Formação

De punhos cerrados

comshalom

Márcia Fernanda Moreno

Quem já não passou pela dúvida de ir ou não rezar, entre o desejo de Deus e o medo de pôr-se à escuta da sua vontade, o medo do que Ele irá pedir, das ofensas que sabemos que cometemos e da mudança que o seu amor nos impelirá a tomar?

Sempre esses caminhos se cruzam dentro de nós: o medo e o desejo de rezar. Mas é o medo de Deus ou medo de nós? Deixo essa para você responder. Há alguns dias estava me sentindo sem norte, então fui recorrer à Presença Eucarística do Senhor e, ao chegar diante dele, o sentimento de que eu estava de “punhos cerrados” tomava meu coração. Isso fazia-me presa, fria, recuada. E na medida em que eu ia expondo a minha dor, meus medos, desejos… ia me acalmando como criança no colo da mãe, os punhos iam se abrindo, a paz voltando e a certeza de que o convite de Jesus: “Vinde a mim vós todos que estais cansados sob o peso do fardo e eu vos darei descanso” (cf. Mt 11,28) é verdadeiro porque Deus e os seus mandamentos não esmagam as pessoas, apesar de serem exigentes.

Recorri ao Santíssimo Sacramento outros dias e via que os punhos iam se abrindo e a grande surpresa era que se abriam não para dar, para receber. Que a antiga e sempre nova realidade de Deus só recebemos diante do mistério eucarístico; Deus me dá, Deus se dá.

Lembro-me da Homilia do nosso Papa Bento XVI em que meu coração explodia de alegria ao ouvi-lo dizer com tanta convicção: “Não tenham medo de Cristo! Ele não tira nada, concede tudo.”

Não tenhamos medo da oração, talvez nos enganamos porque achamos que orar é fácil, mas não é! Assim como viver não é fácil. Orar é viver! E como diz um grande teólogo, vive-se como se reza!

Não existe contemplativo de um período só, assim como não há cristão em tempo parcial nem homens em período parcial.

Desde o dia em que acreditamos em Cristo e o reconhecemos como o Senhor, não há nenhum momento – despertos, dormindo, andando, sentando, trabalhando, aprendendo, comendo, brincando – que não seja marcado pelo toque de Deus em nós, que não seja vivido em nome de Jesus, por inspiração do Espírito Santo.” (Prayer by Abhishi Ktenancia Delh, 1967).

O olhar de Deus nos abre, nos faz viver, impulsiona a vida a “combater o bom combate e guardar a fé” (cf. 2 Tm 4,7).

Travamos um combate todos os dias e diante dele podemos sucumbir ou reagir, e só em Deus reagimos, pois está reservada para cada um de nós a coroa da justiça.

Se estamos sem Deus seremos como o povo de Israel em seu pecado de idolatria, ficando com as mãos abertas, porém vazias.

“Comerão, mas não ficarão saciados, prostituir-se-ão, mas não se multiplicarão, porque abandonaram a Iahweh para se entregarem à prostituição.” (Os 4,10).

Corramos para o olhar vivificador de Deus. Busquemos somente Nele a alegria de viver, a verdade acerca de nós, o perdão para as nossas faltas; ninguém, pessoa alguma poderá nos preencher, alegrar e perdoar como Ele. Tiremos dos outros as nossas expectativas e exigências. Esperemos nele e então poderemos dizer como o salmista: “procurai e vede como o Senhor é bom”(XXX).

Façamos a experiência ímpar de colocar-nos diante de Deus e deixar que o seu amor a cada dia nos torne livres interiormente. O caminho para a verdadeira liberdade gera amor, livres podemos amar, podemos sair de nossas cadeias, não há nada mais libertador do que a força do amor de Deus. Vemos tantas coisas fantásticas, poderosas, fascinantes, mas nada é mais atual e belo do que a experiência do amor de Deus que nos impulsiona a amar o outro. Não esperemos ser curados dos nossos traumas para começar a amar (não perca tempo!) porque há feridas que só o amor cicatriza, amando somos curados, sem amar ficamos paralisados, carcomidos pelo peso da nossa dor. O amor nos dá coragem de abrir os nossos punhos cerrados para acolher o que o Pai reservou para nós.

“Uma vida imersa em oração é uma vida de mãos abertas, em que você não se envergonha da sua fragilidade, mas percebe que é mais perfeito um homem se deixar guiar pelo Outro do que procurar prender tudo nas mãos”. Desejo-te boa viagem neste caminho de liberdade interior.

Sugestão de leitura

Philipe, Jacque. A liberdade interior. Tradução: Maria Emmir Oquendo Nogueira. Fortaleza: Shalom, 2004.

Fonte: Arquivo Shalom


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