Formação

O Avião

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Dom Luiz Demétrio Valentini

    Oacidente com o avião da Air France continua repercutindo. Todos nossentimos consternados, solidários com os familiares que ainda aguardamalguma notícia que elucide o que aconteceu, e pensando nas vítimas,imaginando o que se teria passado com elas.

    Essessentimentos são uma expressão de humanidade, que aflora com maisintensidade quando um fato é amplamente divulgado, como aconteceu comeste episódio.     Comove pensar nos noivos que tinham celebrado seucasamento na véspera, nas professoras que tinham longamente preparadosua excursão para a Europa, na  família que viajava de férias para aGrécia. E assim, como a aeromoça que passa para vistoriar cada fileirade assentos, nossa imaginação percorre todo o avião, misturando nossodesejo de evitar a tragédia, com a incapacidade de tomar qualquerprovidência.

    Mas,além da solidariedade com as vítimas e seus familiares, todos osacidentes com aviões repercutem de maneira especial em nossosubconsciente. Porque o avião é o símbolo de um sonho acalentado desdeos primórdios da humanidade, e acolhido no íntimo de cada pessoahumana. O sonho de voar, e superar os limites humanos. Desde meninos,temos inveja dos pássaros, e sonhamos também nós alçar vôo. Qual acriança que já não se imaginou voando, de braços abertos, pairandolivre no ar, vencendo a atração da gravidade?

Cadadesastre de avião é uma frustração deste sonho acalentado por todos.Uma derrota de nossa utopia de liberdade e de transcendência. Por isto,os desastres de avião repercutem mais do que os outros.  Eles são umaafronta à aspiração mais simbólica e mais arrojada de nossa condiçãohumana: superar os condicionamentos físicos, que cerceiam nosso sonhode infinitude.

Fazmuito pouco tempo que este sonho teve uma concretização prática nainvenção do avião. Foi em Paris, no dia 23 de outubro de 1906, só cemanos atrás, que o brasileiro Santos Dumont conseguiu fazer sua primeirademonstração de voar, com um aparelho mais pesado do que o ar, o seufamoso 14 Bis, o primeiro artefato voador. Era para Paris que sedirigia agora o 447. Esta circunstância parece acrescentardramaticidade a este acidente com o avião da Air France. Pois ahistória parece dizer que a rota primordial da aviação é o trajetoRio-Paris, que lembra Santos Dumont, que saiu do Rio e foi a Parisfazer sua demonstração de vôo.

Oinvento de Santos Dumont se propagou com muita rapidez. Nem é deestranhar que outros reivindiquem a autoria desta descoberta. Quemdispunha de mais condições técnicas, pôde levar em frente as intuiçõesjá presentes no vôo do pioneiro da aviação, em 1906.

Poucotempo depois, Santos Dumont viu com muita tristeza sua invenção sercolocada a serviço da destruição, na primeira guerra mundial.Infelizmente, foi a guerra que acelerou a tecnologia da aviação. Sódepois da segunda guerra mundial, a indústria tomou decididamente orumo da construção de aviões de passageiros, colocando a aviação nocentro do sistema mundial de transporte.

Mas,vamos de novo acompanhar o 447.  A hora e o lugar do acidente são asúnicas referências para imaginarmos o que terá acontecido. Naquelahora, e naquele ponto do trajeto, a tripulação já tinha servido ajanta, e apagado as luzes para favorecer o descanso e o sono dospassageiros. Provável que a maioria estivesse dormindo, com atranqüilidade de quem estava seguro nas mãos do experiente comandante,e na solidez do possante aparelho que os transportava. Até a eventualpane elétrica parecia vir a propósito, para favorecer um ambientemelhor para o sono. Se o comandante nem teve tempo para informar oscontroladores do vôo, muito menos teve tempo para advertir ospassageiros. É muito provável que não tenham se dado conta de nada. Aviolência com que o avião se precipitou no mar, provocou a súbitadespressurização, que tira a consciência até de quem está acordado.

Assim,do sonho de voar, e do sono do vôo, devem ter passado para a durarealidade de sucumbir à força da gravidade. E terão acordado numdestino onde certamente não imaginavam chegar.

Enquantoisto, com os pés no chão, ficamos meditando sobre nossa condiçãohumana. Continuamos prisioneiros de tantos limites. Mas sentimos odesejo irresistível de superá-los. O avião continua símbolo de nossavocação ao transcendente. Mas dispomos de asas mais potentes e maisseguras para empreender a grande travessia da vida. Como lembra aencíclica Veritatis Splendor, a fé a razão suas duas asas potentes quenos levam à plenitude da verdade. Dentro desta plenitude, encontramoslugar para  todos. Para que os já chegaram, e para que os ainda estamosem viagem.


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