Formação

Obediência e autoridade

comshalom

obediência DeusObedecer a Deus é algo que se dá muito com freqüência. Quanto mais se obedece, mais se multiplicam as ordens de Deus, porque Ele sabe que este é o dom mais belo que pode dar, o que concedeu a seu Filho predileto, Jesus.

Quando Deus encontra uma alma decidida a obedecer, então toma sua vida nas mãos, como se toma o timão de uma embarcação, ou como se tomam as rédeas de um carro. Ele se converte em verdadeiro, e não só em teoria, em “Senhor”, em quem “rege”, quem “governa” determinando, pode-se dizer, momento a momento, os gestos, as palavras dessa pessoa, seu modo de utilizar o tempo, tudo.

Esta “direção espiritual” exerce-se por meio das “boas inspirações” e com mais frequência ainda nas palavras de Deus da Bíblia. Lês ou escutas passagens da Escritura e eis aqui uma frase, uma palavra, ilumina-se. Sentes que te interpela, que te indica o que há que fazer. Aqui decide-se obedecer a Deus ou não. O Servo de Javé diz de si em Isaías: “Manhã após manhã desperta meu ouvido para escutar como discípulo” (Is. 50,4). Também nós, a cada manhã, na Liturgia das Horas ou da Missa, deveríamos estar com o ouvido atento. Nela há quase sempre uma palavra que Deus dirige-nos pessoalmente e o Espírito não deixa de atuar para que se reconheça entre todas.

Apresentar os assuntos a Deus

Esta via da obediência a Deus não tem, por si, nada de místico ou extraordinário, mas está aberta a todos os batizados. Consiste em “Apresentar os assuntos a Deus”, segundo o conselho que um dia deu a Moisés seu sogro Jetro (Cf. Ex 18,19). Eu posso decidir por mim mesmo tomar uma iniciativa, fazer ou não fazer uma viagem, um trabalho, uma visita, um gasto, e depois, uma vez decidido, rogar a Deus pelo êxito do assunto. Mas se nasce em mim o amor da obediência a Deus, então atuarei de forma diferente: perguntarei a Deus, com o meio simplíssimo que é a oração, se é sua vontade que eu realize essa viagem, esse trabalho, aquela visita, aquele gasto, e depois o farei ou não, mas já será, em todo caso, um ato de obediência a Deus, e não já uma livre iniciativa de minha parte.

Atuando assim, de fato, submeti o assunto a Deus, despojei-me de minha vontade, renunciei a decidir só e dei a Deus uma possibilidade de intervir, se quiser, em minha vida. O que agora decida fazer, regulando-me com os critérios ordinários de discernimento, será obediência a Deus.

Como o servidor fiel não toma jamais a iniciativa nem atende uma ordem de estranhos sem dizer: “Devo escutar antes meu patrão”, igualmente o verdadeiro servo de Deus não empreende nada sem dizer-se a si mesmo: “Devo orar um pouco para saber o que quer meu Senhor que eu faça!”. Assim se cedem as rédeas da própria vida a Deus! A vontade de Deus penetra, desta forma, cada vez mais capilarmente no tecido de uma existência, embelecendo-a e fazendo dela um “sacrifício vivo, santo e agradável a Deus” (Rm 12,1). Toda a vida converte-se em uma obediência a Deus e proclama silenciosamente sua soberania na Igreja e no mundo.

Deus – dizia São Gregório Magno – “às vezes nos adverte com as palavras, às vezes, ao contrário, com os fatos” (1), isto é, com os acontecimentos e as situações. Existe uma obediência a Deus – com freqüência entre as mais exigentes – que consiste simplesmente em obedecer às situações. Quando se viu que, apesar de todos os esforços e os rogos, há em nossa vida situações difíceis, às vezes até absurdas e – em nossa opinião – espiritualmente não produtivas, que não mudam, é necessário deixar de “dar murros contra a parede”, e começar a ver nelas a silenciosa, mas resoluta vontade de Deus em nós. A experiência demonstra que só depois de ter pronunciado um “sim” total e desde o profundo do coração à vontade de Deus tais situações de sofrimento perdem o poder angustiante que têm sobre nós. Vivemo-las com mais paz.

Um caso de difícil obediência às situações é o que se impõe a todos com a idade, ou seja, a aposentadoria da atividade, o cessar da função, ter de passar o testemunho a outros deixando talvez incompletos e suspensos projetos e iniciativas em andamento.

Certamente não se trata de ironizar sobre uma situação delicada, ante a qual ninguém sabe como reagir até que não chegue. Esta é uma das obediências que mais se aproximam à de Cristo em sua Paixão. Jesus suspendeu o ensinamento, truncou toda atividade, não se deixou reter pelo pensamento de o que acontecerá com seus discípulos; não se preocupou de que seria de sua palavra, confiada, como estava, unicamente à pobre memória de alguns pescadores. Nem sequer deixou reter pelo pensamento de que deixava sozinha uma Mãe. Nenhum lamento, nenhum intento de fazer mudar a decisão ao Pai: “Para que o mundo saiba que amo o Pai, e que faço segundo o Pai me ordenou. Levantai-vos – disse –, vamos” (Jo 14,31).

Maria, a obediente

Antes de terminar nossas considerações sobre a obediência, contemplemos um instante o ícone vivo da obediência, aquela que não só imitou a obediência do Servo, mas que a viveu com Ele. Santo Irineu escreve: “Paralelamente (entende-se Cristo novo Adão), encontra-se que também a Virgem Maria é obediente, quando diz: ‘Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim segundo tua palavra’ (Lc 1,38). Como Eva, desobedecendo, converteu-se em causa de morte para ela e para todo o gênero humano, assim Maria, obedecendo, converteu-se em causa de salvação para ela e para todo o gênero humano” [2]. Maria se assoma à reflexão teológica da Igreja (estamos, de fato, na presença do primeiro esboço de mariologia) através do título de obediente.

Também Maria obedeceu com segurança a seus pais, à lei, a José. Mas não é nestas obediências nas quais pensa Santo Irineu, mas em sua obediência à palavra de Deus. Sua obediência é a antítese exata à desobediência de Eva. Mas – outra vez – a quem desobedeceu Eva para ser chamada a desobediente? Certamente não a seus pais, dos que carecia; tampouco ao marido ou a alguma lei escrita. Desobedeceu à palavra de Deus! Como o “Fiat” de Maria situa-se, no Evangelho de Lucas, junto ao “Fiat” de Jesus no Getsêmani (Cf. Lucas 22,42), assim, para Santo Irineu, a obediência da nova Eva coloca-se junto à obediência do novo Adão.

Sem dúvida Maria terá recitado ou escutado, durante sua vida terrena, o versículo do Salmo no qual se diz a Deus: “Ensina-me a cumprir tua vontade” (Sl 142,10). Nós dirigimos a Ela a mesma oração: “Ensina-nos, Maria, a cumprir a vontade de Deus como a cumpriste tu!”.

[1] S. Gregório Magno, Omelie sui vangeli, 17,1 (PL 76, 1139).

[2] S. Ireneu, Adv. Haer. III, 22,4.

Frei Raniero Cantalamessa

Formação Shalom


Comentários

Aviso: Os comentários são de responsabilidade dos autores e não representam a opinião da Comunidade Shalom. É proibido inserir comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem os direitos dos outros. Os editores podem retirar sem aviso prévio os comentários que não cumprirem os critérios estabelecidos neste aviso ou que estejam fora do tema.

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *.

O seu endereço de e-mail não será publicado.

  1. Frei Cantalamessa é a expressão tão doce e cheio de alegria do nosso São Francisco Como me agrada escutá-lo e ler seus livros! Deus o abençoe!!!