Formação

A pecadora com um frasco de perfume

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Há páginas do Evangelho nas quais o ensinamento está tão unido aodesenvolvimento da ação que não se percebe plenamente o primeiro quandoé separado do segundo. O episódio da pecadora em casa de Simão — quese lê no Evangelho  de São Lucas — constitui umadessas. Abre-se com uma cena calada; não há palavras, mas somentegestos silenciosos: entra uma mulher com um frasco de óleo perfumado;ela se ajoelha aos pés de Jesus, os lava com lágrimas, os seca com seuscabelos e, beijando-os, os unge com perfume. Trata-se quase com certezade uma prostituta, porque isso significava então o termo «pecadora»referido a uma mulher.

Nesse momento, o objetivo se desloca ao fariseu que havia convidadoJesus para uma refeição. A cena é ainda calada, mas só em aparência. Ofariseu «fala para si», mas fala: «Vendo isso, o fariseu que o haviaconvidado pôs-se a refletir: ‘Se este homem fosse profeta, saberia bemquem é a mulher que o toca, porque é uma pecadora!’».

Nesse ponto do Evangelho, Jesus toma a palavra para dar seu juízo sobrea ação da mulher e sobre os pensamentos do fariseu, e o faz com umaparábola: «‘Um credor tinha dois devedores: um lhe devia quinhentosdenários e outro cinqüenta. Como não tivessem com que pagar, perdoou aambos. Qual dos dois o amará mais?’. Respondeu Simão: ‘Suponho queaquele a quem perdoou mais’. Disse-lhe Jesus: ‘Julgaste bem’». Jesus,sobretudo, dá a Simão a possibilidade de convencer-se de que Ele é, defato, um profeta, visto que leu os pensamentos de seu coração; ao mesmotempo, com a parábola, prepara todos para compreender o que está aponto de dizer em defesa da mulher: «‘Por essa razão, eu te digo, seusnumerosos pecados lhe estão perdoados, porque ela demonstrou muitoamor. Mas aquele a quem pouco foi perdoado mostra pouco amor’. E dissea ela: ‘Teus pecados estão perdoados’».

Este ano se celebra o oitavo centenário da conversão de Francisco deAssis. O que tem em comum a conversão da pecadora do Evangelho e a deFrancisco? Não o ponto de partida, mas o ponto de chegada, que é o maisimportante em toda conversão. Lamentavelmente, quando se fala deconversão, o pensamento se dirige instintivamente ao que se deixa: opecado, uma vida desordenada, o ateísmo… Mas isso é o efeito, não acausa da conversão.

Como acontece uma conversão é perfeitamente descrito por Jesus naparábola do tesouro escondido: «O reino dos céus se parece a um tesouroescondido em um campo; um homem o encontra e o esconde de novo; depoisvai, cheio de alegria, vende tudo o que tem e compra esse campo». Nãose diz: «um homem vendeu tudo que tinha e se pôs a buscar um tesouroescondido». Sabemos como acabam as histórias que começam assim.Perde-se o que se tinha e não se encontra nenhum tesouro. Histórias deilusões, de visionários. Não: um homem encontrou um tesouro e por issovendeu tudo o que tinha para adquiri-lo. Em outras palavras: énecessário ter encontrado o tesouro para ter a força e a alegria devender tudo. Primeiro é preciso ter encontrado Deus; depois se terá aforça de vender tudo. E isso será feito «cheios de alegria», como odescobridor do qual o Evangelho fala. Assim aconteceu no caso dapecadora do Evangelho, e assim também no caso de Francisco de Assis.Ambos encontraram Jesus e é isso o que lhes deu a força de mudar.

Eu disse que o ponto de partida da pecadora do Evangelho e de Franciscoera diferente, mas talvez isso não seja exato. Era diferente emaparência, no exterior, mas em profundidade era o mesmo. A mulher eFrancisco, como todos nós, estavam em busca da felicidade e percebiamque a vida que levavam não os fazia felizes, deixava uma insatisfação eum vazio profundo em seus corações.

Eu li esses dias a história de um famoso convertido do século XIX,Hermann Cohen, um músico brilhante, idolatrado como menino prodígio deseu tempo nos salões da Europa. Uma espécie de jovem Francisco emversão moderna. Depois de sua conversão, escrevia a um amigo: «Busqueia felicidade por todas as partes: na elegante vida dos salões, naensurdecedora bagunça de bailes e festas, no acúmulo de dinheiro, naexcitação dos jogos da sorte, na glória artística, na amizade depersonagens famosos, no prazer dos sentidos. Agora encontrei afelicidade, dela tenho o coração repleto e queria compartilhá-lacontigo… Tu dizes: ‘Mas eu não creio em Jesus Cristo’. Eu terespondo: ‘Tampouco eu cria, e é por isso que era infeliz’».

A conversão é o caminho à felicidade e a uma vida plena. Não é algopenoso, mas sumamente gozoso. É a descoberta do tesouro escondido e dapérola preciosa.


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