Formação

Que tipo de fé?

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Em Cristo Jesus o que torna eficaz não é a circuncisão nem a incircuncisão, mas a Fé potencializada através da Caridade (Gal. 5,6)
A tradução deste trecho da Carta de São Paulo aos Gálatas é tarefa muito delicada, por estarmos no centro da teologia paulina sobre a Salvação. O apóstolo está respondendo à pergunta crucial sobre o significado de Cristo na vida da Igreja nascente. O contesto é o do conflito: de um lado os cristãos que queriam tornar obrigatória a circuncisão de todos os cristãos, mesmo os de origem pagã; de outro os cristãos que queriam abolir a circuncisão. As acusações mútuas eram várias, entre as quais muitas giravam em torno da liberdade do Cristão. Os gentio-cristãos eram acusados de imoralidade em nome da liberdade cristã. Os judeo-cristãos eram acusados de destruir a liberdade cristã impondo a Lei Mosaica aos cristãos.
Paulo recupera a importância da liberdade cristã que implica em não se tornar escravo da imoralidade e ao mesmo tempo em não se tornar escravo da Lei Mosaica. Estas duas negações não explicam, porém, a vida cristã e sua liberdade. Paulo apresenta, então, a frase que sintetiza sua soterologia: a Fé potencializada através da Caridade. Com “potencializada” traduzimos evnergoume,nh. Este vocábulo indica no Novo Testamento principalmente uma ação sobrenatural.
Fazendo uma análise gramatical, é interessante que o apóstolo não use o agente da passiva u`po, para dizer que a Fé é potencializada sobrenaturalmente “pela” Caridade, mas prefere usar um complemento de meio dia, (d’avga,phj): “através da” Caridade. De fato, se se tratasse de agente da passiva, eliminando “caridade”, o resultado “fé” também desapareceria. Isto significa que Paulo está considerando a existência também de uma espécie fé que ainda não tenha sido potencializada através caridade. Ele provavelmente estava se referindo a pessoas que diziam acreditar em Cristo, mas não viviam a caridade e por isso permaneciam na superficialidade e portanto ainda não tinham abraçado o poder sobrenatural da Caridade de Cristo. Eram cristãos, mas ainda não tinham acolhido o centro da graça que Cristo veio trazer. Ainda não tinham entrado no “mistério” (para usar um conceito que S. Agostinho unirá intimamente ao de “Caridade”).
A este ponto gostaria de fazer uma atualização do texto sagrado e abordar a problemática das novas divisões na túnica de Cristo. Vejo em muitos de nossos irmãos protestantes, principalmente os pentecostais norte-americanos, já espalhados por todo o mundo, que se colocam radicalmente separados, uma fé ainda não potencializada através da Caridade de Cristo. De fato, o que conta nas várias denominações oriundas deste fenômeno, que arrebanha sobretudo católicos despreparados, é a “aceitação de Jesus”. Na verdade, o amor de Deus é pregado, mas ele só vale para quem “aceitar Jesus”. Fora disto está o inferno a engolir a todos, principalmente os católicos. Este são considerados os mais perdidos de todos. Trata-se de um protestantismo claramente anti-católico. Não queremos aqui fomentar um sentimento anti-protestante, o que seria o erro inverso, mas é preciso levar a questão a sério. Respeitar nossos irmãos protestantes não é permanecer na ingenuidade enquanto milhões de católicos abandonam a tradição milenar da sua Igreja para “aceitar Jesus”. De Fato, eles já aceitaram Jesus na Igreja Católica. O que acontece é que são obrigados, muitas vezes de maneira violenta, mesmo se incruenta, em nome de “aceitar Jesus”, a negar Maria e a Igreja. Sabemos que Jesus é inseparável da sua Mãe e da sua Esposa, a Igreja.
Deus, em seu amor, tem misericórdia não só para os protestantes, mas para todos os homens de boa vontade. Isto, porém, não nos isenta do grave mandato evangélico “ide e evangelizai”. Nesta missão está hoje implícita a nova evangelização, ou seja, a conscientização dos católicos dos dons que já possuem por seu batismo: Jesus, Maria e a Igreja.
Minha exortação não deve ser tomada como direcionada aos protestantes, mas a nós católicos que, muitas vezes, permanecemos na nossa comodidade, aplaudindo nossos irmãos protestantes que continuam sua obra de proselitismo. “É melhor do que nada…” dizemos.
A evangelização católica é algo profundo que está ligado intimamente à Caridade de Cristo, conhecedor e respeitoso do ser humano. Há dois mil anos a Igreja incultura o Evangelho em várias partes do mundo. O resultado é uma Fé harmoniosa com o contexto cultural de cada povo.
O proselitismo protestante repete incansavelmente o modelo americano em todos as partes do mundo, de modo a configurar-se a um verdadeiro neo-colonialismo. Não é pequena a violência que sofre nosso povo brasileiro, em suas raízes já profundamente católico, pelo proselitismo protestante.
Espero que este artigo não seja interpretado como um passo atrás no ecumenismo. A fim de se construir uma unidade concreta, é preciso partir da verdade e da clareza. A Caridade de Cristo nos impele a amar nossos irmãos protestantes, mas também a desaprovar sua ação devastadora. Amar e respeitar não é ser ingênuo, mas estar disposto a dialogar na sinceridade.
Uma ação ecumênica interessante seria promover o estudo dos vários pontos em comum que temos com a teologia de Lutero, que os protestantes proselitistas ignoram sistematicamente. Se estudassem Lutero, ou mesmo o Anglicanismo clássico, estariam muito mais próximos dos irmãos católicos. Eis a grande diferença entre o ecumenismo europeu e o desafio do ecumenismo na América Latina.

Marcos Augusto Ferreira Nobre
Revista Shalom Maná – Ed. Shalom


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