Dom Eurico dos Santos Veloso
Arcebispo de Juiz de Fora
Quando rezamos o Pai Nosso, suplicamos que “perdoe as nossas ofensas,assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido”. Como é difícilpraticar o perdão! Talvez seja porque sempre temos os olhos abertospara julgar o próximo e estejamos sempre prontos a condená-lo.
E o julgamento do homem é terrível. Pe. Antonio Vieira no sermãosobre o Bom Ladrão, diz “Terrível é o julgamento de Deus, porém maisterrível é o julgamento do homem.” E dá a razão: é porque Deus julgapelo que é e o homem julga pelo que lhe parece ser. E naquilo que nosparece ser, abrem-se à nossa mente nossas emoções, rancores e ódio. Operdão fica então difícil. Muitas vezes, para nos justificar perante oEvangelho, dizemos que o concedemos, mas a mágua perdura em nossocoração.
Jesus que conhecia muito bem o coração humano, preceituou: “nãojulgueis os outros e Deus não vos julgará” (cf. Mt.7,1). Numa expressãobelíssima de conteúdo, D. Helder Câmara, numa de suas crônicas, comentaque se passássemos pela terra sem julgar, quando, no fim dos tempos,chegássemos diante do Juiz ficaríamos surpresos ao ouvir:”você não serájulgado, porque na terra você não julgou…”
E sobre o perdão. O Evangelho nos ensina que devemos ter o coraçãoaberto. Pedro perguntou ao Mestre quantas vezes devia perdoar ao irmão,se até sete vezes. E Jesus lhe deu a medida que o perdão não temmedida: “Não apenas sete vez, mas até setenta vezes sete vezes” (cf.Mt. 18, 21-22) E, logo a seguir na parábola do empregado cruel que nãoperdoou o seu companheiro, diz como o Pai Celeste tratará a cada um denós se não perdoarmos de coração a nosso irmão.
Paulo, na Carta aos Efésios concitando-nos a viver como filhos daluz, na santidade cristã, escreve: “sede bondosos e compassivos uns comos outros, sabendo perdoar uns aos outros como Deus vos perdoou emCristo” (cf. Ef.4, 32).
Hoje, como se mata por um nada! Não preciso descrever as vinganças, o ódio e a cobiça que as motivam.
Outro dia, conversando com um capitalista, dele ouvi que oneo-liberalismo impôs-nos uma ditadura do dinheiro. Tudo é visto sobesse ângulo. Até instituições de direito que limitam as cobranças pelodecorrer do tempo, tem sido questionadas.
E se observarmos procedimentos policiais para inquéritos sobre açõesque envolvem grandes somas de dinheiro, sobretudo público, observamosduas vertentes de atitudes, uma o desvio do dinheiro público e oenriquecimento ilícito de grupos e corporações, com envolvimento até dequem deveria cuidar da observância da lei e da justiça, e outra, aânsia de que a apuração seja no mesmo momento ostensiva, aos holofotessofisticados da “mídia” e que, no mesmo ato da apreensão, haja ojulgamento popular e a condenação do envolvidos ainda sem a prova.
O dinheiro como valor absoluto de um lado. De um político pego numadessas ações, ouviu-se o conceito que tinha do dinheiro público, comode um bem de que podia se apropriar; “é público”.
De outro o julgamento humano pelas aparências e, pior, depois nãorespaldado pela Justiça pela delonga no tempo, senão pela absolvição, oque não ocorre com aquele de surrupia um pão, um vidro de perfume numsupermercado.
Não podemos ser contra a ação policial que corretamente faz o seudever e age com rigor sobretudo com aqueles que tem poder de mandarparar a investigação, ou desviá-la por meios nem sempre lícitos. JoãoBatista pregava aos que devem, por profissão, manter a ordem, ossoldados: “não useis de violência com ninguém, não calunieis econtentai-vos com vosso soldo” (cf. Lc. 3,14).
A prática do perdão não exime as ações de justiça, de exigir, pelasvias normais do direito o que é seu e dar a cada um o que lhe compete.Mas, acima de tudo, o cristão tem um norte: a caridade. Sem observarmoseste preceito do amor as nossas exigências podem, certamente, estareivadas dos sentimentos humanos.
Saibamos perdoar uns aos outros como Cristo na cruz perdoou aos seusalgozes. Aprendamos a lição do Pai que, na morte de seu Filho nosperdoou. A medida do perdão é o amor. Amemo-nos como Cristo nos amou eassim cumpriremos sua lei.