Formação

O bode expiatório

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Dom Redovino Rizzardo

Costuma-sedizer que a culpa morre solteira: ninguém casa com ela! Desde criança,estamos habituados a botar a culpa nos outros! Até parece que oimportante na vida, para ter a consciência em paz, é descobrir umculpado. E, naturalmente, os culpados são sempre os outros! Em algumasculturas mais antigas, até mesmo as calamidades naturais, as doenças eas mortes são atribuídas ao olho gordo, ao mau-olhado ou à maldição deum po-bre coitado, o qual, se pego, precisará pagar, às vezes com avida, o mal do qual não tem a menor responsabilidade…

Assumira própria culpa exige maturidade e heroísmo, mas é o único passo quegera a liberdade interior. Quem se sente amado por Deus, não tem medode admitir seus erros e pecados. Mas quem não tem essa graça, precisaestar sempre se desculpando. É o que acontece com inúmeros católicosque procuram o Sacramento da Reconciliação: eles se dirigem aoconfessionário não para reconhecer seus pecados, mas para sejustificarem e, às vezes, até mesmo para jogar a culpa na esposa, nomarido, no colega, no patrão, etc. A meu ver, tudo isso se deve aosentimento de culpa, que nos impede de acreditar que a misericór-dia deDeus é maior do que o pecado do homem.

Nessesentido, é simplesmente maravilhosa a experiência feita pelo salmista:«En-quanto eu silenciava o meu pecado, definhavam os ossos dentro demim e eu não parava de gemer. Noite e dia, eu sentia pesar sobre mim avossa mão. O meu coração era como um feixe de palha no calor do verão.Por fim, eu confessei o meu pecado e minha falta vos fiz conhecer. Evós, Senhor, perdoastes a minha falta. Todo fiel pode, assim, vosinvocar» (Sl 32,3-6).

Foramesses os sentimentos que me tocaram o coração ao ler a carta que BentoXVI dirigiu aos bispos no dia 10 de março, sobre os motivos que olevaram a suspender a excomunhão que há vinte anos atingia os quatrobispos ordenados por Marcel Lefevre, em 1988, contra as ordens doVaticano. Transcrevo algumas de suas palavras mais significati-vas: «Àsvezes fica-se com a impressão de que a nossa sociedade precise de umapessoa ou grupo ao qual não se conceda nenhuma tolerância, e contraquem se possa tranqüilamente arremeter-se com rancor. E se alguém ousaaproximar-se do mesmo – neste caso, o Papa – perde também o direito àtolerância e pode ser tratado com a mesma aversão, sem medo nemdecência.

Nosmesmos dias em que decidi vos escrever esta carta, tive a ocasião deinterpretar e comentar o texto de Gal 5,13-15. Com surpresa, verifiqueicomo essas palavras se adap-tam ao momento atual: “Não abuseis daliberdade como pretexto para viver segundo a carne; mas, pela caridade,colocai-vos a serviço uns dos outros, porque toda a lei se resu-menesta palavra: amarás o teu próximo como a ti mesmo. Se, porém, vosmordeis e devo-rais mutuamente, tomai cuidado para não vos destruirdesuns aos outros”. Sempre considerei essa frase como um dos exagerosretóricos que, às vezes, se encontram em São Paulo. Talvez, sob certosaspectos, possa ser assim mesmo. Mas, infelizmente, este “mor-der edevorar” existe também na Igreja atual, como expressão de uma liberdademal interpretada. Será que nós somos melhores do que os Gálatas? Nãoestamos ameaçados pelas mesmas tentações? Não precisamos aprender,sempre de novo, o correto uso da li-berdade e, principalmente, que aprioridade suprema é sempre o amor?».

Aspalavras do papa me fizeram lembrar o que acontecia no AntigoTestamento, quando os judeus recorriam a um bode para se sentirem empaz com Deus. Ao invés de jogar seus pecados em Deus com humildade econfiança, preferiam lançá-los num animal, que passava a ser execrado elevado para fora do acampamento: «Concluída a expiação do santuário,Aarão mandará trazer o bode vivo e, impondo ambas as mãos sobre a suacabeça, confessará todas as culpas, transgressões e pecados dos filhosde Israel e os porá sobre a cabeça do bode. Depois, por meio de umhomem para isso designado, o enviará ao deserto. Assim, o bode levarásobre si todas as culpas dos filhos de Israel para uma regiãodesabitada» (Lv 16,20-22).

Paraquem pretende ser feliz e colaborar para a construção de uma sociedadejusta e pacífica, mais do que andar à cata de bodes expiatórios, o quedeve fazer é semear amor onde ele não existe. Verá, então, que até oslobos mais ferozes se transformarão em mansos cordeiros…


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