Dom Walmor Oliveira de Azevedo
O tempo de criança deixa marcas indeléveis no fundo do coração. Por isso, esse tempo tem uma importância determinante na vida de cada pessoa. Não é um tempo qualquer. Este é o tempo do assentamento daquelas matrizes que sustentam o futuro e alimentam as condutas que mudam histórias e mantém a vida sob o tônus da verdade. Tudo o que se ouve tem valor e ecoa lá no fundo da alma, deixando marcas e direcionando os rumos. O que se vê marca ainda mais. Particularmente, condutas e posturas diante dos outros e nas diferentes circunstâncias da vida. A conduta dos adultos sinaliza e tem força de poder sobre as escolhas que brotam no coração dos que vão se fazendo cidadãos, adultos. Não é por acaso que aqui e ali se ouve de alguém algum testemunho, muitas vezes saudoso ou com uma ponta de santo orgulho, a respeito de tempos idos, de lições aprendidas e de admiração a pessoas que marcaram vidas e épocas, na sociedade, na Igreja e na família. Existem admiráveis testemunhos que marcaram e inspiram a vida de tantas pessoas. Em especial, merece referência e apreço a conduta daqueles que hospedam, com naturalidade, e como opção fundamental, o gosto e o esforço da obediência à verdade. Estas referências têm grande força inspiradora no coração da criança, depois adulto. Os raciocínios e as escolhas, no entanto, nem ainda são emoldurados por um alcance adequado da maturidade afetiva e psicológica própria deste tempo da vida.
Entre tantos exemplos que comprovam esta reflexão está aquele do jovem, muito menino, respondendo ao desafio de observações a respeito de sua escolha vocacional. Interpelado como alguém não competente, por razões diversas, para a missão a que se propunha, não hesita em dizer que em lugar daquela escolha proposta, na impossibilidade, satisfeito ficaria na vida por um jeito de ser, viver e trabalhar que lhe bastaria ser igual ao pai. A semelhança pretendida em relação ao pai nada tinha a ver com riquezas ou poderes conquistados pelo pai, nem mesmo com a profissão. Aliás, o pai era pobre, ganhando apenas o extremamente necessário para viver e sustentar a família. O anelo de ser como o pai não vinha de uma sua consideração enquanto detentor de títulos ou ocupante de lugares de poder na sociedade. A escolha do filho pelo caminho trilhado pelo pai tinha a ver tão somente com o que ele tinha crescido ouvindo a respeito daquele homem admirável. Um homem honesto. Uma honestidade incontestável, sem deslizes. Esta constatação era um coro só a respeito daquele homem que era seu pai. Sem o domínio de grandes elucubrações racionais, o menino que ia se tornando grande compreendera que o valor maior de tudo, em qualquer opção fundamental de vida, é a obediência à verdade. Isto é, a honestidade. Uma honestidade que se traduz no sentido e o alcance da fidelidade aos outros, enquanto obediência à verdade. Curiosamente, foi esta a única herança deixada por este amado pai. Nenhuma outra herança vale tanto quanto esta. Esta é a única herança que não se corrompe. Esta convicção ficara no coração do filho no acompanhamento e na consideração da conduta do próprio pai. Esta força de persuasão nasce do acompanhamento diário do jeito de ser do próprio pai. Há como princípio a fidelidade aos princípios. É inadmissível transgredir. Inestimável se torna o valor da fidelidade. Não é a fidelidade às próprias conveniências ou àquelas grupais. Fidelidade não é simplesmente sinônimo de interesses. Fidelidade é obediência à verdade. Uma obediência que deve desmontar até dinâmicas culturais.
Há culturas que se gabam da propriedade de conseguir enganar aos outros e usar artimanhas de linguagem para se conseguir o que se quer, elegendo estes artifícios como legítimos na conquista e consecução dos seus objetivos. E na medida em que vão escasseando estes homens e mulheres de ilibada conduta, surge a demanda de saber da existência daqueles que primam pela fidelidade, numa conduta transparente e disponível na oferta de si. Pensa-se que fidelidade é adesão incondicional àquilo que defende ou perpetua os direitos e conquistas próprios e dos segmentos da sociedade aos quais se pertence. Fidelidade chega ao absurdo de ser sinônimo de conivência. Confunde-se fidelidade com atuações perversas e instintos diabólicos de destruição e fracasso. Estes que são assim influenciarão e inspirarão muitas crianças nas suas escolhas e na definição do modo de tratar a sociedade e as suas coisas.
O profeta Isaías advertia seus contemporâneos a respeito do risco de se abrir mão da verdadeira fidelidade como obediência à verdade. Ele lembrava que só ficaria longe da eterna chama ‘aquele que caminha na justiça, diz a verdade e não engana o semelhante; o que despreza um benefício extorquido e recusa um presente que suborna; o que fecha o seu ouvido à voz do crime e cerra os olhos para o mal não contemplar’. As conseqüências são boas para este que escolhe o caminho da obediência à verdade: “Esse morará sobre as alturas, e o seu refúgio há de ser a rocha firme; o seu pão não haverá de lhe faltar, e a água lhe será assegurada” (Is 33, 13-16).