Formação

Maria Mãe de Deus

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Exclamou[Isabel] em alta voz, […] De onde me provém que me venha visitara mãe do meuSenhor? (Lucas 1:42‑3)

 

Em toda a história, principalmente durante os séculos IV eV, o fundamento básico do pensamento sobre Maria foi paradoxal: Virgem e Mãe,Mãe Humana de Deus, Theotokos. O mais compreensível vocábulo inventado paradesignar Maria no cristianismo do Oriente ‑ e na opinião de muitos o maisproblemático certamente foi o título de Theotokos. Esse título não possuía osignificado simples de "Mãe de Deus"; como é traduzido usualmente naslínguas ocidentais (MaterDei em latim e, portanto, em todas as línguas latinas;Mutter Gottes em alemão), mas o significado mais preciso e completo de"aquela que deu à luz Deus" (portanto, Bogorodica em russo, naslínguas derivadas do russo e outras línguas eslavas e, mais raramente porém demodo mais preciso, Deipara em latim). Apesar de a história lingüística dotítulo permanecer obscura, tudo leva a crer que esse foi um vocábulo cunhadopelo cristianismo e não, como se poderia supor, a adaptação de um títulooriginariamente atribuído a uma deusa pagã para servir aos propósitos cristãos?Esse vocábulo aparece em alguns manuscritos de obras de Atanásio.’ No entanto,as evidências textuais deixam dúvidas sobre a freqüência com que Atanásio usavao título Theotokos aplicado a Maria." De qualquer forma, o emprego dotermo recebeu corroboração negativa por causa dos ataques à Igreja feitos peloimperador Juliano, "o apóstata"; durante a vida de Atanásio, criticandoa superstição dos cristãos ao invocar a Theotokos.

 

           No século V, o temor de unir as naturezas divina e humana na pessoa de Cristolevou Nestório, patriarca de Constantinopla, a determinar que, por ser apenashumana a natureza de Maria, ela não poderia ser chamada Theotokos, pois issodaria a blasfema impressão de que ela dera à luz a própria natureza divina, eque essa designação soaria como um título atribuído às divindades‑mães pagãs.Portanto, ela deveria ser chamada de Chrisatotokos, "aque­la que deu à luzo Cristo" : Em 431, pouco mais de um século depois de a religião cristãfinalmente ter se tornado um culto legalizado [ religio licita] por meio doEdito de Milão, um concílio de bispos cristãos se reuniu em Éfeso‑cidade quefora centro da florescente devoção à deusa grega Ártemis, ou Diana Foi emÉfeso, em uma cena descrita no livro dos Atos dos Apóstolos, que seus devotosse revoltaram contra São Paulo e outros apóstolos cristãos, bradando"Grande é a Diana dos Efésios!”.  Ali, reunidos na grande igrejadupla de Maria, cujas ruínas ainda podem ser vistas, eles solene­ menteproclamaram ser um dever obrigatório a todos os crentes atribuir a Maria otítulo de Theotokos, tornando dogmaticamente oficial aquilo que a devoçãoortodoxa já afirmara. Nas palavras do primeiro Anatematismo de Cirilo deAlexandria contra Nestório: alguém não confessar que Emanuel é verdadeiramenteDeus e .portanto a Santa Virgem é a mãe de Deus [Theotokos] ‑pois dela nasceude modo carnal e como a Palavra de Deus revestida ‘ carne ‑ que sejaexcomungado" Além disso, foi em honra da proclarnação de Maria comoTheotokos pelo Concílio de Éfeso  que, logo após esse sínodo, o papa SixtoIII construiu o mais importante santuário dedicado a Maria no Ocidente, aBasílica de Santa Maria Maior, em Roma. Seus famosos mosaicos da anunciação e da manifestaçãodivina deram forma artística a essa definição .Séculos depois, João de Damascoiria sumarizar a ortodoxia e título especial: "Pois é com justiça everdade que nós investia sagrada Maria com o título de Theotokos. Essadesignação oba todo o mistério do desígnio divino [ to mysterion tes oiko ‘as]. Pois se ela, que deu à luz o Cristo, é a Theotokos, certa"`’ te ele,que dela nasceu, é Deus e também homem […] Na realidade, o vocábulo[Theotokos] indica a vida, as duas naturezas e os dois processos da geração denosso Senhor Jesus Cristo’.  De acordo com a argumentação de outro de seusescritos, ela foi representada nos ícones como a Theotokos e, portanto,substituta agradável a Deus do culto pagão aos demônios." Ao mesmo tempo,os defensores dos ícones insistiam que "quando adoramos  imagem, nósnão a encaramos como uma deusa [ thean] à maneira pagã [Hellenikos], mas simcomo a Theotokos".

 

Esse pensamento percorrera um longo caminho desde que iafora considerada a segunda Eva.Foi provavelmente o maior feito em toda ahistória da linguagem e do pensamento a respeito de Maria, e por isso o estamosanalisando neste livro. Como e por que chegou ela tão longe, tão depressa? Ostextos sugerem que há pelo menos três aspectos na resposta dessa questãohistórica: o crescimento do título Theotokos; juntamente com o título, oaumento da observância litúrgica denominada "a comemoração de Maria";a profunda percepção da necessidade de identificar uma pessoa total mentehumana como a coroação da criação, porquanto fora declarada inadequada essaidentificação com Jesus Cristo, pois ele era c eterno Filho de Deus e SegundaPessoa da Trindade, explicação de certo modo especulativa sobre o título e afestividade."

 

As origens do título "Mãe de Deus" são obscuras.A despeito dos esforços de Hugo Rahner e outros," não há evidênciasincontestáveis de que ele tenha sido usado antes do século IV apesar dacategórica afirmação de Newman de que "o título Theotokos, ou Mãe de Deus,era comum entre os cristãos dos primeiros tempos’:’‑" O que fica bem claroé que os primeiros exemplos absolutamente autênticos do emprego dessadesignação vieram de Alexandria, cidade de Atanásio. Alexandre, patrono de Atanasioe seu predecessor imediato no bispado dessa cidade, referiu‑se a Maria comoTheotokos em sua encíclica sobre a heresia de Arius, escrita por volta de319.’6 Por várias evidências, inclusive os já citados escárnios de Juliano, oApóstata, contra o termo "Theotokos" parece-nos razoável concluirque, poucas décadas depois, o título já gozava de grande aceitação entre osdevotos e fiéis de Alexandria e outras cidades. A história não corrobora demodo direto as modernas teorias sobre as "deusas‑mães” do paganismo greco‑romanoe seu suposto significado no desenvolvimento do culto cristão a Maria’:"Aparentemente, o termo "Theotokos" era uma criação originariamentecristã, que nasceu na linguagem da devoção cristã a Maria como mãe do divinoSalvador e que, finalmente, recebeu justificativa teológica pelosesclarecimentos da Igreja contidos nos testemunhos ortodoxos relacionados aesse assunto.

 

Essafoi a justificativa de Atanásio, que passou toda a sua vida insistindo em que,para ser o Mediador entre o Criador e a criatura, Cristo, o Filho de Deus,precisava ser Deus no total e inequívoco sentido da palavra: "Ele pode serconhecido apenas por meio de Deus’; como no refrão de muitos padres da Igrejaortodoxa. Esse conceito realmente aparece "de modo incoativo" em suabreve declaração sobre "a finalidade e o caráter das SagradasEscrituras" que contém "uma dupla consideração [diple epangelia]sobre o Salvador ele sempre foi Deus e é o Filho de Deus, Logos, Resplendor eSabedoria do Pai. E pela carne de uma virgem, Maria, a Theotokos, foi feitohomem para nos salvar’:" Mas a explicação teológica "duplaapreciação" foi bem além dessa sumária declaração. A maior parte darecente controvérsia sobre a teologia de Atanásio aborda a questão concernenteà atribuição de uma alma humana a Cristo ou à aceitação da idéia de suaencarnação como a soma do Logos‑mais‑carne que passou a ser considerada umaheresia apolinarista. No entanto, essa controvérsia algumas vezes obscureceuseu trabalho pioneiro na elaboração da "comunicação dasPropriedades",  princípio que postulava a idéia de que, comoconseqüência da encarnação e da união da natureza divina com a natureza humanana pessoa de Jesus Cristo, seria legítimo proclamar as propriedades humanas doLogos e o caráter divino do homem Jesus; por exemplo, seria lícito falar do"sangue do Filho de Deus" ou do "sangue do Senhor"; oumesmo, de acordo com alguns manuscritos do Novo Testamento, do "sangue deDeus’.

 

Como sugeriu Alloys Grillmeier, não foi por causa dosdebates sobre o título Theotokos, nas duas primeiras décadas do século ‘."que a discussão da assim chamada communicatio idiomatum ‘; concernente aCristo começou’; apesar da linguagem sugestiva "empregada desde as erasapostólicas, sem grandes problemas’:" No entanto, a posição de Atanásionesses debates parece ter uma importância maior que a atribuída por Grillmeier,que citou passas nas quais Atanásio "obviamente encara o Logos como overdadeiro agente pessoal dos atos decisivos para a redenção, paixão e morte deCristo, além de expressões que descrevem a atividade redentora do Logos segundoas regras da communicatio idiomatum’: Mas, em uma longa passagem da primeira desuas Orações contra os arianos, Atanásio discute com detalhes a questão dacapacidade de alterar e exaltar o divino Logos, que não poderia sofrer mudançasnem tinha necessidade de ser exaltado. Sua resposta era uma paráfrase dalinguagem do Novo Testamento sobre "Cristo Jesus, que tendo a forma deDeus […] tomou a forma de servo".  "Pois ele, sendo Logos eexistindo na forma de Deus, foi sempre adorado. E permanecendo o mesmo, apesarde ter se tornado homem, foi chamado Jesus e possuiu toda a criação sob seuspés, criação que dobra os joelhos diante de seu nome [Jesus] e confessa que aencarnação do Logos e sua morte carnal não se deram contra a glória de Deus,mas sim `para a glória de Deus Pai”. { Extraído do livro Maria Através dosSéculos, de Jaroslav Pelikan, catedrático da Yale Unversity }



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