Formação

Raízes da violência e caminhos de paz

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Aextraordinária escalada da violência em nossas cidades, inclusive emSalvador, exige reflexão para encontrar os caminhos da paz nasociedade. A violência emerge como conseqüência de alguma outra coisa,como sintoma que sinaliza problemas não imediatamente percebidos. Aviolência, no fundo, é reação a esses problemas. Por isso, não bastafornecer armas de guerra aos funcionários da segurança pública.

Aviolência nasce da desesperança, dos caminhos fechados, da falta deoportunidades para crescer e construir uma vida digna a partir doestudo, do aprendizado de uma profissão, da disciplina e do sacrifíciopara conseguir constituir uma família, ter uma casa para abrigá-la,gerar filhos, podendo-os educar.

Araiz da violência, que é mais difícil de ser reconhecida, está no modode tratar o outro a partir do próprio interesse, sem considerá-lo nasua realidade pessoal, sem respeitá-lo na sua dignidade própria. A raizda violência consiste em não amar o destino do outro, não se interessarpelo bem dele, dando sempre a precedência ao próprio interesse, àprópria conveniência e vantagem.

Nestesentido, as relações familiares podem estar marcadas por esta raiz deviolência, que poderá explodir em ato de agressão como Caím fez com oirmão Abel. As relações de intimidade de muitos namorados contêm essaraiz de violência quando uma pessoa pouco se importa com o bem daoutra, sobressaindo o interesse individual.

Asrelações entre funcionários e cidadãos, nos hospitais, nas repartiçõespúblicas, nas diversas atividades profissionais contêm, muitas vezes,essa mesma raiz de violência.

Naorigem da violência há, portanto, uma história de desrespeitos, defrustrações, de humilhações, de negativas que fecham os caminhos para arealização de um projeto de vida pessoal e familiar positivo,construtivo para a pessoa e para a sociedade. Dessa maneira,acumulam-se tensões que poderão explodir quando menos se espera.

Alémdisso, dificilmente podemos avaliar o poder “educativo” dos debates noCongresso, nos meios de comunicação e, muitas vezes, nas escolas paradefender o aborto, o uso de células tronco, a legitimidade daeutanásia. Forma-se, especialmente nas gerações mais jovens, aconsciência de que se pode eliminar uma vida humana quando se torna umpeso, quando atrapalha o próprio sonho de felicidade. Matar pai e mãe,jogar pela janela a própria filha, torna-se possível. Recentemente, umamãe que jogou a filinha pela janela no Paraná disse ao repórter:“queria livrar-me desse pacote”.

Poroutro lado, aparecem a cada dia no noticiário nacional, figuras dasmais altas esferas dos poderes públicos que cometem falcatruas, queenriquecem com o dinheiro público e que continuam sorridentes, livres,impunes, continuando com seu poder e prestígio como se nada fosse. Éevidente o extraordinário poder que esses fatos têm para desestimularno cidadão comum, especialmente nos mais jovens, atitudes dehonestidade e de sacrifício para conduzir com dignidade sua vidaapertada.

Cabeainda uma palavra a respeito de políticas públicas que incentivam umavisão banal da vida, quase um jogo que não exige muitaresponsabilidade. A oferta gratuita de camisinhas nas escolas públicasnão constitui um incentivo para concentrar-se no estudo da matemática edo português. Será que a oferta de camisinhas vai melhorar os níveis deaprendizado dos nossos adolescentes nas escolas públicas, que já foramavaliados entre os mais baixos do continente? Creio que também nãoestimulam a elaboração de um projeto de vida que exija disciplina esacrifício. É muito provável que certas práticas façam crescer apercepção da outra pessoa como ocasião para um momento de lazer,instrumento da própria satisfação. Não parece uma boa base paraenfrentar de maneira positiva e sábia os desafios da idade adulta.

Nessecontexto, o mundo das drogas oferece ganhos fáceis, o poder das armas aquem sempre se viu humilhado, um caminho rápido para conseguir tudo queparecia inatingível. Oferece também balas a bom mercado, para matar epara morrer, um jogo a mais nesse horizonte sem ideal de vida e semobjetivos para construir na dignidade e na paz a própria existência, aprópria família e a sociedade.

Éurgente que os adolescentes e os jovens possam reconquistar a percepçãoda própria existência como relação direta com o Mistério que está naorigem de tudo, para encontrar motivos adequados para elaborar umprojeto de vida digna e de crescimento no bem e na paz para si e paratoda a sociedade.


Cardeal Dom Geraldo Majella Agnelo
Arcebispo de Salvador-BA


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