultos e excomunhões mútuas, de perseguições, por vezes violentas, as Igrejas e comunidades eclesiais falam entre si. Este diálogo não pode ser menosprezado, mesmo como exemplo para o mundo: se gente que andou séculos a odiar-se consegue agora conversar pacificamente, como não ver nisto um sinal de esperança para os ameaçadores antagonismos políticos e religiosos atuais? E este diálogo, por sua vez, deu frutos abundantes, até nas questões mas discutidas: uma declaração conjunta sobre o tema da fé e da salvação (entre a Igreja Católica e a Federação das Igrejas Luteranas, à qual outras Igrejas também já aderiram); discussões pacíficas e abertas sobre o papel de Maria, mãe de Jesus, na história da salvação; uma declaração das Igrejas Ortodoxas e Católica, tendo como tema central a relação entre as sedes patriarcais ortodoxas e a sede de Roma, à luz do primeiro milênio do cristianismo… Tudo leva o seu tempo, mas o caminho ecumênico é o caminho da paciência pessoal e eclesial, à imagem de Deus, «paciente e misericordioso».
4. Orar pela unidade dos cristãos
Ser comunidade de amor e, assim, espelho de Deus-Amor: Pai, Filho e Espírito Santo. A unidade dos cristãos é essencial para a realização plena deste modo de ser Igreja. A oração pela unidade dá testemunho da consciência pessoal e colectiva dos cristãos de que o atual «modo de ser Igreja» ainda não realiza plenamente o seu «dever ser». Isto não tira nada à afirmação da Igreja Católica de que nela subsiste a plenitude da Igreja de Cristo. Lembra, simplesmente, que esta plenitude teologicamente afirmada não dispensa, antes torna ainda mais urgente o empenho para que se cumpra a oração de Cristo: «que todos sejam um só, como Tu, Pai, estás em Mim e Eu em Ti; para que assim eles estejam em Nós e o mundo creia que Tu Me enviaste» (João 17, 21).
Fonte: Ecclesia
jan/2008